Em plena Rio+20, a Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável, a doutora Débora Fernandes Calheiros divulgou o documento Ensaio sobre a cegueira ambiental e social (íntegra, no final).
Nele, Débora denuncia a censura imposta a cientistas da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), especialmente sobre as questões referentes à revisão do Código Florestal. Também observa que a empresa, vinculada ao Ministério da Agricultura, manteve-se estrategicamente em silêncio, afastada do debate com a sociedade:
A revisão do Código Florestal deveria ser elaborada sim, atendendo às inovações tecnológicas e ao aumento do conhecimento científico… Deveria ter sido feita com base na Ciência, com “C” maiúsculo, como o foi à época realizado o Código das Águas (1934) e o Código Florestal (1969), editados por um Ministério da Agricultura à frente de seu tempo e preocupado com a conservação dos recursos hídricos e naturais indispensáveis à própria atividade agrícola
…Todos os cientistas puderam se manifestar livremente e oficialmente sobre o tema.
…No entanto, a empresa na qual trabalho, a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária – EMBRAPA, ligada ao Ministério da Agricultura, ícone da pesquisa agropecuária de nosso país, proibiu institucionalmente desde out./2010 seus pesquisadores de se manifestarem oficialmente no que se refere ao Código Florestal e “outros assuntos polêmicos”, “evitando conflitos com a posição oficial da instituição”, contrariando, inclusive, o seu próprio Código de Ética…
Recentemente (mar./2012), antes mesmo da aprovação do novo Código na Câmara Federal ou da sanção ou veto da Presidente, fomos informados por meio do Documento “Embrapa 2012 – Ano Embrapa para uma Agricultura Mais Verde” que a mesma “reconhece e fortalece as responsabilidades sociais e ambientais” e busca o fortalecimento da gestão que considera de “vanguarda” por meio “da implementação de ações sustentáveis, incluindo a obediência ao novo Código Florestal”.
Isso renegando um parecer técnico de seu próprio corpo de cientistas “Síntese da Pesquisa Agropecuária na Embrapa e a Proteção Ambiental” (jul/2009), que obviamente corrobora as opiniões dos demais cientistas da área, tendo cuidado especial para as pequenas propriedades, a grande maioria das propriedades rurais do país.
Esta repórter foi checar essas informações.
O primeiro passo foi pesquisar no Google Embrapa e Código Florestal. Curiosamente, com frequência, os links remetem para sites ligados a ruralistas e ao agronegócio, que chamam os ambientalistas de “ecotalibãs” e desqualificam a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC).
Um dos links remete para este texto.
O pesquisador em questão é Evaristo Miranda, importante na Embrapa e um dos precursores da atual revisão do Código Florestal em prol do agronegócio. É ligado ao senador José Sarney (PMDB-AP).
Outro link, do mesmo site, refere-se a este outro texto.
Nele, o presidente-executivo da Embrapa, Pedro Arraes, fala sobre a postura da Embrapa diante do Código Florestal.
Curiosamente, esta repórter não achou no Google um link onde pudesse se inteirar em profundidade sobre as posições técnico-científicas da Embrapa em relação à revisão do Código Florestal.
Por isso, o segundo passo foi perguntar diretamente à própria Embrapa:
1. Por que não participou dos debates sobre as mudanças do Código Florestal, como fizeram muitas instituições brasileiras ligadas à pesquisa? Afinal, o Código Florestal e Embrapa têm tudo a ver.
2. Por que proibiu seus pesquisadores de participar desse debate?
3. Seria possível disponibilizar o parecer técnico da Embrapa sobre as mudanças no Código Florestal?
Respostas encaminhadas ao Viomundo pela Secretaria de Comunicação da Embrapa:
1. A Embrapa participou de todos os debates para os quais foi convidada, em foruns estaduais e federais. Esteve, inclusive, representada em 15 audiências públicas sobre o Código Florestal realizadas no Congresso Nacional.
2. A Embrapa não proibiu seus pesquisadores de participar do debate. Vários pesquisadores foram, inclusive, designados para representa-la nas audiências públicas. O que a empresa procura preservar é a sua visão institucional. Pesquisadores ou todos os funcionários da Embrapa, como todo cidadão brasileiro, tem o direito de opinar sobre quaisquer temas de interesse público. Contudo, essa opinião pessoal não deve ser traduzida como sendo a opinião institucional da Embrapa.
Como um órgão responsável pela pesquisa agropecuária não cabe, em qualquer situação, a Embrapa, como instituição de Governo, emitir opiniões sem o devido respaldo de sua lógica cientifica aplicada a dados, preferencialmente primários. Estes certamente requererão um enorme esforço da pesquisa, num prazo bem mais longo do que o que foi disponibilizado nas discussões que antecederam a aprovação do Código Florestal.
3. Não existe parecer técnico institucional da Embrapa a ser disponibilizado.
Só que a Embrapa:
1. Estranhamente não apresentou, de forma clara, à sociedade as suas posições técnico-científicas sobre Código Florestal, como fizeram outras instituições e entidades científicas, como a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), Academia Brasileira de Ciências (ABC), entre outras. E não foi por falta de massa crítica. Competência, seus pesquisadores têm — e muita!
2. Vetou, sim, a participação de seus pesquisadores em debates, inclusive no debate que houve na Câmara dos Deputados em fevereiro de 2011, e foi amplamente denunciado na mídia.
3. Existe, sim, um parecer feito por pesquisadores da Embrapa e que resume a posição da empresa sobre o Código Florestal. Esse documento foi apresentado à comissão especial do Código Florestal e subsidiou o Relatório de Aldo Rebelo. Tem 22 páginas, incluindo a de rosto.
Decidimos então publicar a carta-denúncia da pesquisadora Débora Calheiros e entrevistá-la para saber mais detalhes.
Débora Calheiros é muito respeitada por seus pares. Bióloga, com mestrado em Engenharia Civil na Faculdade de Engenharia de São Carlos e doutorado em Ciências no Centro de Energia Nuclear em Agricultura (Cena), ambos da USP. Há 26 anos atua em ecologia de rios e planícies de inundação e na área de gestão de recursos hídricos e há 23 trabalha na Embrapa Pantanal.
Viomundo – Por que esta carta-denúncia?
Débora Calheiros - Não posso compactuar com a omissão deliberada da Embrapa em relação à revisão do Código Florestal… Omissão e conivência por pressão política de um setor econômico da sociedade. Sou especialista em conservação de rios, encaro como um dever profissional a minha denúncia. Espero sinceramente que ela ajude a melhorar a instituição pública em que trabalho há tanto tempo, tornando-a, quem sabe, mais democrática e que cumpra mais o seu papel na formação de uma opinião científica crítica em nosso país.
A Embrapa é uma empresa pública de pesquisa na área de agricultura e ambiental, que deve ser independente e se pautar estritamente por bases científicas e não ideológicas. Infelizmente, não é o que está acontecendo. Sou acusada internamente como ideológica. Mas quem foi flagrantemente ideológica no caso do Código Florestal, uma vez que não se posicionou cientificamente de forma clara para a sociedade?
Os pesquisadores estão proibidos de dar declaração apenas em relação Código Florestal ou a restrição se estende a outros temas?
Calheiros - Desde 2010, estamos proibidos de dar declarações sobre o Código Florestal, transgênicos e qualquer outro tema considerado “polêmico” pela empresa. Apenas podem falar oficialmente, inclusive com a imprensa, as chefias ou quem elas designarem.
Com que argumento ou objetivo?
Calheiros - Seria para “preservar a unicidade do discurso da empresa e evitar divergências nas informações prestadas”. Também porque “não se deve emitir opiniões pessoais sobre assuntos relativos à empresa, evitando conflitos com a posição oficial da instituição.”
E, aí, pergunta-se: qual deveria ser a posição oficial sobre o Código Florestal de uma instituição pública de pesquisa se não uma posição estritamente técnica?
Pelo que entendi do seu documento, a Embrapa ignorou o documento dos pesquisadores sobre o Código Florestal. É isso mesmo?
Calheiros – A empresa ignorou parecer técnico de uma Comissão de pesquisadores das áreas de recursos hídricos, zoneamento, solos e sensoriamento remoto, que foi designada especialmente para avaliar as mudanças no Código Florestal em 2009.
Ou seja, a empresa não se posicionou sobre uma questão crucial relacionada à sustentabilidade do uso dos recursos naturais pela agricultura. Preferiu estrategicamente se omitir. Detalhe: a questão ambiental e a sustentabilidade na agricultura são áreas de atuação da empresa, inclusive amplamente utilizadas em material informativo e promocional.
Essa omissão se deve a quê? Seriam pressões do setor ruralista?
Calheiros - Tudo indica que sim. Inclusive o Ministério da Agricultura se posicionou abertamente a favor da versão do Código Florestal apoiada pelos ruralistas, e ainda salientou que a agricultura brasileira seria exemplo de sustentabilidade.
Você diria que a Embrapa não tem independência científica?
Calheiros - Na área ambiental, com certeza. Nós podemos até publicar artigos científicos em revistas técnicas, mas informar e discutir abertamente com a sociedade sobre os tais “assuntos polêmicos”, não. É um tabu. As chefias pressionam e os pesquisadores acabam se autocensurando. Só que, como pesquisadores de um órgão público, temos o dever de informar e debater abertamente com toda a sociedade, desde que em bases técnicas.
Essa visão é só sua ou outros pesquisadores da Embrapa pensam igual?
Calheiros – Minha visão é compartilhada por aqueles que têm senso crítico e entendem que pesquisa é mais do que publicar artigos científicos apenas. Ciência também é transformação social com base em saber científico. Porém, quase ninguém explicita isso, tem medo de represálias. Só que a divulgação científica é um instrumento de construção da democracia e da cidadania.
Você não teme represálias?
Calheiros – Há anos sofro represálias, mas nos últimos quatro aumentou. Foi quando já sendo doutora e chegando aos 50 anos de idade, resolvi que deveria finalmente reagir. Eu entendo que, sendo funcionários do povo brasileiro, devemos dar livre acesso às informações científicas de qualidade que geramos/estudamos, sem se submeter às pressões de determinados grupos da sociedade. Imagino que agora com a vigência da Lei de Acesso à Informação isso possa melhorar na instituição.
Que represália já sofreu?
Calheiros – Houve uma sindicância fraudulenta contra mim em que fui considerada ideológica, insubordinada e ligada a ONGs. Um absurdo! Em função disso, fui retirada de representações oficiais em que eu era a pessoa mais indicada por mérito e experiência no assunto.
A que assunto você se refere?
Calheiros – Gestão de recursos hídricos e bacias hidrográficas da região pantaneira e mais especificamente quanto à ameaça de 135 hidrelétricas previstas na bacia formadora do Pantanal, assunto considerado polêmico pela Embrapa Pantanal, só recentemente abrandado.
Em conjunto esses empreendimentos têm alto risco de alterar o pulso de cheias e secas dos rios que formam a planície do Pantanal e causar problemas sociais gravíssimos a médio e longo prazo. Em consequência, afetando diretamente a produção pesqueira e a segurança alimentar de pescadores e ribeirinhos, bem como a atividade econômica da pesca profissional e turística.
Se a chefia é contra, como continua trabalhando nesta questão?
Calheiros – Porque o Ministério Público Federal (MPF) solicita minha contribuição por meio de ofícios endereçados diretamente à minha pessoa. Além disso, com o apoio importantíssimo do nosso Sindicato (Sindicato Nacional dos Trabalhadores de Pesquisa e Desenvolvimento Agropecuário, Sinpaf) e colegas professores, consegui ser cedida à Universidade Federal de Mato Grosso. Foi o único jeito de me afastar dos assediadores e preservar minha saúde física e emocional.
Como está sua situação na empresa?
Calheiros – Tenho um processo contra a empresa por danos morais (assedio moral e sofrimento no trabalho), mas recentemente a decisão judicial de primeira instância da Justiça do Trabalho confirmou a tese da empresa: “A reclamante, na condição de empregada subordinada, é que deve acatar o poder diretivo do empregador representado na pessoa de seus superiores hierárquicos, ainda que sua opinião técnica ou científica sobre determinados temas seja divergente.” E ainda: “que eu não sigo a ideologia da empresa”…
Ora, pergunta-se novamente qual deveria ser a ideologia de uma empresa pública de pesquisa a não ser a Ciência e o respeito às leis vigentes em nosso país? Não estamos na era medieval nem sob ditadura… Sou uma pesquisadora formada pelo povo brasileiro e devo respeito às leis, aos Códigos de Ética e à Ciência da qual sou especialista.
Como posso seguir cegamente a decisão de chefias que não entendem da minha área científica, ou, pior, preferem deliberadamente se omitir ou serem coniventes com erros técnicos ou impedir a discussão com a sociedade de temas importantes e “polêmicos”?
Cabe lembrar que a Embrapa foi condenada em duas instâncias em outro processo por assédio moral institucional, atualmente sendo analisado em última instância no Tribunal Superior do Trabalho (TST). Foi uma ação movida pelo Sinpaf e acatada pelo Ministério Público do Trabalho – DF.
E agora?
Calheiros - Chega de censura a cientistas, falta de comprometimento com o rigor e qualidade técnica numa questão crucial como o Código Florestal, favorecendo apenas um setor econômico em detrimento da ampla discussão com todo o povo brasileiro.
O país sofreu muito na época da ditadura militar para que hoje tivéssemos o direito à liberdade de pensamento e expressão. E como cientista, essa é premissa básica, e como cientista de uma instituição pública, um dever.
Sigo com muita honra o Artigo 225 da Constituição Brasileira no que se refere a termos responsabilidades como cidadãos e como órgão público em relação à conservação do meio ambiente.
Sou respeitada pelos meus colegas e tenho um bom trabalho científico, mesmo não sendo uma pesquisadora considerada de excelência apenas pelo número de publicações. Mas faço um bom trabalho e tenho muito orgulho de minha atuação profissional. Não posso compactuar mais com isso.
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ENSAIO SOBRE A CEGUEIRA AMBIENTAL E SOCIAL
Dra. Débora F. Calheiros
Parafraseando José Saramago, tomo a liberdade de comparar o universo criado pelo autor com o que vivemos atualmente às vésperas da Rio + 20. O Brasil poderia estar à frente em termos mundiais, dando exemplo de como conservar seu patrimônio natural, crescer economicamente de forma qualitativa, detentor do que deveria ser uma combinação eficiente: uma das maiores reservas de biodiversidade e de água do planeta, associadas a uma legislação ambiental primorosa. Contudo fez opção pelo oposto.
A revisão do Código Florestal deveria ser elaborada sim, atendendo às inovações tecnológicas e ao aumento do conhecimento científico. Óbvio. Mas não da forma que foi feita, de forma meramente política para atender um setor privilegiado econômica e politicamente da sociedade brasileira, com objetivos meramente econômicos e de curtíssimo prazo.
Deveria ter sido feita com base na Ciência, com “C” maiúsculo, como o foi à época realizado o Código das Águas (1934) e o Código Florestal (1969), editados por um Ministério da Agricultura à frente de seu tempo e preocupado com a conservação dos recursos hídricos e naturais indispensáveis à própria atividade agrícola.
Muitos já falaram sobre isso. Muitos cientistas do mais alto gabarito deste país. Desde Aziz Ab’Saber (USP) a J. G. Tundisi (IEE), Luiz A. Martinelli (CENA-USP), Carlos A. Joly (UNICAMP), Carlo Nobre (INPE), Gerd Sparovek (ESALQ-USP), Jean P. Metzger (IB-USP), Yara Schaeffer-Novelli (IO-USP), Maria T. F. Piedade (INPA), Wolfgang J. Junk (INAU – Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia em Áreas Úmidas/UFMT), Paulo T. de Sousa Jr. (INAU/UFMT), Catia N. da Cunha (INAU/UFMT), Ennio Candotti (Museu da Amazonia), P. Girard (INAU/UFMT), L. Casssati (UNESP) entre vários outros, além de programas de pesquisa importantíssimos como o Biota FAPESP e o próprio INAU, bem como instituições que deveriam ser referência como a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), a Academia Brasileira de Ciências (ABC) e, salienta-se, até a própria agência governamental das Águas (ANA).
De minha parte, humildemente, também me incluo neste grupo, como doutora em Ciências, pesquisadora da área de Limnologia (estudo de ambientes aquáticos continentais), Ecotoxicologia (contaminação ambiental por pesticidas) e Etnoecologia (estudo do conhecimento das comunidades e povos tradicionais sobre o funcionamento ecológico de seus ambientes), especificamente na área de ecologia de rios e planícies de inundação do Pantanal Mato-Grossense há mais de 20 anos.
Pergunta-se: Para que serve, então, a Ciência? Para que milhões de reais são gastos em pesquisa, em programas de pós-graduação para a formação de novos cientistas na área de recursos hídricos e ecologia? O que acontece com um país que renega e desrespeita a opinião unânime de seus mais importantes cientistas, em pleno Século XXI e não no obscurantismo medieval ou ditatorial, mas sim, acredita-se, em plena vigência da democracia? E tudo isso, pasmem, às vésperas da Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável (Rio + 20), com o país e o mundo clamando por melhor qualidade de vida e sustentabilidade?
Mais de dois milhões de assinaturas de brasileiros clamando pelo Veto. Manifestações veementemente críticas de ONGs de importância nacional e internacional, de movimentos sociais como a Via Campesina, dos ex-ministros do Meio Ambiente, da OAB e de tantos outros congregados num movimento histórico denominado Comitê Brasil em Defesa das Florestas e do Desenvolvimento Sustentável. Posição unânime de cientistas renomados.
Mas nada disso vale quando não há sensibilidade política para a causa humanista, base da conservação ambiental, optando-se por garantir novamente o privilégio de poucos em detrimento de toda a sociedade e reforçando incoerentemente a pobreza. Como diria Juan M. Alier em seu “Ecologismo dos Pobres” (1992): apropriação e exploração inconsequentes dos recursos naturais pelas leis capitalistas de mercado.
Contudo a liberdade de expressão científica e cidadã foram asseguradas. Todos os cientistas puderam se manifestar livremente e oficialmente sobre o tema. Já esta prerrogativa não nos foi autorizada. O que faço aqui pode gerar ainda mais represálias.
Mas entendo que a liberdade de expressão é assegurada constitucionalmente e na Declaração Universal de Direitos Humanos, e a liberdade de pensamento e expressão científicos são, além de base filosófica da Ciência, um direito e um dever profissional. Um dever de todos os gestores e órgãos públicos como determina o Artigo 225 da Constituição Federal e o Código de Ética Profissional dos servidores em órgãos da Administração Pública: “VIII – Toda pessoa tem direito à verdade. O servidor não pode omiti-la ou falseá-la, ainda que contrária aos interesses da própria pessoa interessada ou da Administração Pública”.
No entanto, a empresa na qual trabalho, a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária – EMBRAPA, ligada ao Ministério da Agricultura, ícone da pesquisa agropecuária de nosso país, proibiu institucionalmente desde out./2010 seus pesquisadores de se manifestarem oficialmente no que se refere ao Código Florestal e “outros assuntos polêmicos”, “evitando conflitos com a posição oficial da instituição”, contrariando, inclusive, o seu próprio Código de Ética. Este fato foi noticiado na grande imprensa à época quando da realização de uma Audiência Pública sobre o tema no Senado Federal em fev./2011.
Recentemente (mar./2012), antes mesmo da aprovação do novo Código na Câmara Federal ou da sanção ou veto da Presidente, fomos informados por meio do Documento “Embrapa 2012 – Ano Embrapa para uma Agricultura Mais Verde” que a mesma “reconhece e fortalece as responsabilidades sociais e ambientais” e busca o fortalecimento da gestão que considera de “vanguarda” por meio “da implementação de ações sustentáveis, incluindo a obediência ao novo Código Florestal”.
Isso renegando e ocultando um parecer técnico de seu próprio corpo de cientistas “Síntese da Pesquisa Agropecuária na Embrapa e a Proteção Ambiental” (jul/2009), que obviamente corrobora as opiniões dos demais cientistas da área, tendo cuidado especial para as pequenas propriedades, a grande maioria das propriedades rurais do país.
Ou seja, a influência política do setor agropecuário também inibe, pressiona e censura a Ciência, numa empresa pública de pesquisa, que utilitariamente e docilmente (parafraseando um artigo crítico à instituição de Araújo e colaboradores, publicado em 2011: http://www.scielo.br/pdf/rap/v45n3/10.pdf) consente e se omite em um debate crucial para a sustentabilidade da agricultura e, portanto, ambiental do país.
Tudo isso demonstra quão frágil ainda é a democracia e as instituições governamentais brasileiras em relação à influência do capital em se apoderar dos recursos naturais em detrimento do conjunto da população brasileira, daí o fato notório de estarmos na 7ª posição em termos de economia mundial e na 84ª em termos de distribuição de renda. Apesar de alguns avanços, pouco mudamos neste aspecto desde a colonização. Cegueira irresponsável, social e ambiental, censurando e perseguindo cientistas, em pleno Século XXI.
Na verdade não está sendo apenas um embate entre ideias ruralistas e ambientalistas, mas entre ruralistas e cientistas, mas com exceção desta importante instituição pública de pesquisa de grande relevância para a produção de alimentos para o Brasil. Na verdade, trata-se de um debate entre ruralistas e uma parte significativa da sociedade brasileira, que deveria ser respeitada com base no Artigo 225 da nossa Constituição: “Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.”
(Por Conceição Lemes, Viomundo, 21/06/2012)