Um assunto muito discutido nas redes sociais nos últimos dias foi se Wagner Moura deveria ou não substituir Renato Russo, morto em 1996, na homenagem à Legião Urbana, a "banda que mudou a vida da gente", como lembrou o ator referindo-se a quem fez a trilha de uma geração. "Que País é Este?", uma das canções mais conhecidas, expõe o lado arrogante do Brasil, no momento em que deixaria de ser "Terceiro Mundo" e ia "ficar rico".
O assombro do refrão cai bem para o Brasil de 2012: às vésperas de sediar a megaconferência da ONU sobre desenvolvimento sustentável, o governo reduz o IPI dos carros, o Congresso aprova a redução de sete unidades de conservação na Amazônia e há mais um polêmico capítulo da novela do Código Florestal.
Mas amanhã, no Dia Mundial do Meio Ambiente, as autoridades irão fazer pose de "verdes" e lembrar o quanto o Brasil é sustentável. Que país é este?
A Rio+20 acontece em um momento internacional difícil e isso, claro, não pode ficar na fatura do governo. A crise na Europa preocupa seus líderes e inibe o bloco que sempre disputa a vanguarda em conferências do gênero. O silêncio dos Estados Unidos sobre o assunto fala por si.
O tema está fora da pauta dos americanos (o que é terrível para o resto do mundo) e o presidente Barack Obama, em campanha presidencial, sequer cogita em sair do encontro do G-20, no México, e dar um pulinho no Riocentro. Esse é o azar da Rio+20 e do futuro que queremos - o nosso e o do insosso documento que os delegados discutem para o evento.
O anfitrião tem pouco a fazer se os convidados estão enrolados em casa, mas a total falta de entusiasmo do governo em abraçar, de verdade, esta agenda, é de sua única responsabilidade.
O assunto não contagiou um palmo além dos ministérios obviamente envolvidos - o do Meio Ambiente e o das Relações Exteriores. Os demais, ou ignoram o tema ou têm um discurso tão vazio que não enganam um pé de alface. Também ninguém sabe ao certo o quanto a presidente Dilma Rousseff acredita nesse negócio de desenvolvimento sustentável. A Rio+20 é uma conferência à procura de um líder.
Comparando laranjas: quando o Brasil sediou a Rio92, o então presidente Fernando Collor percebeu o tamanho da visibilidade que teria e mandou seus soldados a campo. O Itamaraty chamou diplomatas de todos os lados para reforçar o time e empurrar as negociações. Todo chefe de Estado tinha que vir - e ia se dar um jeito, como se deu, para receber o Dalai Lama e também os líderes chineses que diziam que não pisariam no Rio se o religioso estivesse por aqui também.
"O presidente George Bush, o pai, não queria vir", lembra o físico José Goldemberg, à época na pasta do Meio Ambiente. "O Collor me mandou lá, convencê-lo. Ele veio."
Em outra ocasião, durante a conferência de Copenhague, em 2009, o Brasil se saiu muito bem. O país tomou a dianteira e apresentou metas de redução de gases-estufa. O discurso mais brilhante do evento foi do presidente Lula. Dilma Rousseff era a chefe da delegação. Sabe-se que ela se opunha à ideia de o Brasil ter metas, mesmo voluntárias, mas depois cedeu.
A Rio+20 não produzirá nenhum documento da envergadura das convenções do Clima, Biodiversidade e Desertificação, e nem se propôs a isso. Mas tem boas promessas na pauta. Os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável são importantes desde que definidos e o Brasil pode empurrar esse bonde. Fazer com que o meio ambiente no mundo tenha mais prestígio e seja comandado por uma agência, como querem europeus e africanos, poderia ser uma decisão histórica.
O Brasil nunca apoiou a proposta. Diz que não vai dar, porque os EUA não querem. O discurso oficial é que país que tem que erradicar a miséria e crescer, não quer só ambiente, quer desenvolvimento sustentável. Mas uma coisa não exclui a outra. Falta sinceridade nesse argumento.
Ou há algo de sustentável em tomar decisões que coloquem mais carros nas ruas? A indústria vem repetindo resultados negativos, e claro que proteger a economia é prudente e necessário. Mas o melhor caminho é aumentar o congestionamento das grandes cidades e não exigir das montadoras nenhuma melhora ambiental em troca? Os brasileiros estão condenados a ver carros menos poluentes apenas nos estandes das feiras ou quando viajam ao exterior?
Estudos famosos da Faculdade de Saúde Pública da USP mostram o quanto a poluição do ar em São Paulo reduz o tempo de vida de todos que vivem na capital, sejam ricos ou pobres. Ar ruim não é problema só ambiental: é econômico e social.
"O PAC é o que há de mais insustentável", diz uma autoridade do governo brasileiro. Mas o Brasil quer posar de mestre em desenvolvimento sustentável porque tem matriz energética limpa. É verdade que a matriz é limpa - mas é muito hipócrita dizer isso como se tivesse sido uma escolha ecologicamente planejada. "Se o Brasil tivesse carvão barato, íamos de carvão mesmo", continua o representante do governo.
A produção de energia solar, em um país como este, é ridícula. O lugar com menor insolação do Brasil (em Florianópolis), tem mais sol que o local com mais insolação da Alemanha, costuma dizer o especialista Ricardo Ruther. Lá, a participação de energia produzida por painéis solares já bate em 4% do consumo.
Não é segredo que o desenvolvimento brasileiro continua sendo o de Juscelino Kubitschek, pavimentar estradas e carregar tudo em caminhões movidos a diesel. Ou há projetos-modelo de se melhorar a navegação na Amazônia? É por eles que milhões de pessoas que vivem na floresta se deslocam, em barcos precários e lentos. Trem? Alguém falou em trens?
Cidades sustentáveis, energia limpa, segurança alimentar, água e oceanos são alguns dos temas críticos da Rio+20. Proteger a vida nos mares, por exemplo, é um ponto fundamental da discussão - os estoques de peixes estão diminuindo, a excessiva absorção de CO2 ameaça a base da cadeia marinha, o nível dos mares tem subido. É bom que se avise: oceano, na Rio+20, é uma discussão que passa longe do Pré-Sal.
Está mais do que na hora de entender que a conferência é, plagiando Wagner Moura, fundamental para mudar a vida da gente.
(Por Daniela Chiaretti, Valor Econômico / IHU On-Line, 04/06/2012)