Lei consolida reduções de área adicionais às previstas pelo governo e evidencia risco de uso de Medida Provisória para diminuir Unidades de Conservação
A MP (Medida Provisória) nº 558, que reduz a área de sete UCs (Unidades de Conservação) na Amazônia, foi publicada ontem no Diário Oficial como Lei Federal 12.678/2012. A norma foi aprovada pelo Senado no dia 29/5.
Editada em janeiro pela Presidenta Dilma Rousseff, originalmente a MP ampliava os limites do Parna (Parque Nacional) dos Campos Amazônicos (AM/RO/MT), mas reduzia os da APA (Área de Proteção Ambiental) Tapajós (PA), dos Parnas da Amazônia (AM/PA) e do Mapinguari (AM/RO), das Flonas (Florestas Nacionais) de Crepori, Itaituba I e II (todas no Pará).
No total, o primeiro Parna ganhou 87,7 mil hectares e as outras seis áreas perderam juntas 86 mil hectares.
As alterações foram feitas para regularizar a ocupação de agricultores e acomodar a implantação das hidrelétricas de Jirau, Santo Antônio e Tabajara, em Rondônia, e do complexo hidrelétrico do Tapajós, no Pará (saiba mais).
O relator da matéria na Câmara, deputado Zé Geraldo (PT-PA), acrescentou e conseguiu aprovar também a exclusão de mais 18 mil hectares da Flona do Tapajós (PA). A sede do município de Aveiro e parte da área rural ao seu redor estão agora fora da UC. O mesmo ocorreu com as comunidades de São Jorge, Nova Vida, Nossa Senhora de Nazaré e Santa Clara, em outro extremo da Flona, às margens da BR-163 (clique aqui).
Conflitos
Os conflitos provocados pela presença de comunidades em UCs não são novidade, em especial na Amazônia. Há vários problemas desse tipo agravados pela incapacidade dos órgãos ambientais de promover políticas integradas que consigam conservar os ecossistemas e, ao mesmo tempo, assistir as populações tradicionais e de agricultores familiares dessas regiões.
Como na maioria dos casos de sobreposição de áreas protegidas, não havia unanimidade na comunidade local da Flona Tapajós a respeito da desafetação da sede de Aveiro.
Alguns moradores argumentavam que a sobreposição impedia o desenvolvimento local, atravancando obras e empreendimentos importantes. Outros defendem que a permanência dentro da Flona poderia ser uma oportunidade para implantar um modelo de desenvolvimento alternativo, não baseado no desmatamento e na especulação imobiliária.
A Flona do Tapajós é uma UC federal criada em 1974 com aproximadamente 600 mil hectares (leia mais).
“As comunidades da parte desafetada no nordeste da Flona são majoritariamente constituídas por descendentes de migrantes e sua relação com a floresta é de fato muito diferente da relação das comunidades ribeirinhas, caracterizando-se mais como agricultores familiares do que extrativistas”, explica o professor Florêncio Almeida Vaz, do Programa de Antropologia e Arqueologia da UFOPA (Universidade Federal do Oeste do Pará).
“Até mesmo por isso, essas comunidades tiveram muito pouco acesso às políticas e incentivos oficiais de manejo, o que sempre agravou a fraco vínculo deles com a figura da Flona”, conclui Vaz.
Ele lembra ainda que, a partir do final da década de 1990, uma série de projetos começou a ser desenvolvida na região com as populações tradicionais de ribeirinhos para dissuadi-las da ideia da exclusão de suas comunidades da Flona. Várias acabaram por se convencer.
Na mesma área, no entanto, há ainda três comunidades de indígenas Munduruku - Takuara, Bragança e Marituba - que reivindicam a demarcação de Terras Indígenas.
SNUC
Reedição da MP 452/2011, a MP 558/2012 foi bastante criticada por organizações da sociedade civil pela falta de transparência com que foi publicada. A norma não foi baseada em estudos técnicos, consultas às populações afetadas e à sociedade em geral.
Os estudos de impacto ambiental e viabilidade econômica das hidrelétricas de São Luiz do Tapajós e Jatobá, que motivaram a desafetação de algumas das UCs no Pará, sequer foram aprovados (leia a carta assinada por mais de 30 instituições sobre o assunto).
A conversão da MP em lei abre péssimo precedente para o sistema de gestão das UCs no País. De acordo com a Lei do SNUC (Sistema Nacional de Unidades de Conservação), uma UC só pode ser reduzida por meio de lei específica. Por isso, o procurador geral da república, Roberto Gurgel, ajuizou no STF (Supremo Tribunal Federal) uma ação direta de inconstitucionalidade (veja aqui).
As 52 emendas apresentadas durante a tramitação da MP evidenciam a fragilidade do procedimento adotado pelo governo para alterar os limites das áreas. As propostas previam desde renegociações de operações de crédito e dívidas, passando por alterações da categoria das UCs, até alterações de seus limites para possibilitar empreendimentos de mineração.
(Por Silvia de Melo Futada, ISA, 27/06/2012)