A pequena ilha, cercada pelos potentes braços do rio Amazonas, parece um paraíso original. Um tesouro da Mãe Natureza onde a selva, saturada de calor, de mosquitos invisíveis e de animais selvagens, convive lado a lado com homens e mulheres instalados em silêncio em suas encostas.
Esse novo mundo se chama Ilha das Cinzas, uma parcela de terra situada a seis horas de barco de Macapá, capital do Estado do Amapá. A mais de dois dias dos primeiros índios, que são empurrados para cada vez mais longe, na direção do sul, até Belo Monte e sua hidrelétrica em obras, um projeto caro aos dirigentes de Brasília, tão exagerado quanto controverso.
Aqui, a mão do homem adotou os códigos de seu meio ambiente. Floresta intacta, cabanas de madeira sobre palafitas, água filtrada e reciclada, agricultura e pesca planejadas e controladas: a Ilha das Cinzas poderia ser o exemplo do casamento bem-sucedido entre a atividade humana e seu santuário.
A história remonta aos anos 1920 ou 1930, ninguém mais sabe realmente. Ela começa com um punhado de famílias que vieram ocupar alguns pedaços de terra, sem documentos ou títulos de propriedade, atraídas pelos recursos da ilha, pelo comércio de madeira e pela riqueza piscícola de suas águas negras. A comunidade foi sobrevivendo e crescendo lentamente, por levas ou por filiações, até reunir hoje uma centena de famílias, cerca de 350 pessoas.
No início, os habitantes se voltavam para a criação de camarões de água doce que abundavam nos manguezais. Para reforçar o orçamento, também vendiam coração de palmito e as pequenas bagas roxas penduradas 20 metros acima do solo no topo dessas mesmas palmeiras, chamadas de açaí e muito apreciadas na região.
No começo dos anos 1990, o vilarejo perdeu o fôlego, correndo o risco de se extinguir. A pesca de camarões era decepcionante, a espécie se reproduzia pouco. O método utilizado para pegá-los era exaustivo e demorado. O preço dos corações de palmito não decolava e o suco de açaí ainda não era moda entre os surfistas de Ipanema ou de Malibu. Os habitantes descobriram que, não longe dali, uma empresa chegara para explorar a madeira em grande escala, uma ameaça para o equilíbrio do ambiente. Ela acabou falindo, por uma obscura história de contratos fraudulentos.
Mas a maré virou. O ponto decisivo veio com a Eco-92, no Rio de Janeiro, quando a ideia de “desenvolvimento sustentável” começou a criar raízes. As iniciativas de ONGs proliferavam. As autoridades brasileiras tentavam acompanhar o movimento. No local, um engenheiro agrônomo, Jorge Pinto, especialista na região e membro da FASE --uma das mais importantes ONGs do país, muito envolvida com questões ambientais--, se convidou para visitar a ilha, em 1996.
Ele estudou a atividade agrícola, comparou as produções, desenvolveu um programa de especialização com sua organização. Deu certo. Ao final de um ano, a comunidade decidiu de comum acordo modificar os “matapis”, gaiolas cilíndricas mergulhadas na água que servem de armadilha para os camarões. O espaçamento entre as talas de madeira foi aumentado em um centímetro, permitindo que os camarões mais novos escapassem e garantissem uma melhor reprodução da espécie.
Segundo os cálculos do especialista, o número de matapis por família --cerca de 120-- era grande demais. O vilarejo aceitou limitar seu número a 75. A pesca não diminuiu, pelo contrário, melhorou. Ao diminuir os pontos de captura, os moradores chegaram a economizar 20% de seu tempo de trabalho. Esse ganho foi utilizado na colheita do açaí e no corte de madeira, ele mesmo agora organizado segundo regras que levam em conta a altura, o diâmetro e o espaçamento das árvores. “Nosso modo de vida se tornou muito organizado”, observa Francisco, nativo da ilha e recém-formado em gestão financeira, após estudos feitos à distância.
No início dos anos 2000, a moda do açaí acabou garantindo a sobrevivência dos moradores da ilha. Os preços subiram. Em média, a colheita diária girava em torno de dois sacos de açaí de 60 quilos por pessoa. Vendido de uma a duas vezes por semana em Santana, a pequena cidade portuária de Macapá, cada saco rendia em média R$ 80. Uma grande soma para a região. “Ganhamos bem nossa vida”, reconhece sem hesitar Joseneide Maledos, uma das líderes da comunidade. “Antes de 1997, nossa renda ficava abaixo de um salário mínimo (R$ 622). Hoje, juntando todas as atividades, ganhamos em torno de R$ 1.400 por mês, ou seja, mais que o dobro”.
As decisões são tomadas coletivamente. Uma associação foi criada, interlocutora privilegiada junto às autoridades. Após longas negociações, os habitantes da ilha conseguiram, em 2007, o direito de uso das terras ocupadas. Uma decisão importante e altamente simbólica que não dá o título de propriedade, mas que garante um reconhecimento de seu trabalho e sua existência na ilha. “O direito à terra é essencial para as pessoas daqui”, afirma Luiz Carlos Joels, ex-diretor em Brasília do Serviço Florestal Brasileiro. “Eles precisariam disso nem que fosse para abrir uma linha de crédito ou tocar um projeto. Quanto mais estabelecido esse direito é, mais responsáveis os habitantes se sentem, eles melhoram os rendimentos e o meio ambiente”.
A Ilha das Cinzas tem feito escola. Em 2011, a comunidade recebeu das mãos da presidente Dilma Rousseff o prêmio de melhor “Inovação Tecnológica e Social.” Na ilha vizinha de São João do Jaburu, alguns habitantes da reserva nacional Itatupã-Baquiá, propriedade do governo federal, tentaram aplicar também algumas regras. Mas a experiência tem encontrado dificuldades para convencer. As famílias ali são mais espaçadas, as decisões são menos seguidas. O desafio, segundo Luiz Carlos Joels, “é manter e sustentar permanentemente um trabalho coletivo”.
Um dia, as famílias da pequena Ilha das Cinzas decidiram vender coletivamente os camarões. Um armador da região foi encarregado de explorar a produção. A primeira viagem multiplicou os lucros em três vezes. Na segunda, o piloto estendeu sua rota para aumentar um pouco mais sua carga. Quando chegaram à cidade, os camarões haviam estragado. Culparam os pescadores da ilha, e a ideia foi abandonada. “Eles não fazem negócios juntos, mas possuem regras coletivas sobre o acesso e o uso de uma terra em comum”, diz Jorge Pinto. “É um equilíbrio frágil”. Assim como a natureza que os cerca.
(Por Nicolas Bourcier, Le Monde / UOL, 01/06/2012)
Tradutor: Lana Lim