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trabalho escravo política do agronegócio
2012-05-11 | Rodrigo

Ao aceitar condicionantes para a aprovação da PEC do Trabalho Escravo, líderes governistas do Congresso abrem precedente perigoso

O que era para ser uma articulação política em torno de uma proposta central para que o país dê um passo no combate do trabalho escravo virou um festival de barganhas em benefício próprio protagonizado pelos ruralistas. Como no trâmite da proposta de revisão do Código Florestal, os grandes fazendeiros dominaram o jogo político ao estabelecer as bases do que estão dispostos a colocar em negociação, fazendo valer o seu peso no Congresso e postergando qualquer intenção que não seja a deles mesmos.

Em manobra orquestrada nesta quarta-feira (9), o setor que representa os latifundiários conseguiu não apenas adiar em duas semanas a votação da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 438/2001, que determina o confisco das propriedades de quem for flagrado explorando mão de obra escrava, como também inverteu a lógica das discussões, desviando o foco da emenda em si - cujo conteúdo foi apresentado pela primeira vez em 1995, há 17 anos - para a suposta necessidade de uma lei complementar associada sobre a caracterização do trabalho escravo contemporâneo.

Segmentos governistas acharam que "convenceriam" os ruralistas com um par de arriscadas promessas de "compensação", mas o que acabou ocorrendo foi justamente o contrário. Os grandes proprietários aproveitaram a "boa vontade" dos que estão empenhados em aprovar a matéria a todo custo e impuseram as suas "vontades". E, mesmo com todas as concessões, acabaram esvaziando a votação e reforçando a sua posição de formuladores preferenciais de uma legislação que buscará balizar o tema.

A bancada ruralista insiste no argumento de que a adoção da emenda provocaria insegurança jurídica, uma vez que pretensas "arbitrariedades" de órgãos de fiscalização trabalhista poderiam colocar propriedades privadas em risco. Como se a manutenção de condições análogas à escravidão - crime previsto no art. 149 do Código Penal, em convenções internacionais e em decisões judiciais de tribunais superiores - não fosse "arbitrariedade" alguma.

A injustiça, para os ruralistas, está na atitude de quem fiscaliza, e não na própria conduta dos fiscalizados, que vêm sendo sistematicamente flagrados, ao longo dos últimos anos, submetendo pessoas a trabalho froçado, jornada exaustiva, condições degradantes e restrições de locomoção por dívida. Mais de 42 mil trabalhadoras e trabalhadores forem libertados desde 1995.

O intento ruralista de vincular a PEC 438 com uma legislação que pode fragilizar o conceito de trabalho escravo contemporâneo parece ter sido perigosamente aceito e incorporado por lideranças parlamentares governistas, inclusive pelo próprio presidente da Câmara, Marco Maia (PT-RS).

A avidez por "boas notícias" geradas no Parlamento fez com que o comandante da Casa atuasse pessoalmente no sentido de firmar um "acordão" com a cúpula do Senado para que as ambições ruralistas de revisar o "conceito" de trabalho escravo fossem contempladas. Até a criação de um grupo de trabalho (composto por cinco membros da Câmara e cinco do Senado e dedicado a "regulamentar a efetivação" da emenda) chegou a ser acertada.

Esse grupo especial estaria incumbido dea estabelecer, segundo as próprias palavras de Marco Maia, a diferenciação entre trabalho escravo e irregularidades trabalhistas quando do retorno da PEC 438 ao Senado, visto que a matéria foi modificada na votação em 1° turno na Câmara, em 2004, para incluir também o confisco de imóveis urbanos.

Detalhes
Após intensa pressão da sociedade civil (materializada em amplo ato no Auditório Nereu Ramos, na própria Câmara dos Deputados, que contou com a presença de ministros, artistas e movimentos sociais, seguida da entrega de abaixo-assinado com dezenas de milhares de assinaturas a favor da proposta) que se concentrou na última terça (8), a votação da PEC do Trabalho Escravo acabou sendo transferida temporariamente para o dia seguinte.

Depois de negociações entre diversos líderes e do já citado encontro entre as cúpulas das duas Casas ao longo desta quarta (9), a emenda foi finalmente colocada em pauta de votação em sessão extraordinária do Plenário da Câmara que se iniciou por volta das 20h15. Cerca de sete anos e nove meses depois da aprovação em 1° turno, em agosto de 2004, a PEC 438 estava sendo novamente submetida ao escrutínio, agora em 2° turno.

O início da manobra se deu com declarações feitas à imprensa feitas por Moreira Mendes (PSD-RO) - coordenador da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA), que aglutina a bancada ruralista - ainda no início da tarde, bem antes da sessão. Ele anunciou que os seus pares não votariam a PEC e que só estariam disposto a seguir para o voto caso a matéria seja vinculada a uma lei complementar com "definições" a respeito do trabalho escravo. Como se pôde ver algumas horas depois, a exigência ruralista surtiu efeito.

A despeito de enfáticas defesas pela aprovação da matéria como a dos deputado federal Sibá Machado (PT-AC) - para quem há uma diferença muito grande entre lucro e extorsão -, bem como de posições contrárias - Nelson Marquezelli (PTB-SP), por exemplo, classificou a emenda como "crime à democracia brasileira", pois até quem comete homicídio tem direito à defesa e, "se tiver um bom advogado, nem preso vai" -, o "veredito" foi dado pelo líder do PMDB, Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN), à frente da segunda maior bancada da Casa, com 78 cadeiras, atrás apenas do PT (com 85).

Às 20h56, o líder peemedebista tomou a palavra para dizer que, "emoções à parte", não tinha segurança absoluta de que a emenda seria aprovada com tranquilidade. Naquele momento, 338 deputadas e deputados tinham confirmado presença no Plenário. Para ser aprovada, uma PEC necessita da aprovação de três quintos da Casa, ou seja, de ao menos 308 votos. Na sequência, sugeriu o adiamento "improrrogável" para 22 de maio e também citou a necessidade de uma "regulamentação para a efetividade" da emenda. "A intenção não é apenas de discutir. Queremos aprovar essa PEC".

Para o líder do PMDB, a negociação que chegou ao Senado atingiu 80%, mas não se conseguiu chegar a um "ponto de equilíbrio" para aprovação. Durante as próximas duas semanas, ele prometeu um "entendimento".

Prontamente, ruralistas como Luiz Carlos Heinze (PP-RS), Abelardo Lupion (DEM-PR), Giovanni Queiroz (PDT-PA), Edmar Arruda (PSC-PR), Josué Bengtson (PTB/PA) e o próprio Moreira Mendes declararam apoio à sugestão de adiamento da votação por um prazo de duas semanas.

Todos repisaram a necessidade de uma legislação complementar associada à PEC 438, deixando evidente a estratégia de deslocar a discussão da proposta em si. Domingos Sávio (PSDB/MG), que se pronunciou em nome da bancada tucana, também reforçou a tese da pretensa "insegurança jurídica".

Em postura dissonante, Ivan Valente (PSol-SP) não compactou com o adiamento e renovou o apelo para que a PEC 438 fosse votada imediatamente, uma vez que, pelo regimento, o texto não pode sofrer alterações na votação em 2° turno.

"A não ser que se tenha a intenção de não apenas regulamentar a PEC no retorno ao Senado, mas mudar o conceito de trabalho escravo. Isso é inaceitável", pontuou. De acordo com ele, o país não pode retroceder para concepções atrasadas da escravidão dos grilhões e das bolas de ferro e deve manter os fundamentos que já vem adotando, que são reconhecidos pela Organização Internacional do Trabalho (OIT).

Quando o placar da Câmara registrava um quórum de 413 deputados (100 a menos que a totalidade dos 513), às 21h32, a deputada Luciana Santos (PCdoB-PE) manifestou a compreensão no que diz respeito à ausência de garantia de aprovação da matéria, mas deixou registrado o seu desejo de que a votação fosse realizada ainda na noite de quarta (9).

"Sabemos que podemos sair derrotados", completou o líder petista Jilmar Tatto (PT-SP), que disse também que a nao aprovação da PEC do Trabalho Escravo "está se tornando uma vergonha para essa Casa e para o país".

Com a transferência da votação para o próximo dia 22, toda a pressão e mobilização social em torno da aprovação do confisco dos bens de escravagistas acaba sendo deslocada, como almejavam e manejaram de forma oportunista os ruralistas, da adoção imediata da medida em si para uma nova polêmica sobre a caracterização do trabalho escravo, questão essa que não faz (nem pretende fazer) parte das reividindicações da sociedade civil.

(Por Maurício Hashizume, Trabalhoescravo.org, 10/05/2012)


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