A terceira sessão de negociações “informais-informais”, terminou sem que o documento de resoluções da Rio+20 fosse fechado. O problema maior se concentrou nos pontos centrais: as metas de desenvolvimento sustentável e o sistema de governança da sustentabilidade no contexto das Nações Unidas. Um consenso se formou em Nova York: o sucesso da Rio+20 está nas mãos do Brasil.
Na avaliação de alguns negociadores e observadores, houve alguns sinais modestamente positivos. Um deles, é que as discussões estão mais focadas. O sentimento geral é de que não há impasse, sob a forma de vetos indiscutíveis. Há objeções fortes sobre algumas opções e muita divergência sobre a extensão e profundidade do que pode ser decidido na cúpula do Rio.
Vários negociadores disseram que o novo sistema de trabalho, por meio de grupos temáticos de menor tamanho, está funcionando. São muitos grupos: podem chegar a 21. O Brasil, como país anfitrião e futuro presidente da Rio+20, continuará fazendo consultas informais inclusive durante a reunião preparatória do Rio e durante os “Diálogos sobre Desenvolvimento Sustentável”, que acontecerão de 16 a 19 deste mês, tudo já no Riocentro.
O esforço dos negociadores é evitar que aconteça o que aconteceu em Copenhague, onde os negociadores não conseguiram fechar um acordo e transferiram a decisão para os Chefes de Estado.
Em artigo na Ilustríssima deste último domingo, Jonathan Powell, ex-chefe de gabinete de Tony Blair, quando este era o primeiro-ministro, faz um interessante retrato das cúpulas internacionais. Mostra como elas podem ser pouco produtivas. Analisei detalhadamente as razões que levaram Copenhague ao seu peculiar desfecho em meu livro Copenhague Antes e Depois. Os negociadores não querem transferir para os chefes de estado a negociação dos pontos de maior divergência.
O que houve de mais positivo, na avaliação desses delegados, é que há apoio geral para a ideia de que a Rio+20 decida sobre metas de desenvolvimento sustentável. Há acordo de que os negociadores devem definir um processo para a formatação dessas metas. Onde não há concordância é sobre a extensão e profundidade do que deverá ser definido no Rio.
A União Europeia quer que a resolução do Rio já contenha um anexo com metas quantitativas e datas-limite para que os países atinjam essas metas. O G77+China é contra, acha prematuro definir as metas agora. A China especificamente defende que as metas de desenvolvimento sustentável (SDGs) devem constituir uma agenda “pós-2015”. Até lá os países devem se fixar nas metas de desenvolvimento do milênio (MDGs).
Há também alguma esperança em relação ao fortalecimento institucional para o desenvolvimento sustentável no âmbito da ONU (IFSD), o ponto central do tema da governança. Negociadores de diferentes países concordam que haverá um sistema de governança mais forte. O que não está decidido é como ele será. Há grande divergência em relação ao futuro do PNUMA/UNEP.
A União Europeia e alguns outros países querem que ele se transforme em uma agência especializada, com status igual ao da FAO, da UNESCO ou da OMS. Uma espécie de organização mundial do meio ambiente. O EUA, o Brasil e a China, entre outros, são contrários.
Há mais concordância um nível abaixo: de que o PNUMA/UNEP deve ser muito fortalecido, inclusive eventualmente com elevação de seu status na hierarquia da ONU, ampliação do número de membros e reforço significativo de seu orçamento. Caminha-se, de qualquer forma, para a criação de uma instituição de mais alto nível, um fórum ou conselho de desenvolvimento sustentável, que terá poderes para fazer reuniões de alto nível com ministros e, inclusive, com chefes de estado.
A União Europeia foi a que saiu menos satisfeita com o andamento das negociações. O Comissário para o Meio Ambiente da União Europeia, Janez Potocnik emitiu uma nota lamentando a falta de progresso durante as negociações adicionais em Nova York.
Ele disse que está claro que a fase das discussões em Nova York terminou sem resultado satisfatório e que será necessário que se faça um esforço maior no Rio. Chama todos os países a se engajarem firmemente nas negociações finais aqui. Afirma que principalmente o país anfitrião, o Brasil, terá papel particularmente importante para assegurar o sucesso da conferência. Sem esse engajamento e sem a liderança do Brasil, as chances de sucesso no Rio são muito pequenas, concluiu.
Outro negociador disse que os últimos dias foram consumidos fazendo uma confusão do texto discutido, agora o trabalho será arruma-lo e apresentar opções claras para decisão final.
Sobrou muita coisa, portanto, para ser resolvida no Rio. Mas, pelo menos, está havendo negociação e não há um sentimento de que se tenha chegado ao impasse. A impressão majoritária de delegados e observadores é de que houve mais foco nos últimos dias e a criação de vários grupos temáticos menores, para negociar pontos específicos, está começando a funcionar, embora ainda não tenha dado resultados conclusivos.
O nós que impedem uma decisão de consenso são, mesmo, o desenho da governança global para a sustentabilidade e o grau de definição das metas metas de desenvolvimento sustentável. Alguns negociadores dizem que há um esforço de quase todos para que as decisões do Rio sejam mais implementáveis do que as recomendações decididas em Joanesburgo, na Rio+10. O objetivo, segundo esses negociadores é criar estruturas que permitam a implementação do que for decidido.
O G-77+China adotou posição bastante intransigente bloqueando a definição de temas específicos para as metas, dizendo que seria prematuro. A posição do grupo, endossada pelo Brasil, é que a Rio+20 deveria apenas lançar um processo para desenvolvimento dos temas e metas e sua implementação.
Mas todos concordam que a Rio+20 deve lançar as metas, inclusive com alguma definição de que dimensões devem contemplar. Para isso decidiriam um processo que levasse à descrição e quantificação das metas, com cronograma e procedimentos de verificação, nos próximos anos.
Uma das dificuldades para conseguir foco nas resoluções a serem tomadas é a variedade de temas e de demandas, tanto de países, quanto dos “grandes grupos” incluídos no processo como forma de participação da sociedade civil. Devem trabalhar até o dia 19, em consultas informais e mais formalmente a partir do dia 13 no Rio, 21 grupos sobre os seguintes temas: mudança climática; mineração; alimentação; químicos e resíduos; água; desastres; desertificação; oceanos; florestas, biodiversidade e montanhas; gênero e educação; empregos; consumo e produção sustentáveis; Pequenos Estados-Ilhas em Desenvolvimento (SIDS) e regiões; metas de desenvolvimento sustentável; finanças, tecnologia e comércio (a ser criado).
Há, também, a participação dos “grandes grupos”, que introduzem na discussão seus próprios temas específicos, além de apresentarem suas preferências sobre os temas já em discussão. São nove: negócios e indústria; crianças e juventude; agricultores; povos indígenas; autoridades locais; ONGs; comunidade científica e tecnológica; mulheres; trabalhadores e sindicatos.
Duas coisas ficaram claras para os negociadores, enquanto deixavam a sede da ONU em Nova York. Tudo agora está, na verdade, nas mãos do Brasil. O grau de ambição, como chamam a efetividade e relevância das decisões a serem tomadas, dependerá de quanta ambição o Brasil vai querer obter dos delegados. A liderança do Brasil passa a ser decisiva nos próximos 16 dias. Todos se preparam para negociações pela madrugada afora, neste ameno final de outono carioca.
(Por Sérgio Abranches, Ecopolítica, 04/06/2012)