Concluído antes da reunião de cúpula, rascunho da declaração final da Rio+20 foi classificado por ONGs como fracasso quase total
Três dias antes da conclusão oficial da Rio+20, o Brasil apresentou ontem o documento que deverá ser aprovado pelos chefes de Estado na plenária final de sexta-feira, com as decisões da conferência. O texto foi avaliado como extremamente fraco e pouco ambicioso por organizações não governamentais e até por algumas das delegações de países que concordaram com ele.
O único país que comemorou abertamente o resultado foi o próprio Brasil, classificando o resultado como "estupendo", "robusto", "maravilhoso". "Foi uma vitória do multilateralismo", disse o ministro das Relações Exteriores, Antonio Patriota. "Estou particularmente muito satisfeita", disse a ministra do Meio Ambiente, Izabella Teixeira, que chegou ao Rio tarde da noite de segunda-feira e teve de se envolver nas negociações para evitar um possível fiasco.
O texto final, com 283 parágrafos, foi redigido na madrugada de ontem, após uma conturbada rodada de negociações, em que o Brasil foi criticado por forçar o fechamento do texto de forma supostamente "prematura" - considerando que, a princípio, ele poderia continuar a ser negociado até o último dia da conferência, na sexta-feira.
Às 2h30, o Brasil anunciou que tinha chegado a um texto consolidado e que ele seria apresentado às 7h, após uma "revisão técnica". Pouco antes das 14h, o documento foi aceito em sessão plenária por todos os países, apesar de várias delegações terem expressado frustrações com o resultado.
"Isso é uma negociação, todos têm de ceder, todos ganham e todos perdem um pouco. Encontramos um equilíbrio que foi suficiente para todo mundo. É um estupendo texto", disse ao Estado o embaixador Luiz Alberto Figueiredo Machado, negociador-chefe do Brasil. "Foi o acordo possível", reconheceu o secretário-geral da Rio+20, o chinês Sha Zukang.
"O acordo é muito forte em suas ambições, mas não forte o suficiente no sentido de fornecer os instrumentos necessários para suprir essas ambições", disse o ministro do Meio Ambiente da Alemanha, Peter Altmaier. "O pior cenário seria o fracasso da conferência. O melhor seria sair com compromissos claros e prazos bem definidos, mas isso não foi possível. Então optamos por uma abordagem passo a passo."
O diretor de Assuntos Internacionais da Direção Geral para o Meio Ambiente da Comissão Europeia, Timo Makela, disse que o comunicado final tem "forças e fraquezas". "Agora há consenso em torno da economia verde, de que o crescimento econômico tem de respeitar os limites da terra", disse. "É a primeira vez que isso é endossado globalmente."
Ele lamentou que o texto seja "descompromissado". "Ele não usa a palavra 'nós nos comprometemos'; apenas 'nós reconhecemos'", criticou. "Queríamos mais compromissos, prazos; se não, pode ser para sempre. Do que estamos falando?"
Ferramenta
Já o G-77 (grupo de países em desenvolvimento), se mostrou satisfeito. "O grupo ficou muito fortalecido num tema que era de muita preocupação para nós, que é o da economia verde. Colocou-se a ferramenta para uso de modo voluntário, soberano, com condições que permitem que se estabeleçam as bases para construir o desenvolvimento, não como um modelo imposto de fora", disse Claudia Salerno, negociadora da Venezuela.
Para organizações não governamentais, o documento condena a Rio+20 a um fracasso quase total. "É assustador. Estamos assassinando o futuro da próximas gerações", disse o diretor executivo do Greenpeace Brasil, Marcelo Furtado. "É um texto raso, que olha para frente, mas não traz nenhuma grande decisão", disse Carlos Rittl, da WWF.
O texto levanta uma série de problemas ambientais, sociais e econômicos que precisam ser resolvidos, mas não adota nenhuma solução imediata para resolvê-los. "Tudo que era importante ficou para ser discutido mais tarde."
Na busca de um consenso entre os 193 países-membros da ONU representados na negociação, o Brasil retirou ou amenizou significativamente vários pontos de conflito que dificultavam as negociações. Foram removidas, principalmente, questões relacionadas a ajuda financeira dos países ricos.
Figueiredo disse que a crise econômica teve influência direta nas negociações sobre financiamento. "O nível de ambição certamente foi afetado", disse.
O documento, intitulado O Futuro que Queremos, só poderá ser oficialmente aprovado na plenária final da conferência, sexta-feira, por consenso absoluto. Nada impede que, até lá, alguma delegação tente reabrir o documento.
Pelas "regras" da diplomacia, porém, é extremamente improvável que isso aconteça. "Eu acredito que este documento está encerrado", disse o negociador-chefe dos Estados Unidos, Todd Stern. "Se a gente começar a mexer, vai sair de controle muito rápido."
(Por Herton Escobar, Giovana Girardi, Marta Salomon, Fernando Dantas, Lourival Sant'Anna e Felipe Werneck, O Estado de S. Paulo, 20/06/2012)