Nas instituições que se dedicam a estudar as questões que mexem com a ecologia, tudo parece conduzir para que a última palavra seja, não dos ambientalistas inseridos, eventualmente, na estrutura governamental, mas dos potenciais poluidores incrustados no sistema econômico.
O capitalismo como determinante do meio ambiente parece se alimentar do mesmo dilema: a sua crise autofágica. No poema que fez na década de trinta, sobre a poluição do Tietê, Mário de Andrade não reclama da raiz do problema - a industrialização desenfreada de São Paulo. Constata que o rio da sua infância está com as suas águas "oliosas" (era essa ortografia da época). Poderia ter feito a relação de uma coisa e outra - mas era difícil colocar o problema nesses termos.
Na década de setenta, o Partido Comunista Brasileiro defendia claramente a inevitabilidade da poluição. Fazendo eco aos militares que tinham um discurso nacionalista a ponto de os prefeitos por eles nomeados pedirem - ˜patrioticamente" diziam - que seus municípios fossem poluídos - o PCB raciocinava com a lógica do passado: se a poluição tinha provocado a expansão capitalista na Europa - por que não repeti-la no Brasil?
O raciocínio se inscrevia no lema da ditadura militar: havia primeiro que crescer e, então, proceder à divisão do bolo para toda a população. Em relação aos problemas ambientais, partia-se do mesmo princípio - aliás, ainda vigente: se o preço a pagar pela industrialização era a degradação ambiental - que se promovesse a destruição. A se crer no silogismo, mais cedo ou mais tarde os problemas ambientais seriam solucionados por instituições técnicas, algo, digamos, como a Cetesb - Companhia de Tecnologia de Saneamento Ambiental, de São Paulo. Foi o que animou e ainda ilude muitos técnicos da área ambiental.
Baseados no equívoco de que quem traça as políticas, sejam quais forem, são os economistas, os técnicos, os cientistas e não os governantes, muitos deles - e não os menos capazes, diga-se - ainda esperam que seus institutos façam algumas coisas. O desprezo pela política tem muito daquela visão do filósofo Benedetto Croce, para o qual a "filosofia é uma coisa que com a qual e sem a qual, o mundo permanece sempre igual".
Mude-se filosofia por política, e se tem o mesmo discurso niilista e cético. Já que os políticos nada fazem, ou fazem pouco, muitos técnicos - os melhores, inclusive - acham que podem se abster de se envolverem em política, de cobrarem do poder público o engodo de que a "sua" técnica, a "a sua" ciência tem a solução para todos os problemas ambientais. Que se os criem, tudo bem: está nos compêndios e nos laboratórios resolvê-los.
Parece um equívoco falacioso. Mas é o que predomina em quase tudo. Os europeus, principalmente, estão no ápice do processo. As discussões não se fazem em torno do sistema dominado pelo capital financeiro - ao contrário, os que a debatem são exatamente os manda-chuvas dos bancos. Assim na área ambiental. Nas instituições que se dedicam a estudar as questões que mexem com a ecologia, tudo parece conduzir para que a última palavra seja, não dos ambientalistas inseridos, eventualmente, na estrutura governamental, mas dos potenciais poluidores incrustados no sistema econômico. São favas contadas que, em certos estados, os candidatos à direção das entidades oficiais que cuidam das questões ambientais, ou passam primeiro pelas respectivas federações das industrias, (ou seja, pelos potenciais poluidores), ou não terão a menor chance de serem nomeados, seja para o que for.
Parece ser aqui que a questão política assume seu real significado não só no âmbito do meio ambiente. Explica-se, que na Grécia, metade da população economicamente ativa esteja desempregada. Quem resolverá o problema? Para o sistema não é quem se posta, evidentemente, contra o sistema. Numa palavra: para o sistema, a solução, a essas alturas, "não é política ", mas "técnica". Noutro momento será política, mas aí justamente para negar qualquer demanda que implicará qualquer renúncia ou perda de lucros.
É o que não parece esteve em jogo na Rio+20. Lá, salvo se o que restar for apenas o silêncio, os políticos mais uma vez perderam o futuro, tendo atrás de si, evidentemente, os interesses econômicos de sempre. O que não se tem como garantia, são se, justamente os políticos que decidem alguma coisa (não apenas em seus respectivos países), terão o condão de conduzir a bom termo as decisões da "carta de intenções." É duvidoso. A ONU parece ter consagrado o que é corrente no Brasil. Aqui sabemos há muito que existem as leis que não pegam: as resoluções que Israel e os Estados Unidos não acatam, são os exemplos claros de que não é só no Brasil que elas não "colam." Outra questão é a de sempre e que também pode se resumir, ironicamente, ao que sabemos inclusive sob a forma daquela famosa frase dita, algures, por Getúlio Vargas: "A lei, ora a lei... "
Na verdade, o que o Flávio Aguiar sugeriu sobre a Grécia e que se estende à crise do capitalismo como um todo - o que inclui a questão ambiental - o processo - político e ambiental, se é que as coisas não andam juntas - ainda não amadureceu.
Mário de Andrade não augura nada em seu poema sobre o Tietê. Mas o outro Andrade - Carlos Drummond, - em seu longo e belo poema "Num Planeta Enfermo" ao literalmente chorar sobre as águas do Parnaíba poluídas, conclui profeticamente "Minha Santana pobre de Parnaíba/ meu dolorido Bom Jesus de Pirapora/ meu infecto Anhambi de glória morta/ fostes os chamados/ não para anunciar uma outra luz do dia / mas branco sinistro, o negro branco,/ branco sepultura do que é cor, perfume/ e graça de viver enquanto vida / ou memória de vida se consente/ neste planeta enfermo.
(Por Enio Squeff, Carta Maior, 28/06/2012)
Enio Squeff é artista plástico e jornalista.