Empresas de outras nações têm direitos sobre área equivalente a "um Pernambuco". No grupo das 50 maiores companhias, estrangeiros ficam com mais de um terço do total das terras
Empresas estrangeiras controlam a pesquisa de pelo menos 10 milhões de hectares em riquezas minerais no país, o equivalente ao território de Pernambuco. No grupo das 50 maiores empresas, os estrangeiros abocanham mais de um terço do total.
É o que revela levantamento inédito obtido pela Folha por meio da Lei de Acesso à Informação. No dia 16, quando a lei entrou em vigor, a reportagem pediu ao Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM), do Ministério de Minas e Energia, a relação das empresas e pessoas com direito à pesquisa e à exploração do subsolo.
O DNPM mandou no dia seguinte a lista com 14 mil empresas e pessoas físicas com direitos de pesquisa sobre 78 milhões de hectares no país, o equivalente aos territórios dos Estados de São Paulo e de Minas Gerais juntos.
Entre as companhias, as 50 maiores detêm 28 milhões de hectares, 36% nas mãos de estrangeiros. Eles criam empresas no país em nome de brasileiros, mas sob controle e capital estrangeiros.
Desde 1995, mineradoras estrangeiras podem operar por meio de filiais, com exceção de áreas em faixas de fronteira, onde o estrangeiro pode deter até 49% do controle acionário da empresa.
A exploração do subsolo no Brasil é feita em duas etapas. Primeiro, a empresa precisa obter o alvará de pesquisa, que tem validade de três anos e pode ser renovado. O alvará "trava" o acesso ao subsolo da área -outra empresa não pode explorar a área já separada para pesquisa. Para receber o alvará, pagam-se R$ 2,23 por hectare.
A segunda fase é a exploração. Para a portaria de lavra, a empresa precisa comprovar sua capacidade, medida não prevista para a pesquisa. Em abril, o DNPM registrava lavras em 3,4 milhões de hectares.
A diferença entre a área pesquisada (78 milhões de hectares) e a lavrada (3,4 milhões) indica, para especialistas, que muitos titulares dos alvarás de pesquisa só "travam" o acesso ao subsolo. A "especulação" se verifica principalmente entre as pessoas físicas, que podem pesquisar, mas não explorar (leia texto ao lado).
Risco
O geólogo João Cavalcanti já descobriu jazidas para o empresário Eike Batista, o banqueiro Daniel Dantas e o grupo Votorantim. Agora é dono do próprio negócio: a World Mineral Resources.
Tem 238 mil hectares reservados para pesquisa e afirma ter descoberto na Bahia 1 bilhão de toneladas de ferro. Vai abrir 40% do capital da sua firma para grandes investidores internacionais.
O empresário Hélio Diniz representa o canadense Forbes & Mainhattan, que controla seis mineradoras no Brasil. Todas com sede no centro de Belo Horizonte. Diniz anuncia investimentos de US$ 6 bilhões até 2016.
A Falcon Petróleo pesquisa xisto betuminoso na faixa de fronteira com o Uruguai, no Rio Grande do Sul, onde a atividade de estrangeiros enfrenta restrições. A saída encontrada: "A Falcon tem três sócios brasileiros majoritários. A Rio Tinto também faz isso em Corumbá".
A Cowley Mineração, subsidiária da inglesa Cowley Mining, conta com 244 mil hectares para pesquisar ouro e bauxita, mas ainda não explora os minérios. O diretor no Brasil, Igor Mousasticoshvily, cita dificuldades: "É um negócio de risco. No atual ambiente de mercado, é difícil captar recursos".
Lei dá acesso a mega-área para morador de Osasco
Um grupo de 30 pessoas detém, em seus nomes, o acesso às riquezas minerais de um subsolo de 3,5 milhões de hectares no país. A lei não impõe limite por pessoa nem as obriga a ter de demonstrar capacidade financeira para a pesquisa.
Mais de 400 pessoas recorreram a essa previsão legal para obter direitos de pesquisa. Garantiram acesso prioritário a 9 milhões de hectares, o que corresponde às áreas somadas dos Estados do Rio e do Espírito Santo.
Empresas de grande porte dizem que a grande maioria dessas pessoas somente "senta" sobre as reservas para negociá-las futuramente, o que também é permitido pela lei.
Um único morador de Osasco (Grande São Paulo), Angelito Ancelmo Santana, por exemplo, detém direitos de pesquisa sobre 532 mil hectares -é o maior detentor em todo o país entre as pessoas físicas. Procurado pela Folha, ele não foi localizado.
Para manter os direitos sobre essa área, o titular deve ter desembolsado cerca de R$ 1,2 milhão em taxas ao Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM).
O acúmulo dos pedidos feitos por pessoas físicas pode prejudicar outras empresas. "O alvará da pesquisa dá uma exclusividade da área. Aquilo tem valor econômico. A legislação deveria ser mudada", disse Adão Heleno Rodrigues, da Adher Empreendimentos, que explora uma das maiores minas de calcário no país, em São Paulo.
O empresário João Cavalcanti, que pesquisa ferro e neodímio na Bahia, também critica o excesso de concessão de licenças para pesquisa: "Há muita especulação, muita gente sem nenhuma estrutura, muito aventureiro".
Ele relata que essas pessoas "requerem muita área e não pesquisam, e os grupos com condições de fazer prospecção ficam impedidos por esses especuladores".
Cavalcanti estende a sua crítica às "próprias grandes empresas, como a Vale, que têm milhões de hectares requeridos. Ela quer ter áreas estratégicas para pesquisa."
Segundo o DNPM, não há impedimento legal ao acúmulo de direitos de pesquisa. "O DNPM cumpre a legislação vigente e não limita o quantitativo de processos a serem requeridos, desde que comprovado o pagamento das respectivas taxas e emolumentos previstos na lei." A Vale não se manifestou.
(Por Rubens Valente e Lúcio Vaz, Folha de S. Paulo, 27/04/2012)