Não que muita gente tenha notado, mas este blogueiro não morreu. Há uma semana estou circulando pelos Estados Unidos, numa investigação jornalística sobre os futuros possíveis da humanidade. Afiguram-se dois por aqui: O Futuro que Queremos e o futuro que teremos.
O Futuro que Queremos (assim mesmo, com caixa alta) é o nome do documento-síntese da Rio +20, que em tese verá nesta sexta-feira, aqui em Nova York, a conclusão de seu Rascunho Um, que passará ainda por uma rodada de negociações no Rio de Janeiro antes de ser adotado pelos chefes de Estado (97 confirmados até o momento, segundo me informou ontem o embaixador André Corrêa do Lago, negociador-chefe do Brasil) em 22 de junho.
Antes de vir para Nova York, porém, andei pelo interior do Estado e pela Pensilvânia, onde está em pleno andamento o futuro que teremos: investimentos gigantescos estão sendo feitos na região para a exploração de gás natural (e, no futuro, petróleo) não convencional num tipo de rocha sedimentar conhecido como folhelho.
Inacessíveis até uma década atrás, as reservas de gás de folhelho (chamado em português “gás de xisto”, por razões que desafiam minha compreensão geológica) tiveram um boom graças ao desenvolvimento de uma nova tecnologia de perfuração. Mas isso é assunto para depois.
O que fica chocante e pedagogicamente claro é o abismo que separa as (lentas) discussões diplomáticas na sede da ONU sobre o rumo da economia no futuro daquilo que a própria economia acha que é a economia do futuro.
No Futuro que Queremos, para começar, não há acordo sobre a cara da economia do futuro. Sabe-se que ela deverá ser “verde”, mas os critérios para definir “verde” foram expurgados do texto, cortesia de China e Índia. Nas salas de conferência do UN Plaza, delegados de 190 países são capazes de passar meia hora discutindo a linguagem de dois períodos em um parágrafo (isso ninguém me contou, eu vi) e se devem ou não prever a duplicação de energias renováveis na matriz mundial nos próximos 20 anos.
No futuro que teremos, o dinheiro de verdade – aquele movimentado pelos brancos de olhos azuis de Wall Street – é despejado aos borbotões para alavancar empresas como a Cheaspeake Energy e a Cabot Oil and Gas para operar a pleno vapor mais energia fóssil nos próximos 20 anos.
No Futuro que Queremos, os países são reativos e jogam duro para evitar qualquer decisão que possa vir a lhes dar qualquer tipo de prejuízo mais adiante, diluindo ad infinitum a capacidade de decidir algo que possa ser implementado. No futuro que teremos, o capital é proativo e joga igualmente duro para maximizar seus resultados no presente.
Toda essa reatividade torna o Futuro que Queremos sumamente desinteressante para as pessoas que vivem no mundo real. Quem se importa, afinal, com o acalorado debate sobre a conversão do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente numa agência independente da ONU? À falta de substância, a reunião de Nova York transformou esse debate de rodapé num cavalo de batalha.
Por essas e outras a Rio +20 parece não ter colado no imaginário das pessoas. Aqui nos EUA, por mais que se procure, não se encontra notícia no jornal sobre a conferência. Um amigo meu jornalista nova-iorquino, para dar um exemplo de pessoa de classe média e instruída, sequer tinha ouvido falar no encontro.
Aparentemente a brava e um tanto inconsequente Folha de S. Paulo foi o único jornal no mundo a mandar um repórter cobrir a penúltima sessão de negociações do Futuro que Queremos.
Não estou aqui fazendo nenhum juízo de valor sobre os vícios ou virtudes intrínsecos do gás natural, dos combustíveis fósseis ou do capitalismo, veja. A questão aqui é que as Nações Unidas parecem estar querendo mais uma vez reorientar a economia do mundo por decreto, mas não conseguem nem definir os termos do decreto, nem combinar o jogo com o capital. Não tem como dar certo isso.
(Por Claudio Angelo, Entre Colchetes, 03/05/2012)