Em uma drástica virada política antes da Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável, a Rio+20, o Canadá anunciou sua disposição de reconhecer o acesso a água e saneamento como um direito humano básico. Trata-se da última deserção nas fileiras das poucas, mas poderosas, nações do Ocidente que se opõem à inclusão desse conceito no plano de ação da Rio+20, que acontece de 20 a 22 deste mês no Brasil, na cidade do Rio de Janeiro.
Maude Barlow, a presidente do Conselho de Canadenses, uma das organizações defensoras da justiça social mais importantes do país, afirmou que foi necessária uma “pressão sem precedentes” para conseguir que Ottawa modificasse sua posição.
“A mudança é boa, mas palavras não são suficientes. Precisamos de ações, e ações do governo contradizem diretamente o respeito ao direito humano à água”, afirmou Barlow, ex-conselheira do presidente da Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU).
Consultada pela IPS sobre quais passos a seguir, respondeu dizendo que “é uma boa pergunta”. Afirmou que o governo do Canadá deverá preparar um informe a respeito e entregá-lo à ONU. “Pode estar certo de que estaremos acompanhando de perto”, ressaltou.
Quando, em julho de 2010, foi proposto na Assembleia Geral das Nações Unidas uma resolução reconhecendo a água e o saneamento como um direito humano básico, 122 países votaram a favor e 41 se abstiveram, mas nenhum votou contra.
O Canadá foi um dos que se abstiveram, junto com África do Sul, Austrália, Áustria, Dinamarca, Estados Unidos, Grã-Bretanha, Grécia, Holanda, Irlanda, Israel, Japão, Luxemburgo e Suécia, entre outros. Também se abstiveram muitas nações em desenvolvimento, como Botsuana, Etiópia, Guiana, Quênia, Lesoto, Trinidad e Tobago, e Zâmbia.
Nas negociações iniciais da Rio+20, no ano passado, várias organizações não governamentais alertaram que a água e o saneamento corriam risco de ficar fora do plano de ação, intitulado O futuro que queremos. Anil Naidoo, do Projeto Planeta Azul, comentou que, até o mês passado, o Canadá estava isolado nas negociações, sendo o único país que publicamente assinalava que não havia base legal para declarar esses serviços como um direito humano e propunha sua eliminação do plano de ação.
“De todo modo, essa posição era insustentável, quase dois anos depois de a Assembleia Geral ter aprovado uma resolução reconhecendo esse direito, e depois de três resoluções subsequentes do Conselho de Direitos Humanos ratificando-a”, acrescentou Naidoo.
O Comitê Preparatório para a Rio+20, integrado pelos 193 Estados-membros da ONU, realiza desde 29 de maio outra intensa rodada de negociações destinada a concluir o texto do plano de ação, informalmente conhecido como rascunho zero.
Segundo Naidoo, a Grã-Bretanha, com apoio da União Europeia, propôs eliminar o Parágrafo 67 do rascunho zero, onde explicitamente se reconhece o acesso a água e saneamento como um direito humano.
Após a pressão de várias organizações não governamentais e da relatora especial da ONU sobre a água, Catarina de Albuquerque, a UE se retratou, acrescentou. Contudo, o Canadá continuava pedindo a eliminação do Parágrafo 67, contando com apoio de Estados Unidos e Israel.
“Ao trabalhar com aliados dentro das negociações pudemos aumentar a pressão”, contou Naidoo, destacando o apoio do Escritório do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos. “Tem sido uma longa luta para nós no Canadá”, observou.
“Estamos conscientes de que o reconhecimento é apenas o primeiro passo para nossas verdadeiras metas de implementação”, acrescentou. Também sabemos que os governos e as corporações que estão contra esse direito humano continuarão tentando por todos os meios limitar o alcance e o impacto desta vitória. No entanto, estamos conseguindo avanços”, ressaltou.
(Por Thalif Deen, IPS / Envolverde, 04/06/2012)