Diante da falta de liderança dos governos, caberá à sociedade civil lutar pelo desenvolvimento sustentável, porém é preciso que os movimentos sociais busquem a convergência das suas demandas e construam uma agenda mais propositiva
A Rio +20 se foi e o que ficou são milhares de reportagens que mostram quantas centenas de iniciativas de grupos como ONGs, empresas e indivíduos foram lançadas durante as conferências paralelas já que o evento oficial serviu para muito pouco além de fotos.
Como disse Marina Silva, a confiança no “multilateralismo” foi uma das maiores perdas dessa Rio +20.
As iniciativas independentes são sim importantes para mostrar como os mais diversos grupos têm tentado reagir à falta de liderança de governos como o brasileiro, que falsamente se dizem pioneiros no desenvolvimento sustentável, que deveriam assumir face às múltiplas crises que a humanidade vem enfrentando.
Na falta de um compromisso sério e abrangente em direção a um futuro mais justo (ambiental, social, cultural e economicamente), o único resultado positivo que os mais esclarecidos conseguem distinguir neste cenário confuso é a reação da sociedade civil, que apesar de se mostrar indignada, ainda tem um longo caminho para estar organizada.
A Cúpula dos Povos foi um evento maravilhoso em termos de diversidade de culturas e idéias, porém as dezenas de atividades autogestionadas, apesar de riquíssimas em conteúdo, contribuíram para a segmentação das discussões, não avançando na reunião das diferentes propostas.
Em todas as tendas que acompanhei, a crítica ao modelo atual de desenvolvimento insustentável ‘maquiado de verde’ e ao estímulo ao crescimento desenfreado mesmo em meio à crise era recorrente.
As ditas soluções vão desde uma economia mais solidária, justa e com práticas mais sustentáveis até propostas mais profundas, como o distanciamento completo de mecanismos de valoração dos serviços ambientais e do corporativismo.
Todas estas reivindicações têm o seu papel e são elementares na construção de um entendimento comum em que os diversos setores da comunidade mundial possam finalmente chegar a um novo modelo mais equitativo e menos depredador dos ecossistemas e também própria sociedade.
Entretanto, os movimentos sociais precisam buscar uma convergência maior das suas demandas e construir uma proposta crítica, mas também propositiva.
Um exemplo claro foram as várias plenárias sobre decrescimento, ecossocialismo e outros movimentos que clamam pela saída do capitalismo: se buscam o mesmo fim, por que não unir os debates? A superação das diferenças é o único caminho para uma solução condizente a realidade.
Uma das coisas mais marcantes da Cúpula dos Povos foi a angústia de indígenas de todo o Brasil. Desde os movimentos contra Belo Monte até os até Kaingangs do sul brasileiro, a crítica é quanto à falta de respeito do governo atual em relação aos seus direitos e terras.
A legislação e normatizações que protegem estes povos muito mais proprietários da terra do que nós, intrusos que chegamos há menos de cinco séculos espalhando doenças e lixo, está sendo estraçalhada pelo governo Dilma.
Isto sem falar nas denuncias de abandono dos indígenas no sambódromo, em colchões espalhados pelo chão e com comida sendo entregue às quatro da tarde.
É desolador saber que a poucos quilômetros dali, a administração atual continua dizendo que respeita as populações tradicionais e busca a sustentabilidade.
A distância entre os eventos populares e os oficiais parece um abismo pela ausência de comunicação a não ser por alguns bravos ativistas que conseguiram entrar nas plenárias oficiais e tentaram mostrar para a comunidade internacional as dificuldades dos movimentos sociais no Brasil.
Em nome de cerca de 1.000 ONGs, o representante da Rede de Ação Climática, Wael Hmaidan, pediu na quarta-feira (20) durante a primeira sessão plenária da conferência para que a referência de apoio atribuída às entidades civis organizadas fosse retirada do texto final da Rio+20.
Em outro protesto, um grupo de lideranças e personalidades nacionais e internacionais de diferentes segmentos entregaram na quinta-feira (21) no Riocentro, a mensagem 'A Rio+20 que não queremos' aos Chefes de Estado e de Governo que participam da Rio+20.
Por incrível que pareça, um dos momentos mais constrangedores e reveladores da Rio +20 foi o bate-boca da ministra do Meio Ambiente, Izabella Teixeira, irritada com manifestantes no Riocentro durante uma mesa composta por Luciano Coutinho, presidente BNDES; Johaness Eck, representante da Casa Civil do Brasil; Deborah Wetzel, do Banco Mundial; Jane Smart, das Nações Unidas; e Tarso Azevedo, especialista em política florestal.
Na Conferência das Nações Unidas para o Desenvolvimento Sustentável, o chamado ‘evento oficial’, a maioria das conferências, tanto plenárias quanto paralelas, pareciam entoar o mantra da ‘economia verde’.
O lado positivo é que agora realmente as grandes corporações e cidades não têm mais como esconder o seu passivo e terão que se adaptar ao novo paradigma que começa a nascer, voluntariamente na maioria dos casos devido a ausência de governança em nível nacional.
Não há como negar que as iniciativas são sim muito interessantes, com algumas empresas preocupadas em espalhar a sensibilização para a sustentabilidade até mesmo para os familiares dos seus funcionários e cidades se comprometendo com metas mais ambiciosas que os países. Mas, tudo isto se deve a pressão popular e a conscientização de alguns poucos líderes empresariais.
Como já está virando costume, a bola foi passada para nós, cidadãos: monitoramento da ‘maquiagem verde’ e corrupção, participação nas decisões locais (especialmente às vésperas das eleições municipais) e, enfim, policiamento de nós mesmos contra o desperdício e consumismo.
Estas são funções que certamente merecem a nossa atenção não apenas para garantir um ambiente equilibrado para as futuras gerações, mas para nós mesmos, já que não é apenas o sistema financeiro que está em crise, o planeta inteiro está.
(Por Fernanda B. Müller, Instituto CarbonoBrasil, 25/06/2012)