O prêmio Motosserra de Ouro conquistado em 2005 mudou a vida do senador Blairo Maggi. Na época ele ostentava o título de maior produtor de soja individual do mundo e o de governador de Mato Grosso, estado que vinha liderando o ranking de desmatamento no país. A premiação realizada pela ONG Greenpeace repercutiu no mundo todo e, desde então, não é segredo pra ninguém que o ex-governador passou a investir pesado para mudar a imagem de vilão do meio ambiente.
Talvez por isso Maggi esteja tão engajado na construção do projeto de Lei 750/2011, apelidado de Lei do Pantanal. O PL visa regulamentar o artigo 225 da Constituição Federal que define que biomas, como o Pantanal, são patrimônios nacionais e devem ser regidos por uma lei específica. O PL está em pauta na Comissão de Justiça do Senado e deverá passar por ao menos uma outra antes de ir à votação.
Na prática o objetivo é proteger a fauna e flora da bacia hidrográfica do Pantanal, mas, aos olhos de ambientalistas, as aventuras do ex-Motosserra de Ouro no ambientalismo carregam um alto grau de preconceito social.
Já é consenso entre os pesquisadores que os impactos no bioma são decorrentes de uma série de fatores externos, em sua maioria causados por grandes empreendimentos, como usinas hidrelétricas, PCHs (Pequenas Centrais Hidrelétricas), latifúndios e hidrovias localizadas na Bacia do Alto Paraguai. Além disso, a maior planície alagável do planeta recebe todo o esgoto de centenas de cidades e toneladas de agrotóxicos vindo do planalto.
Alheio a todos esses fatores, a Lei do Pantanal, que é uma cópia descarada da lei estadual aprovada em 2008 em Mato Grosso, não legisla sobre nenhum desses fatores, mas impõe pesadas restrições justamente àqueles que mais sofrem com os danos ambientais.
Entre outras coisas o PL de Maggi proíbe a instalação de assentamentos rurais no bioma e propõe uma moratória de cinco anos para a atividade pesqueira. “No geral a lei trata as comunidades tradicionais como vilãs do Pantanal”, diz Fernando Francisco Xavier, analista do Instituto Chico Mendes de Biodiversidade (ICMBio).
Ele lembra que existem tipos de assentamentos que caberiam perfeitamente dentro do bioma, mas que estão sendo desconsiderados. “Projetos como assentamentos agroextrativistas e de desenvolvimento sustentáveis são uma solução não só para a parte ambiental, mas também para a questão social do Pantanal. Uma lei que se propõe a proteger a fauna e a flora do bioma não pode ignorar a presença humana dessas comunidades”, diz.
Com a lei aprovada, terra no Pantanal só ser de propriedade particular. Nada de reforma agrária no bioma. Ao mesmo tempo em que o projeto é severo nas proibições aos assentados e ribeirinhos, é generoso nas concessões para proprietários de terras particulares.
Entre outras coisas o PL permite cortes de árvores como canjiqueiras e urubamba, espécies com riquíssimo valor nutricional e usadas no dia a dia do pantaneiro. “Árvores com enorme importância para o extrativismo de populações tradicionais poderão ser transformadas em pasto”, aponta Xavier.
Francisco de Arruda Machado, ecólogo e ictiólogo, referência em pesquisas com peixes em Mato Grosso, questiona a lógica da moratória da pesca com fim de aumentar os estoques pesqueiros.
“Aqui no Pantanal nós temos esgoto, hidrelétricas, destruição de mata ciliar, agrotóxicos, desmatamento, existe todo um conjunto de fatores que influencia diretamente no ciclo de reprodução desses peixes. Em contrapartida, esse projeto de lei fala só de moratória para aqueles que mais sofrem com a degradação ambiental?”.
Para Machado a lei é paliativa e visa somente aumentar o estoque de peixes do bioma para satisfazer o turismo durante a Copa de 2014. “Outro projeto estadual do deputado (estadual) Zeca Viana (PDT) deixa isso bem claro ao sugerir moratória de um ano visando o turismo da Copa de 2014. Isso pra mim não tem qualquer finalidade prática, a não ser a de satisfazer o pescador amador desportivo.”
A assessoria do senador Blairo Maggi diz que com a moratória da pesca caberá à União cobrir despesas como seguro-desemprego e auxílio-pesca. Em nota, a assessoria do senador Blairo Maggi também diz que, aprovada a lei, “pretende-se promover ações e cursos de capacitação para a população local a fim de que possam sobreviver do turismo”.
No caso da proibição dos assentamentos, a assessoria de Maggi diz que “essa é uma forma de prezar pela qualidade do solo. Diferente das propriedades particulares onde, além da possibilidade de participarem do cadastramento rural, é possível exigir o mínimo de infraestrutura, como de esgoto, por exemplo”.
Sobre as lacunas do projeto no que se refere ao uso de agrotóxicos, hidrovias, gestão de esgoto e proteção do bioma, a assessoria respondeu dizendo que tais proposições caberiam ao Estado decidir.
O maior beneficiado com as centrais hidrelétrica: Blairo Maggi
Segundo Francisco Machado, a construção de empreendimentos hidrelétricos é o principal fator para a redução dos estoques pesqueiros. “As barragens impedem o fluxo de peixes, dificultando tanto sua alimentação quanto sua reprodução”, diz. Pelo projeto de lei atual, não existe nada que legisle sobre a construção de hidrelétricas nos rios que desaguam no Pantanal. Só no rio Paraguai, principal rio que abastece a bacia, já são 126 empreendimentos licenciados.
Em 2008, a empresa Maggi Energia, do grupo Amaggi, cujo um dos sócios é o próprio senador Blairo Maggi, licenciou duas PCH´s no rio Juruena, no norte de Mato Grosso. Dois anos depois o complexo de empreendimentos construído na região afetou para sempre a vida dos enawenê-nawê, uma das etnias de índios mais isoladas do estado, cujo ritual sagrado Yaõkwá baseado na pesca foi tombado como patrimônio cultural pela Unesco.
A súbita falta de peixes no rio impediu a realização do ritual e fez a Justiça Federal determinar o envio de peixes congelados para os indígenas no ano passado. Atualmente o grupo Maggi Energia está licenciando mais três empreendimentos no Juruena.
(Por Thiago Foresti, CartaCapital, 13/06/2012)