O ministro da Fazenda, Guido Mantega, acaba de anunciar mais um presentão para a indústria automobilística: R$ 1,2 bilhão para montadoras, redução de 37% para 30% de IPI para carros de até mil cilindradas e condições de mãe para filho para a compra de ônibus e caminhões: juros caem de 7,7% para 5,5% ao ano (“é quase juro negativo”) e o prazo de financiamento dilatado de 96 meses para 120 meses.
A ideia do pacote é bombar a economia ao estimular o consumo, diante de taxas de crescimento decepcionantes. O setor é o de sempre: o que tem o lobby mais poderoso de Brasília, detém 20% do PIB industrial brasileiro e, como lembrou Mantega com orgulho, tem no Brasil o terceiro maior mercado mundial (quem mora em São Paulo sabe disso muito bem). Como escreveu Míriam Leitão, o Brasil não tem política industrial: tem política para a indústria automobilística.
Corta para Nova York. Nesta terça-feira de manhã, algumas horas depois do anúncio de Mantega, o embaixador brasileiro Luiz Figueiredo estará na Assembleia Geral das Nações Unidas, ao lado do secretário-geral Ban Ki-moon, defendendo que o mundo reveja, na Rio +20, os “padrões insustentáveis de produção e consumo” da humanidade (leia-se dos países ricos).
Corta para o Rio de Janeiro. Na última quinta-feira, a ministra do Meio Ambiente, Izabella Teixeira, lançou a versão brasileira do relatório “Povos Resilientes”, encomendado por Ban a um comitê de alto nível, para fazer recomendações que ajudem a orientar os governos no rumo de um mundo sustentável. Entre essas recomendações encontramos a seguinte:
Abordar sinais de preço que distorcem as decisões de consumo e investimento de domicílios, empresas e do setor público e debilitam os valores da sustentabilidade. Os governos devem avançar no sentido de divulgar de maneira transparente todos os subsídios e devem identificar e eliminar aqueles subsídios que provoquem as maiores perdas dos recursos naturais, ambientais e sociais.
Senão vejamos: o governo brasileiro defende um freio à produção e ao consumo insustentáveis ao mesmo tempo em que tenta acelerar a economia do país estimulando uma indústria e um meio de transporte de cargas (o caminhão) que são o exato oposto de sustentáveis (devoram recursos naturais, rodam com combustíveis fósseis subsidiados, tornam a vida nas cidades um inferno). Como no Dr. Fantástico de Kubrick, o governo age com dupla personalidade: uma mão segura a cigarrilha, a outra faz saudações ao Führer.
É a segunda vez em uma semana que o Brasil dá tiros no pé da Rio +20 com ações do tipo “faça o que eu digo, mas não faça o que eu faço”. Na última terça, o Congresso aprovou uma Medida Provisória que detona sete unidades de conservação para albergar a produção energética perfeitamente “sustentável” do país (mega-hidrelétricas na Amazônia).
Isso tudo enfraquece a posição do Brasil de cobrar ações dos países ricos nas negociações internacionais (e dá razão aos EUA, que insistem em passar a borracha nessa barreira entre ricos e emergentes). Mas, muito mais grave, sinaliza que a trajetória de desenvolvimento a que o país aspira de verdade pouco tem a ver com a reorientação fundamental da produção — a tal “economia verde”, expressão que já anda caindo em desuso antes mesmo de ser consagrada — que a Rio +20 deveria propor.
Enquanto premia indústrias dos séculos 19 e 20 com os sucessivos pacotes de desoneração, o governo sufoca as do século 21, cortando em 22% as verbas da ciência e deixando que China e Alemanha desenvolvam tecnologias de energia renovável, como eólica e solar. OK, é a crise, o euro está se acabando, é preciso agir rápido e quem está na mão são os carros.
Mas, sem alguém no governo para olhar além das soluções da mão para a boca, o país dificilmente conseguirá internalizar os resultados da Rio +20. Se é que está interessado em fazê-lo. Se é que haverá algum.
(Por Claudio Angelo, Entre Colchetes, 21/05/2012)