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amianto instituto brasileiro do crisotila corrupção no setor público
2012-05-09 | Rodrigo

2012: O império do amianto está ruindo, a olhos vistos.

Em 13 de fevereiro, a Justiça italiana anunciou a condenação dos ex-proprietários da Eternit, o barão belga Jean-Louis de Cartier de Marchienne e o magnata suíço Stephan Schmidheiny, a 16 anos de prisão e ao pagamento de quase 100 milhões de euros.

Nem mesmo o informe publicitário publicado na ocasião pela Eternit do Brasil nos principais veículos de comunicação (CartaCapital foi a única a recusar o anúncio), negando qualquer relação com a empresa incriminada, diminuiu o amargor da derrota.

Agora, o lobby do amianto sofre novos reveses. Indiretamente, a Operação Monte Carlo, da Polícia Federal (PF), atingiu em cheio o império do amianto. Seus mais ilustres e ferrenhos defensores no meio político brasileiro são acusados de envolvimento com os esquemas do bicheiro Carlinhos Cachoeira.

São eles o senador Demóstenes Torres (DEM-GO, até 4 de abril), o deputado federal Carlos Alberto Leréia (PDSB-GO) e o governador Marconi Perillo (PSDB-GO).  Os três integram a “bancada da crisotila”. São parlamentares que, em troca de defender a fibra cancerígena no parlamento, recebem apoio financeiro da indústria amiantífera em suas campanhas. Crisotila, ou amianto branco, é o tipo existente e ainda permitido no País.

A primeira baixa, aliás, já ocorreu. Demóstenes Torres deixou a relatoria do projeto de lei 371/2011, do senador Eduardo Suplicy (PT-SP), que “dispõe sobre a proibição da extração, da importação, do transporte, do armazenamento e da industrialização do amianto”.

Outro revés: o Instituto Crisotila do Canadá anunciou oficialmente, em 28 de abril deste ano, o encerramento de suas atividades.  Durante quase três décadas, ele coordenou globalmente os esforços da indústria do amianto para promover o chamado “uso controlado da crisotila”. Uma tese enganosa de que a exploração do mineral, assim como a fabricação e a utilização de produtos, contendo suas fibras, seriam inofensivos à saúde humana.

O instituto canadense foi copiado em todo o mundo. Aqui, deu origem ao Instituto Brasileiro do Crisotila (IBC), sediado em Goiânia.

“São dois golpes mortais, que prenunciam o fim da produção da fibra assassina aqui”, observa a engenheira Fernanda Giannasi, auditora fiscal do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) e coordenadora da Rede Virtual-Cidadã para o Banimento do Amianto para a América Latina. “É como diz o ditado popular ‘a Justiça tarda, mas não falha’.”

Lobby parlamentar intermedia visita de presidente da Eternit a Gilmar Mendes no STF
A Organização Mundial da Saúde (OMS) estima que, anualmente, 107 mil pessoas morrem em todo o mundo devido a doenças causadas pelo amianto ou asbesto – um reconhecido cancerígeno para os seres humanos.

“Todo tipo de amianto — inclusive a crisotila — é comprovadamente cancerígeno, e o seu uso controlado, uma ilusão total”, alerta o pneumologista Hermano Albuquerque de Castro, professor da Escola Nacional de Saúde Pública e pesquisador do Centro de Estudos da Saúde do Trabalhador e Ecologia Humana, da Fiocruz, no Rio de Janeiro. “No máximo, as indústrias conseguem reduzir a exposição dentro das fábricas. Não conseguem controlar depois que o produto sai e vai para o público. Isso é impossível.”

Apesar de essa advertência ser feita há mais de duas décadas
, o governo brasileiro ignorou o problema. E mais. Nos últimos anos, perdeu diversas oportunidades de proibir o uso do amianto no território nacional.

Em boa parte devido ao poderoso lobby no Congresso Nacional, que sempre agiu com presteza para atender os interesses da indústria amiantífera.

Demonstração emblemática dessa força aconteceu em setembro de 2008. Havia indícios de que o Supremo Tribunal Federal (STF) iria julgar celeremente a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 4066, que pede a decretação da inconstitucionalidade do artigo 2º da Lei 9055/95; ela trata do “uso seguro e responsável do amianto”.

“A Lei 9055 é inconstitucional em função da lesividade de todo tipo de amianto à saúde humana”, diz o advogado Mauro Menezes, que, na ação, representa a Associação Nacional dos Procuradores do Trabalho (ANPT) e a Associação Brasileira dos Expostos ao Amianto (Abrea) “Ela não se compatibiliza com uma questão maior que está garantida na nossa Constituição, que é o direito à saúde e à vida.”

Pois bem, à época, o então senador Marconi Perillo e o colega Demóstenes Torres intermediaram encontro de representantes da Eternit com o ministro Gilmar Mendes (naquele momento, presidente do STF) para tratar do assunto.

Assim, no dia 30 de setembro de 2008, o presidente do Grupo Eternit, Élio Martins, o diretor-geral da SAMA, Rubens Rela Filho, Perillo e o deputado federal Carlos Alberto Leréia (PSDB, GO) foram recebidos no STF por Gilmar Mendes.

O Grupo Eternit é o maior produtor de amianto e de artefatos de cimento-amianto do Brasil. A mineradora SAMA pertence a ele. É a responsável pela mina de Cana Brava, a única ainda em exploração no País; fica em Minaçu, norte de Goiás, a 500 quilômetros da capital Goiânia.

Leréia, proveniente de Minaçu, foi um dos maiores beneficiados pelas verbas da SAMA em sua campanha como deputado federal. Segundo matéria publicada na revista CartaCapital, de junho de 2005, recebeu sozinho 300 mil reais da mineradora.

Na agenda de Gilmar Mendes para o dia 30 constava apenas: 17h30 – Recebe em audiência os senadores Marconi Perillo (PSDB-GO) e Demóstenes Torres (DEM-GO).

Sobre o encontro, o site do STF noticiou: “O senador goiano Marconi Perillo (PSDB) esteve no início da noite desta terça-feira (30) com o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Gilmar Mendes, para entregar documentos contra o banimento do amianto crisotila no país. ‘Temos estudos científicos que foram preparados pelas principais universidades brasileiras que nos tranquilizam em relação à utilização do amianto sem qualquer mal à saúde’, afirmou.”

Parêntese: o Viomundo denunciou em várias reportagens a falta de isenção dos pesquisadores de “tais estudos científicos”, financiados pelo próprio interessado em tais resultados.

O site do STF prosseguiu: “Segundo o senador, o objetivo dos documentos é ‘dar esclarecimentos e embasamento aos ministros do Supremo Tribunal Federal em relação à matéria’”.

Curiosamente, o nome do presidente do grupo Eternit, presente ao encontro, não constou da matéria publicada no site do STF
.

Tampouco o nome de Élio Martins apareceu nas legendas das fotos divulgadas sobre a reunião. Nem mesmo na que apareceu cumprimentando Gilmar Mendes. Mencionaram-se apenas os nomes dos parlamentares.

“Na prática, a Operação Monte Carlo acertou o core do lobby do amianto no Brasil” reforça Fernanda Giannasi. “Da mesma forma, com certeza, o fechamento do Instituto Crisotila do Canadá terá repercussões no Instituto Brasileiro do Crisotila (IBC) e nos demais institutos clones, que perdem seu mentor e grande financiador e apoiador.”

Instituto do Crisotila do Canadá propagandeou informações enganosas
O IBC (também chamado de Crisotila Brasil) foi criado à imagem e semelhança do Instituto Canadense do Crisotila (antes chamado Asbestos Institute).

Até no estilo de tentar silenciar os que denunciam os malefícios do amianto e as ações do lobby pró-fibra cancerígena são muito parecidos.

O IBC recorreu à Justiça contra Fernanda Giannasi, o procurador Antônio Carlos Cavalcante Rodrigues, do Ministério Público do Trabalho de Goiás (MPT-GO), que queria, entre outras ações, o fim das atividades do IBC, e o pneumologista, professor e pesquisador Hermano Albuquerque de Castro.

O Instituto Crisotila do Canadá teve o desplante de atuar fora de sua jurisdição. Em abril de 2001, o seu diretor, Denis Hamel, mandou uma carta ao então Ministro do Trabalho e Emprego do Brasil, Francisco Dornelles, pedindo para repreender e enquadrar a engenheira Fernanda Giannasi. Não conseguiu o seu intento.

No documentário A morte lenta pelo amianto, Hamel justifica a retaliação: “Ela [Fernanda Giannasi] dá declarações mentirosas, exageradas, que prejudicam enormemente os esforços da indústria”.

Consequentemente, o fechamento das portas do Instituto Crisotila do Canadá representa uma derrota importantíssima de um dos lobbies mais eficientes na promoção de produtos tóxicos no mundo, só comparável ao do tabaco. Não é à toa que é festejado globalmente.

“Essa é mais uma auspiciosa notícia, que nos anima a multiplicar esforços para a concretização do banimento do amianto em nosso país, o quanto antes”, afirma o advogado Mauro Menezes. “Afinal, a entidade que tanto promoveu a falaciosa tese de que a crisotila seria inofensiva à saúde humana, contava com apoio do governo canadense e coordenava um poderoso lobby, modelo que inspirou a criação do Instituto Brasileiro do Crisotila.”

“Sinaliza um passo importante para o fim da exploração e exportação do amianto pelo Canadá”, saúda Linda Reinstein, presidente da Asbestos Disease Awareness Organization (ADAO), ONG estadunidense que se dedica à conscientização das doenças do amianto. “Simboliza um futuro promissor para o esforço global de proteger a saúde pública.”

Para Pat Martin, membro do Parlamento canadense, ex-mineiro e crítico de longa do data da indústria do amianto, o fechamento do Instituto do Crisotila do Canadá é a sentença de morte da mineração do amianto naquele país.

Kathleen Ruff, ativista canadense dos direitos humanos e pelo banimento do amianto, fez questão de ir até o escritório do Instituto do Crisotila para se certificar de que a informação era verdadeira. As portas da sala 1.640 estavam fechadas; nem mensagem para deixar  recado na secretária eletrônica havia mais.

“O Instituto Crisotila pressionou o governo canadense para que ele continuasse financiando-o como fez durante 27 anos, do contrário, fecharia as portas”, conta Kathleen Ruff. “Devido à fortes críticas, o governo não cedeu. E, agora, uma alegria toma conta de todos aqueles que lutam para proteger as pessoas dos perigos do amianto.”

Laurie Kazan-Allen, editora do site e coordenadora do Ibas — International Ban Asbetos Secretariat (Secretariado Internacional do Banimento do Amianto) –, sediado em Londres, Inglaterra, ao comemorar a queda do Instituto Crisotila, põe o dedo na ferida:

“Mesmo depois de o amianto ter sido proibido em países industrializados, o seu consumo aumentou muito em todo o mundo em desenvolvimento. Isso aconteceu graças principalmente aos esforços e à contribuição financeira do Instituto do Crisotila do Canadá, que permitiu a criação de 12 entidades ao redor do mundo, para transmitir de forma mais eficaz a mensagem pró-amianto. Não por coincidência o uso do amianto continua na Índia, Tailândia, Brasil, Colômbia e México, países onde existem estas organizações”.

“Indubitavelmente, o império do amianto está desabando”, arremata Fernanda Giannasi. “Esperamos, agora, que se faça Justiça às vítimas do amianto e seus familiares.”

(Por Conceição Lemes, Viomundo, 08/05/2012)


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