A concentração de dióxido de carbono na atmosfera da Terra chegou a 400 partes por milhão. É a primeira vez que isso acontece nos últimos 800 mil anos, pelo menos. A medição foi feita pela Noaa, a agência nacional de oceanos e atmosfera dos EUA, e sinaliza que o planeta continua marchando a toda velocidade rumo ao aquecimento global desenfreado — e isso apesar da crise econômica, que em tese reduziu as atividades que queimam combustíveis fósseis.
É bom esclarecer que se trata de uma medição regional. Ela foi feita em abril e maio no Ártico, em sítios remotos no Alasca e outros locais do hemisfério Norte. O nível de CO2 vai cair por ali no meio do ano, já que neste momento é primavera boreal e as folhas das árvores estão crescendo e ativamente retirando gás carbônico do ar.
A estimativa é que a média global atinja 400 partes por milhão (ou seja, 400 moléculas de CO2 por milhão de moléculas de ar) em 2016.
O que isso significa? Muita coisa. O nível de CO2 máximo estimado para que a humanidade tenha 50% de chance de manter o aquecimento da Terra neste século inferior a 2°C é 450 partes por milhão.
Chegar a 400 na segunda década dele é pouco auspicioso, ainda mais considerando que, para combater a mudança climática a um custo pagável pela economia de hoje as emissões precisariam chegar a um pico em 2015 e declinar em seguida. Não há hoje a menor previsão de que isso possa acontecer.
A barreira dos 2°C indica o limiar a partir do qual aumenta muito a chance de eventos extremos e potencializadores de ainda mais emissões e mais aquecimento. Um deles é a liberação de metano (um gás estufa dezenas de vezes mais potente que o CO2) aprisionado em solos congelados do Ártico. Outro é o degelo da Antártida Ocidental, que tem grande potencial de elevar o nível do mar de forma a arrasar regiões litorâneas, especialmente as pobres.
No atual ritmo de avanço das negociações internacionais de um acordo contra a mudança do clima não existe mais nenhuma esperança de atacar o problema com a urgência necessária. O novo acordo só deve ter seus termos negociados em 2015, para ser aplicado a partir de 2020.
Até lá, países ricos ganharam um passe livre para reverter (por alegados motivos de crise econômica) os ganhos obtidos com a expansão das energias renováveis, ainda muito subsidiadas; e países emergentes ganham um passe livre para emitir dentro dos limites frouxos de seus compromissos no Acordo de Copenhague (somados, eles produzirão um aquecimento global de 3°C).
A única esperança neste momento é ganhar tempo, tirando o foco do gás carbônico e combatendo outros causadores do aquecimento global, como o metano e a fuligem. Um relatório do Pnuma (Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente) publicado no ano passado mostra que é possível fazer isso, em muitos casos a custo zero (e às vezes a custo negativo, ou seja, ganhando dinheiro) e salvando vidas no processo (fuligem causa problemas respiratórios).
Na edição deste mês da revista “Foreign Affairs”, um trio de analistas liderado pelo americano David Victor, da Universidade da Califórnia em San Diego, afirma que os poluentes de vida curta respondem por 40% do aquecimento e propõe que o mundo mergulhe de cabeça no esforço de reduzir fuligem — emitida, por exemplo, por termelétricas da Idade da Pedra na Índia ou por fogões a lenha na África — e metano, e que países como EUA, Índia e China tentem deslocar o foco das negociações diplomáticas, que continuam no fim deste ano, do proverbial murro em ponta de faca contra o CO2 para o combate imediato a esses poluentes.
Concordo com Victor e acho isso necessário, mas há uma questão ética incômoda envolvida aqui. Porque os EUA, famosos por terem passado os últimos 20 anos melando qualquer iniciativa ambiciosa contra a mudança climática, agora surgem como paladinos do Bem.
Sintomático disso foi a matéria canalha publicada pelo “New York Times” neste ano, quando Hillary Clinton lançou a iniciativa contra os poluentes de vida curta. Sua abertura ia na linha do “cansados de esperar por uma ação internacional, os EUA(…)” Daí tu vê. Se a diplomacia americana realmente esquecer a mitigação de longo prazo, o problema continuará no longo prazo.
Depois, é questionável até onde os EUA realmente estão dispostos a ir em seu programa de combate a esses poluentes, já que sua matriz energética está cada vez mais dominada pelo emissor de metano por excelência, o gás natural, e muita gente boa anda dizendo que o gás é pior do que o carvão no curto prazo justamente por causa dessas emissões.
A ver o que traz a próxima rodada de conversas diplomáticas do clima, que acontecen, aliás, num cenário agourento: Doha, no Qatar — maior exportador do mundo de metano liquefeito.
(Por Claudio Angelo, Entre Colchetes, 04/06/2012)