Um ato no assentamento Praialta Piranheira, em Nova Ipixuna, no Pará, lembrou nesta quinta-feira (24) um ano da morte do casal de extrativistas Maria do Espírito Santo e José Cláudio Ribeiro. No sábado cumpre “aniversário” também o assassinato de Adelino Ramos, o Dinho, sobrevivente do massacre de Corumbiara emboscado em Vista Alegre do Abunã, em Rondônia.
De lá para cá, denúncias foram feitas, mas os acusados pelos crimes, atribuídos a pressões por reforma agrária e ao desmatamento ilegal, não foram levados a júri popular.
Em março, os réus José Rodrigues Moreira, Lindonjonson Silva Rocha e Alberto Lopes do Nascimento foram pronunciados pela morte do casal, o que significa que poderiam ser submetidos à Justiça, mas um recurso provocou o adiamento do julgamento, que agora tem data incerta.
José Batista Afonso, advogado da Comissão Pastoral da Terra (CPT) em Marabá, acredita que a grande mobilização em torno do crime fará com que não caia no esquecimento. “Mas há muitos casos parecidos no estado do Pará”, afirma. “O governo ficou apenas nas ações de repressão.”
A CPT considera que nem todos os envolvidos no crime foram acusados. Em um comunicado emitido esta semana, a organização conta que escutas telefônicas feitas pela Polícia Federal mostram que a ordem para cometer o assassinato não partiu apenas de Rodrigues, que havia comprado dois lotes de terra na área, um deles ocupado por pessoas ligadas ao casal.
Genivaldo Oliveira Santos, o Gilvan, proprietário de terras na região, foi citado em uma conversa de Rodrigues: “Vê se tu vai na casa de Gilvazin e conversa com ele pessoalmente. Tu fala com ele, que ele sabe porque eu tô conversando com ele, que ele providencia advogado e bota aí, porque senão vai pegar pra ele também.”
Outra queixa da CPT é de que apenas parte dos ameaçados de morte recebeu proteção. A Força Nacional de Segurança fazia o trabalho com quatro líderes locais, mas dois deles teriam deixado de contar com o auxílio no último mês. Entre eles, a professora Laísa Sampaio, irmã de Maria, que reside no assentamento.
“Algumas audiências já foram realizadas com o ministro da Secretaria-Geral da Presidência, Gilberto Carvalho, e com o secretário de Justiça do Estado do Pará, José Acreano Júnior, pedindo de providências urgentes, mas a situação ainda não foi resolvida”, observa a entidade.
Nos meses seguintes ao crime, o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (Ibama) realizou operações de fiscalização de desmatamento. Este ano, o Ministério Público Federal denunciou seis madeireiros ilegais e assentados que colaboravam para o esquema de derrubada de árvores. Uma das empresas envolvidas havia sido multada 16 vezes pelo Ibama desde 2009.
Em paralelo, o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) levantou lotes irregulares na região do assentamento que poderiam ser destinados a famílias sem-terra, mas, de acordo com a CPT, o processo não foi levado adiante. “A expansão da fronteira de exploração rumo ao interior da Amazônia ganha fôlego colocando em risco as áreas indígenas, as terras de ribeirinhos, os territórios de quilombolas, os assentamentos de reforma agrária e as áreas de proteção ambiental”, diz o comunicado da comissão.
Corumbiara e morte
Em Rondônia, a situação não é mais animadora. O único suspeito como responsável pela morte de Adelino Ramos foi assassinado no começo deste ano após ganhar do Judiciário o direito à liberdade, o que levou ao arquivamento do processo, deixando de lado a possibilidade de apurar a existência de mandantes do assassinato.
Até o fechamento desta reportagem, a Polícia Civil não havia informado se há alguma possibilidade de retomar a investigação. Osias Vicente foi morto na mesma Vista Alegre do Abunã, distrito de Porto Velho.
Dinho era morador de um assentamento na cidade de Lábrea, no Amazonas. “É a Tríplice Fronteira entre Rondônia, Acre e Amazonas. É muito, muito longe da capital do Amazonas, embora faça parte do estado. O Amazonas não tem controle nenhum daquela área. É para desmatar, para grilar, para tudo”, conta Maria José de Oliveira, agente da CPT em Rondônia.
“Quando é um fazendeiro, em um instante se acha o mandante, se coloca na cadeia. Mas, para os agricultores, em cada cem se tira um. É impressionante a impunidade que reina na morte dos agricultores.”
A morte de Dinho foi lamentada pela ministra Maria do Rosário, da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República. Ele era sobrevivente do massacre de Corumbiara, realizado em 1995 pela Polícia Militar em parceria com pistoleiros contra trabalhadores rurais sem-terra. Visto como organizador da ocupação reprimida, Dinho chegou a ser transformado em réu no caso, mas depois a acusação foi retirada.
O filho dele, Claudemir Ramos, não teve a mesma sorte. Foi condenado a oito anos de reclusão pela morte de 12 sem-terra em 9 de agosto de 1995 na Fazenda Santa Elina, em Porto Velho. No entender do Judiciário, ele e o colega Cícero Pereira Leite foram responsáveis por manipular os demais trabalhadores e impedi-los de deixar o local, o que, em suma, teria facilitado a ação da Polícia Militar. Esgotados os recursos, Claudemir vive foragido desde 2004.
Este ano, pessoas próximas a Adelino se reuniram com a ministra Maria do Rosário para pedir ajuda na federalização do caso. A visão é de que, livre das pressões locais, a apuração e a consequente punição teriam mais chance de êxito.
Mas, como a titular da Secretaria de Direitos Humanos lembrou à época, este dispositivo, embora previsto na Constituição, só foi autorizado uma vez até hoje, o que diminui a esperança de que os culpados venham, algum dia, a cumprir pena pelo crime.
(Rede Brasil Atual / Observatório Social, 24/05/2012)