Adoro quando um governo lança um Pacotão da Boa Notícia. Daí a gente consegue ver o desespero para fazer bonito frente a outros países ou o eleitorado (em anos pares, é claro). Quem acompanha o tema no dia a dia fica um pouco constrangido, meio com vergonha alheia. E eu detesto vergonha alheia – me lembra aqueles filmes na Sessão da Tarde de quando eu era moleque.
Preparando o terreno para a Rio+20, Dilma Rousseff homologou cerca de 1 milhão de hectares em terras indígenas no Acre, Amazonas e Pará, entre outras ações, como a criação do Parque Nacional da Furna Feia, no Rio Grande do Norte, e da Reserva Biológica de Bom Jesus, no Paraná.
Para quem gosta de comparações: pouco antes da Rio+10, na África do Sul, Fernando Henrique Cardoso criou o maior parque nacional do mundo, o das Montanhas de Tumucumaque, entre o Amapá e Pará, com uma área equivalente a da Bélgica. E para quem não gosta: A Rio+10 foi um fracasso, com poucos compromissos assumidos pelos países desenvolvidos.
Ambientalistas e organizações da sociedade civil reclamam que as medidas do Pacotão não trouxeram nada de novo, pois já estava engatilhadas. E não enfrentam o problema onde ele é mais grave.
Cerca de 98% das terras indígenas brasileiras estão na região da Amazônia Legal. Elas reúnem metade desses povos. A outra metade está concentrada nos 2% restantes do país.
Sem demérito para a justa luta dos indígenas do Norte, o maior problema se encontra no Centro-Sul, mais especificamente com os guaranis no Mato Grosso do Sul – que concentra a segunda maior população indígena do país, só perdendo para o Amazonas. Há anos, eles aguardam a demarcação de mais de 600 mil hectares de terras, além de algumas dezenas de milhares de hectares que estão prontos para homologação ou emperrados por conta de ações na Justiça Federal.
Ao longo dos anos, os guaranis-kaiowá foram sendo empurrados para reservas minúsculas, enquanto fazendeiros, muitos dos quais ocupantes irregulares de terras, esparramaram-se confortavelmente pelo Estado. O governo não tem sido competente para agilizar a demarcação e vem sofrendo pressões da Confederação da Agricultura e Pecuária (CNA). Isso sem contar que, mesmo em áreas já homologadas, os fazendeiros-invasores se negam a sair.
Incapazes de garantir qualidade de vida, o confinamento em favelas-reservas acaba por fomentar altos índices de suicídio e de desnutrição infantil, além de forçar a oferta de mão de obra barata. Pois, sem alternativas, tornam-se alvos fáceis para os aliciadores e muitos acabaram como escravos em usinas de açúcar e álcool no próprio Estado nos últimos anos.
Se o governo federal queria fazer bonito para o mundo, deveria ter olhado também para o Mato Grosso do Sul.
Dilma Rousseff, tempos atrás, afirmou que o país tem a missão de propor novos modelos de crescimento que não pareçam “etéreos ou fantasiosos”. E que não há espaço na Rio+20 para fantasia: “Não estou falando da utopia, essa pode ter, estou falando da fantasia”, afirmou.
Utopia é para ser perseguida, não necessariamente alcançada. Funciona como um Norte de bússola. E utopia pareceria mesmo fantasia para quem considera como o Norte de seu governo a manutenção de modelos de desenvolvimento tradicionais, que podem até melhorar a qualidade de vida de parte da população, mas às custas da dignidade da outra parte.
E por falar em fantasia, no carnaval da Rio+20, o Brasil acha que vai vestido de Lanterna Verde por conta desses Pacotões da Boa Notícia. Mas, entre boa parte dos jornalistas, a sensação é de que vai desfilar mesmo é com a “Roupa Nova do Rei”, da história de Hans Christian Andersen. Ou seja, nu em pelo, mas cheio de orgulho. Para a nossa vergonha.
(Blog do Sakamoto, 06/06/2012)