Se você estiver numa das salas geladas do Riocentro onde o documento final da Rio+20 está sendo negociado, lembre-se de nunca dizer "economia verde". Diga "economia verde no contexto do desenvolvimento sustentável e da erradicação da pobreza", mesmo se a repetição da frase inteira retardar ainda mais a redação final do texto.
A expressão foi acordada pelos 193 integrantes das Nações Unidas no início de um processo negociador em que todas as decisões têm que ser adotadas por consenso.
É esse ajuste para chegar ao mínimo denominador comum de interesses que vão dos da continental Rússia aos do insular Tuvalu, do paupérrimo Mali à ultra desenvolvida Noruega, que explica a lerdeza da negociação. Ambiciosamente chamado de "O Futuro que Nós Queremos", o texto da Rio+20 já recebeu o apelido de "o passado que sempre tivemos".
A demora é uma dos traços definidores da ONU, onde só no Conselho de Segurança as decisões são tomadas pelo voto da maioria (e cinco potências têm poder de veto).
Os outros dois traços são a linguagem bizantina falada pelos negociadores, cheia de siglas e neologismos, e os colchetes, sinal gráfico que denota desacordo num texto.
Dentro de cada colchete, em negrito, é identificado o país ou o grupo de países que sugeriu a frase ou a palavra em questão e qual era a posição dos demais: "manter", "apagar" ou "voltar à redação original".
Sentar-se em uma das salas de negociação para ver como os diplomatas semeiam e colhem colchetes é tanto uma aula de geopolítica quanto um exercício de paciência.
Anteontem, por exemplo, o grupo que negociava o chamado quadro institucional para o desenvolvimento sustentável (IFSD) abriu a sessão às 10h30 da manhã com sua presidente avisando que ninguém teria almoço naquele dia e que o texto precisava ser "limpo" de colchetes.
Iniciou-se uma discussão sobre um dos parágrafos. A Suíça, num gesto de boa vontade, resolveu derrubar uma objeção que fizera na véspera. Um colchete a menos.
Antes que alguém pudesse comemorar, os EUA acrescentaram mais duas mudanças na redação. Em retaliação, a União Europeia acrescentou mais uma: sugeriu trocar "Pnuma" (Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente) por "corpo principal da ONU para o ambiente", refletindo sua posição de querer transformar o Pnuma numa nova agência.
Rússia, Canadá e EUA objetaram. E, assim, em meia hora de debate sobre um único tópico, saiu um colchete e entraram quatro.
Para entender como os negociadores no Riocentro definem o futuro da humanidade, não basta entender as cinco línguas oficiais das Nações Unidas: é preciso ser versado na novilíngua da diplomacia ambiental, o legado mais tóxico da Eco-92.
Assim, o Juscanz afirma ao G-77 que não quer saber de dar dinheiro para o MOI porque afinal já contribui com ODA, que vai quase toda para os LDCs. O G-77, por sua vez, alega as CBDR e reclama dos SCP.
Não entendeu? Pois saiba que os dois parágrafos acima tratam da discussão mais quente da Rio+20: a dos chamados "meios de implementação" (MOI), que querem dizer simplesmente "dinheiro".
Essa discussão passa pelo compromisso de países ricos, como os do Juscanz (Japão, EUA, Canadá, Austrália e Nova Zelândia), de aumentar a assistência ao desenvolvimento (ODA), que vai para os países mais pobres (LDCs). A promessa, feita em 1992, nunca foi cumprida.
Para os países em desenvolvimento (G-77), a questão do dinheiro está diretamente atrelada ao CBDR, o princípio das "responsabilidades comuns, mas diferenciadas". Assumido em 1992, ele joga a conta do desenvolvimento sustentável para os mais ricos. Afinal, se esses tivessem padrões sustentáveis de produção e consumo (SCP), o mundo não estaria numa emergência ambiental.
Com um processo tão barroco, a expressão mágica "agreed ad ref" (acordado por todos) torna-se rara.
Às vezes, por mais que a ONU se ufane de sua natureza "democrática", só com pequenos golpes é possível destravar uma reunião do porte da Rio+20.
Na conferência de Kyoto, em 1997, o embaixador argentino Raúl Estrada se preparava para declarar fechado o acordo do clima quando o delegado da Arábia Saudita levantou a mão, furioso, gritando que não havia consenso. "Consenso não significa unanimidade", sentenciou Estrada. E bateu o martelo.
(Por Claudio Angelo e Claudia Antunes, Folha de S. Paulo, 17/06/2012)