Trabalhadores foram submetidos à condições degradantes em fazenda arrendada para a Klabin, que também era compradora de parte da madeira extraída pelas vítimas
A Superintendência Regional do Trabalho e Emprego de Santa Catarina (SRTE/SC) libertou doze pessoas de condições análogas à escravidão na fazenda Pelotinhas, localizada no bairro rural de Morrinhos, em Lages (SC). A fazenda de 800 hectares pertence a empresa Arruda Rodrigues Participações Ltda. e está arrendada para a Klabin S.A., gigante no setor de papel e celulose no Brasil.
De acordo com a investigação da SRTE/SC, a Klabin plantou pinus em toda a extensão da fazenda e como forma de pagamento destinou 35% da área para a Arruda Rodrigues Participações Ltda.. A Arruda, por sua vez, vendeu as árvores plantadas para o produtor Marcos Antonio de Barba extrair a madeira. O produtor vendeu parte da madeira extraída para a própria Klabin.
"A Klabin compra a madeira que plantou na propriedade arrendada por ela, com notas fiscais de uma empresa (a Arruda Rodrigues Participações) que não possui empregados para realizar a extração da madeira", explica Lilian Carlota Rezende, coordenadora da fiscalização. O produtor Marcos foi autuado pelo Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) por conta das irregularidades encontradas e seu nome poderá ser incluído na lista suja do trabalho escravo.
A fiscalização analisou as notas fiscais emitidas pela empresa Arruda Rodrigues Participações Ltda. no período de setembro de 2011 a fevereiro de 2012 e das 91 notas emitidas no período, 49 foram para a Klabin e 42 para a Sudat Painéis. Para a fiscalização, o produtor Marcos declarou que nos meses anteriores fornecia madeira apenas para a Klabin, mas como esta reduziu sua cota para 120 toneladas de madeira por mês, passou a vender para outras empresas.
Na avaliação do procurador do Trabalho Assis Alfredo Hack, que está cuidando do caso, não é possível atribuir responsabilidade à Klabin ou aos donos da terra porque quem decidia pra quem vender era o produtor. "Não há mascaramento da relação de emprego nesse caso", pontua.
Condições degradantes
Alojamento improvisado servia de abrigo para o grupo libertado pela fiscalização (SRTE/SC)
Os trabalhadores realizavam os serviços de corte de madeira e foram encontrados utilizando motosserras sem qualquer treinamento e sem equipamentos de proteção individual. Recentemente a Repórter Brasil divulgou matéria sobre um acidente com o equipamento no Piauí. Os trabalhadores declararam que os poucos EPIs que possuíam foram comprados por eles.
O empregador Marcos Antonio de Barba não disponibilizou água potável e nem instalações sanitárias aos funcionários, que bebiam água de uma sanga, espécie de brejo, e utilizavam o mato como banheiro. A água, de cor e origem duvidosa, também era usada para tomar banho preparar as refeições. Os empregados disseram que é comum os cavalos beberem água no mesmo local.
Um galpão e um trailer eram usados como alojamento. O galpão estava escorado por madeiras e apresentava grandes frestas e buracos no chão. No ambiente também eram armazenados sacas de cereais, maquinários, fogões e botijões de gás. Os empregados dormiam em colchões ou espumas próprios, em péssimo estado de conservação.
"Um dos maiores absurdos que a equipe constatou foi que tábuas foram improvisadas no forro do galpão, e um colchão foi colocado, sobre a fiação elétrica, para que um dos empregados dormisse", conta Lilian Carlota Rezende, coordenadora da operação.
Klabin corta fornecedor
Em nota, a Klabin comunicou que realiza auditorias periódicas junto a seus fornecedores de madeira para assegurar o cumprimento da Política de Compra de Madeira Controlada, que tem gestão baseada em sua Política de Sustentabilidade e nos princípios e critérios FSC.
"Seguindo esses critérios, quando há algum indício de violação de suas Políticas, como o caso em questão, a Klabin suspende imediatamente a compra de madeira e, caso a inconformidade seja provada, esse fornecedor é descredenciado".
A Sudat foi informada da fiscalização pelo Ministério do Trabalho e Emprego e cortou o fornecedor. Segundo Cleiton César da Silva, a partir de agora todos os fornecedores serão auditados por um funcionário treinado da Sudat "para evitar problemas futuros".
O produtor Marcos disse, por telefone, que já indenizou todos os trabalhadores e que irá se defender na Justiça das autuações. "Eu não consegui terminar de colher a madeira, tive que demitir todo mundo, não vou mais continuar com este trabalho", diz. Após a fiscalização, ele pagou pouco mais de R$ 19 mil em verbas rescisórias. Os trabalhadores receberam também as guias para sacar o seguro para o trabalhador resgatado.
Os auditores fiscais do Trabalho lavraram 28 autos de infração contra Marcos pelas irregularidades encontradas. Ele critica a fiscalização. "Eu não tive chance de arrumar nada, os fiscais foram muito radicais. A maioria das irregularidades eu nem sabia [que estava cometendo]", afirma.
O procurador do Trabalho, Assis Alfredo Hack convocou o produtor para uma audiência e apresentou uma proposta de Termo de Ajustamento de Conduta para Marcos assinar. "Caso ele não assine, vamos ajuizar uma ação civil pública", diz o procurador do Trabalho. De acordo com Assis, o empregador se mostrou disposto a assinar o termo.
(Por Bianca Pyl, Repórter Brasil, 02/05/2012)