A Rio+20 pode dar bons resultados. Mas esses resultados não corresponderão às expectativas. O que ela pode fazer é criar uma base suficientemente sólida para que se construa no futuro a arquitetura desejada para o desenvolvimento sustentável. O desenvolvimento baseado em uma economia de baixo carbono e com menor pegada ecológica.
Não existe a possibilidade de uma reunião como a Rio+20 adotar decisões que enquadrem os países, antes que eles estejam preparados para adotar as políticas correspondentes. O modelo de decisão “de cima para baixo” não funciona. Um marco global adequado para o desenvolvimento sustentável virá da consolidação das escolhas que os países farão internamente, “de baixo para cima”.
Um fórum tão amplo, com grande número de temas e uma variedade enorme de países, desde produtores de petróleo a importadores de petróleo, de nações super-ricas a nações super-pobres, de potências maduras a potências emergentes produz uma rede complexa e densa de conflitos de visões, perspectivas e interesses. Alguns impasses são absolutamente insolúveis nesse modelo de decisão por consenso de uma assembleia geral de países.
O que se pode esperar, então, da Rio+20 que vá além de uma declaração vazia de intenções? Duas coisas. Primeiro, que ela não reabra questões já fechadas em outros fóruns. Segundo, que ela defina um piso mínimo a partir do qual se possa construir o edifício da sustentabilidade global, à medida que os países vão avançando em suas políticas próprias de sustentabilidade.
Pressões internas e a dinâmica da economia verde emergente – que está ganhando escala em alguns países e gerando empregos – farão com que alguns países avancem mais rápido. Esses países de vanguarda terão benefícios competitivos mais adiante. Essas vantagens terminarão por convencer os demais a se atualizar.
A transição para uma economia de baixo carbono é inexorável, porque os custos da economia marrom serão crescentes e os rendimentos decrescentes nas próximas décadas. Os fragmentos de economia verde já existentes, principalmente no setor de energias renováveis não convencionais, de tecnologias limpas para a logística e agricultura sustentáveis, terão custos decrescentes e rendimentos crescentes.
Mas isso não significa que a transição será automática, nem na velocidade necessária. Só a combinação de uma estrutura adequada de incentivos à economia verde e desincentivos à economia marrom, com regulação mais eficaz das emissões de gases estufa, dos resíduos sólidos, da poluição e dos danos ambientais, pode acelerar esse processo.
Uma revisão das discussões sobre o documento que contém as resoluções da Rio+20 o ‘Draft Zero’ (Rascunho Zero), que a essa altura já é, no mínimo, o ‘Draft 3’ (Rascunho 3), dá uma boa ideia da amplitude tratar de temas dessa reunião, que é a sua marca de singularidade.
O primeiro tinha 19 páginas. O segundo inchou para quase 300 páginas. O atual emagreceu para 80 páginas, mas é praticamente só colchetes, isto é, frases não aprovadas e redações diferentes apoiadas por grupos distintos de países. Ele trata de praticamente todos os temas econômicos, sociais, ambientais e climáticos que outros fóruns e outras reuniões da ONU vêm tratando há anos.
Entre a Rio-92 e a Rio+20 houve um grande desenvolvimento de instituições tratando de temas significativos para o avanço civilizatório da humanidade e para a sustentabilidade do planeta. A começar pelas Convenções do Clima e da Biodiversidade, que nasceram na Rio-92. Houve progresso, também, no conhecimento e na legislação a respeito de praticamente todos os tópicos que estão sendo discutidos no documento da Rio+20.
O documento em discussão refere-se a essas questões, para reafirmá-las como parte do conceito de ‘desenvolvimento’. A confusão já se instala nessas preliminares. São muitos países, com modelos políticos e econômicos e níveis de desenvolvimento econômico, social, ambiental e político muito distintos. Há democracias, regimes autoritários e tiranias fechadas. Qualquer item da pauta gera diferentes visões, propostas mais ousadas e reações defensivas. Alguns países tentam reabrir questões que foram fechadas em outros fóruns, sob outro marco internacional de referência legal. Tudo dá divergência.
Por exemplo, a questão dos direitos humanos está regulada pela Declaração Universal dos Direitos Humanos, existem na ONU a Comissão sobre Direitos Humanos, o Alto Comissariado para Direitos Humanos e vários outros organismos criados sob o estatuto da ONU ou por várias convenções internacionais. O documento da Rio+20 reafirma a importância da liberdade, da paz, da segurança e do respeito a todos os direitos humanos.
Parece uma questão evidente em si mesma e pacífica. Pois ela dá discussão. A China demandou que se cortasse a expressão ‘adequada’ da frase sobre o direito à alimentação. O EUA pediu que o documento falasse de ‘direito a um padrão de vida adequado, inclusive alimentação’. Na frase que reafirma a ‘igualdade entre os gêneros’, a Santa Sé quer que se diga “igualdade entre homens e mulheres”. E por aí a discussão vai se perdendo, antes de chegar nos temas que a Rio+20 deve resolver.
Essa necessidade de atender às preferências idiossincráticas de cada país ou interlocutor – como a Santa Sé – reflete, na verdade, questões políticas ou ideológicas associadas ao regime de governança de cada um. Ela impede que se chegue a um acordo com a amplitude e a profundidade que os tempos que vivemos e viveremos demandam. O máximo que dá para esperar é que os delegados cheguem a um acordo que defina um piso mínimo, uma base, a partir da qual, se evolua gradualmente para uma arquitetura mais sólida e mais adequada aos desafios do século. Não é o resultado necessário, dadas as urgências que vivemos. Mas é o resultado possível.
Isso não significa que as demandas e as pressões devam ser pelo mínimo. Devem ser pelo máximo possível. Dessa forma, há uma chance de que o piso não seja tão baixo como está parecendo que será e se consiga eleva-lo um pouco mais.
Mas a pressão maior deve ser sobre os governos nacionais, para que avancem mais no entendimento e da regulação dos temas da sustentabilidade. Se olharmos para nossa própria casa, veremos que um governo que emite uma medida provisória como a do Código Florestal; que reduz áreas de reservas para fazer hidrelétricas discutíveis do ponto de vista econômico e energético; que incentiva o uso de combustíveis fósseis e o consumo de automóveis, sem qualquer exigência de aumento de eficiência energética; entre outras tantas medidas recentes pioram a insustentabilidade de nossa economia, não está preparado para ser avançado na transição para a economia verde.
O caso do estímulo recente à compra de automóveis é exemplar. Havia pelo menos uma condição lógica e evidente a fazer: exigir motores flex mais eficientes quando rodam com álcool, para eliminar a disparidade de custo/benefício entre álcool e gasolina (subsidiada), que faz com que a maioria dos carros flex rode com gasolina a maior parte do ano. Mas o governo jamais pensa em questões de sustentabilidade quanto toma suas decisões. Tem um quadro mental fixado no desenvolvimentismo dos anos 1950 e 1970.
No entanto, a mídia e os políticos têm mais facilidade em criticar os países desenvolvidos e a China por seus erros no campo da sustentabilidade, do que o governo brasileiro. Em resumo, há conflito em relação a menções introdutórias a temas já regulados por outras convenções, tratados, protocolos e resoluções.
Duas questões são centrais para a Rio+20: a transição para a economia verde e o sistema de governança multilateral para a sustentabilidade. Discute-se tanto o acessório que não se consegue tempo e dedicação suficientes para discutir o que é central.
Não é que as outras questões não sejam relevantes. Elas são de grande importância. Mas estão sendo tratadas em seus espaços próprios. O único caminho para o sucesso da Rio+20 é tomar como dadas essas questões e se concentrar nos dois temas principais.
Nas metas de desenvolvimento sustentável, que indicarão o caminho para o início da transição para a economia verde. Na estrutura institucional de governança que permitirá a implementação das metas, o monitoramento e verificação do progresso dos países no alcance dessas metas no prazo determinado.
(Por Sérgio Abranches, Ecopolítica, 05/06/2012)