O Ministério Público Federal entrou com uma ação civil pública na Justiça Federal de Marabá contra o Incra, autarquia vinculada ao Ministério do Desenvolvimento Agrário, por ter permitido a comercialização ilegal de lotes de reforma agrária no Sul do Pará, o que teria contribuído para o caos fundiário e a violência no campo.
De acordo com dados do próprio instituto, em 2009, o número de lotes vendidos ilegalmente (cerca de 15 mil) era maior que o número de famílias acampadas à espera de terra (11 mil) – situação que não teria mudado desde então, apesar das solicitações ao governo.
Em nota divulgada pelo MPF, os procuradores da República André Raupp e Tiago Rabelo afirmam que “como o Incra não investe na infraestrutura – incentivando, assim, o abandono, a comercialização ilegal e a concentração dos lotes – e, de outro lado, deixa de retomar as parcelas indevidamente ocupadas ou concentradas e adotar todas as providência correlatas, acaba perdendo o controle da situação ocupacional dos assentamentos, liberando indevidamente recursos em favor de quem não tem direito e se vendo obrigado a desperdiçar vultosas quantias para a desapropriação de imóveis particulares”.
Maria e Zé Cláudio
Foi nessa região, precisamente no município de Nova Ipixuna, que há pouco mais de um ano foram assassinados o casal de lideranças extrativistas José Cláudio Ribeiro da Silva e Maria do Espírito Santo da Silva, que lutava contra a venda ilegal de lotes e a retirada de madeira do assentamento Praia Alta Piranheiras, onde viviam. Para o MPF, assassinatos continuarão ocorrendo como também como consequência da omissão do Incra.
De acordo com a Comissão Pastoral da Terra e a Federação dos Trabalhadores na Agricultura no Pará, com a repercussão internacional que o caso teve, o governo federal determinou que o Ibama fizesse um pente-fino na área. Fornos de fabricação de carvão foram destruídos e as serrarias ilegais fechadas. Com isso houve a paralisação do desmatamento da floresta por um tempo.
O Incra, por sua vez, fez um levantamento para identificar a compra ilegal de lotes no interior do assentamento, mas não retomou as áreas ilegais. Nenhuma política pública foi implantada para melhorar a infraestrutura e a qualidade de vida das famílias do assentamento e evitar o uso ilegal da área.
Além disso, nenhuma providência também foi tomada para incentivar o extrativismo e a preservação da floresta em detrimento à extração de madeira nativa. O que vem favorecendo o retorno de produtores de carvão e a venda de madeira.
Para essas entidades, “o Incra continua inoperante porque não tem recursos para a realização dos trabalhos e porque vem sendo manipulado para fins partidários e eleitoreiros. Os investimentos do governo na região estão centrados nos grandes projetos que beneficiam a expansão das grandes empresas de mineração, do agronegócio, da pecuária e de grãos sem qualquer perspectiva da melhoria de vida para a maioria da população”.
De acordo com estudo da ONG Global Witness, dos 711 ativistas assassinados no mundo, entre 2002 e 2011, por protegerem a terra e a floresta, mais da metade (365) foram brasileiros.
O Incra, segundo o MPF, possui relatórios atestando que a região comporta 90 mil famílias em lotes da reforma agrária, mas apenas 70 mil estão assentadas. Segundo os procuradores, essa diferença é uma prova de que há pessoas acumulando lotes ilegalmente.
Dessa forma, o Estado é obrigado a desapropriar mais terras particulares do que seria necessário. Isso sem contar que crédito agrícola é destinado a pessoas que não têm o direito de recebê-los por não serem clientes da reforma agrária.
De acordo com a nota divulgada, o Ministério Público Federal pede que o Incra seja obrigado a constituir equipes permanentes formadas por servidores de outras superintendências para que, em até cinco anos, fazer o levantamento ocupacional completo dos projetos de assentamento da região, adotar todas as providências correlatas para regularizar a situação e atualizar sua base de dados, como exige a legislação.
A necessidade de equipes formadas não apenas por já servidores responsáveis pela região do Incra seria justificada pela falta de pessoal e pela existência de servidores acusados de participar das irregularidades tratadas na própria ação. Em outras palavras, deixar as raposas longe do galinheiro.
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(Blog do Sakamoto, 21/06/2012)