A última publicação da antiga Companhia Vale do Rio Doce completou uma década. É Histórias da Vale, um álbum magnífico, com 305 páginas, lançado em 2002, quando a empresa ainda era a CVRD de 1942, embora não mais estatal. Passaria a ter como marca de fantasia (e que fantasia!) apenas Vale, seis anos depois.
Parecia se consolidar como se fora uma cobra: livrando-se da pele do passado e incorporando novas formas de ser. Deixando as cascas secas pelo caminho, na esperança de que o tempo as desfaça e fique apenas a história que lhe seja conveniente. Aquela que dita à sua assesoria e impõe à opinião pública como matéria paga.
É o que dá a entender esse silêncio esmagador pelos 70 anos. Houve apenas uma rápida e desajeitada comemoração interna, para uns raros. Como se a interrupção da continuidade histórica, iniciada com a privatização, em 6 de maio de 1997, tivesse que ser total. A corporação globalizada, a primeira multinacional brasileira, sem mais qualquer elo com seu passado.
Nas origens, a CVRD deveria fazer com que o minério de ferro representasse, para a industrialização brasileira, o papel desempenhado pelo café até a (e a partir da) revolução de 1930. Ao invés disso, a Vale desestatizada tem sido uma plataforma de lançamento de commodities e produtos semielaborados para o exterior, onde ocorre o efeito multiplicador da renda e do emprego, consolidando relações de troca desiguais.
O álbum Histórias da Vale foi realizado sob a direção de Karen Worcman e José Santos Matos, com texto final primoroso de Geraldo Mayrink, mobilizando uma enorme equipe. O material primário foi o banco de dados do Projeto Vale Memória. Resultou de “extenso trabalho de pesquisa e preservação da memória da empresa, concebido para marcar a epopéia que é a história da CVRD”.
Mas isso foi quase ontem. Para a Vale de hoje, não interessa mais. Forrada por anúncios caros da companhia, a grande imprensa brasileira lhe disse amém. E o silêncio se fez.
O que me impressiona, caros amigos, é o silêncio absoluto dos empregados da Vale. Se estão felizes e safisfeitos, deviam expressar essa posição. Seria o lógico. Se não o fazem, deve ser porque, ao contrário do que apregoa a empresa na sua propaganda, sempre bonita e farfalhante, os empregados não estão felizes e satisfeitos. Mas também receiam se expor. Não querem perder o emprego ou se sujeitar a algum controle. O que é uma pena. Poderiam estar participando deste debate com sua experiência vivida, seus conhecimentos empíricos, sua reflexão bem fundada, sua formação técnica, os amplos saberes que ficaram ao seu alcance por trabalhar numa empresa multinacional brasileira, situação partilhada por pouquíssimos no país. Seguem o silêncio que a empresa adota diante de qualquer coisa que não esteja sob o seu controle. É uma pena.
(Por Lúcio Flávio Pinto, Vale q Vale, 04/06/2012)