Neste sábado (28/4), o Cine PE - Festival do Audiovisual rendeu homenagem a Fernando Meirelles, diretor de Cidade de Deus e um dos nomes mais conscientes do cinema nacional na atualidade. Meirelles subiu ao palco com sua típica simpatia e simplicidade e agradeceu ao troféu Calunga dizendo que continua na ativa.
"Quando a gente faz um filme, ganha prêmios. Quando a gente começa a ser homenageado é porque estão nos colocando na prateleira. Eu quero dizer que tenho muitas ideias ainda aqui na cabeça e vou fazer muita coisa" , disse o cineasta para um Teatro Guararapes que o aplaudiu de pé.
O que poucos sabem é que Meirelles, um dia antes, conversou com o Cineclick e revelou uma triste notícia para o público de cinema brasileiro: “Eu estou puxando o breque-de-mão”. Foi com esta frase que anunciou à nossa reportagem, em primeira mão, que estava desistindo de rodar seu próximo longa nacional depois de Cidade de Deus.
A decisão drástica veio depois da péssima recepção da audiência ao filme Xingu, que produziu com direção de Cao Hamburger. O público de pouco mais de 200 mil espectadores do filme funcionou como um balde d’água no projeto do diretor de levar às telas a adaptação de Grande Sertão Veredas, de Guimarães Rosa. O filme que acabou de ser engavetado por Meirelles teria roteiro de Braulio Mantovani e Wagner Moura como protagonista.
“Eu fiquei tão derrubado com o que aconteceu com Xingu. Mais derrubado de qualquer filme meu que possa ter dado errado. Daí, pensei: ‘Eu vou ficar um ano e meio envolvido nesse projeto, gravando debaixo do sol do cerrado para depois o filme fazer 200 mil espectadores? Por isso reconsiderei”, confessa, decepcionado, Meirelles.
Para o diretor, além do desinteresse do grande público por determinados assuntos o cinema nacional vive o momento das comédias. “Nós temos uma classe C nova que não ia ao cinema antes e esse pessoal é formado no audiovisual pela TV. Então hoje a gente vive uma realidade de filmes que poderiam estar na TV e estão nas telas”.
Para ele, isso tem um lado bom porque está ajudando a formar um novo público, mas, por outro lado, condiciona as produções que buscam o grande público a uma estética televisiva. “Você faz um esforço enorme e as pessoas não estão interessadas. O cara não quer saber de índio, de sustentabilidade. Ele quer essas comédias com as mesmas caras da TV e isso eu não vou fazer”, desabafa.
A experiência de Xingu levou Meirelles a desistir de rodar um filme no país e também o fez optar por campanhas de marketing paralelas para o lançamentos de seus filmes feitos no Exterior. “Não tem esse negócio do fazer um lançamento para o Brasil, porque existem dois Brasis. Tem de lançar para o cara do bairro de elite e para o da periferia. Tem que fazer tudo diferente, uma campanha diferente, outro trailer, outro pôster. A ideia é fisgar esse público que gostaria do filme se visse, mas não se estimula a ver”.
A decisão de Meirelles é sustentada por números de mercado. Xingu teve ampla cobertura da imprensa, avaliação positiva da crítica especializada e ainda assim levou pouco mais de 200 mil pessoas aos cinemas. Dados apresentados pelo diretor mostram duas realidades: enquanto em salas de bairros nobres de São Paulo o filme teve ótima média de público, na periferia da cidade as salas ficaram praticamente vazia nos fins de semana.
"Se eu pudesse começar de novo a campanha de Xingu eu mudaria tudo. Ia vender um filme de ação para esse público da classe C. Nem ia falar que é histórico, que se passa na década de 50. O cara ia entrar no cinema achando que era um filme contemporâneo”, avalia.
O diretor vai dar início à estratégia de campanhas de divulgação paralelas com 360, coprodução Inglaterra, França, Áustria e Brasil que chega às telas de cinema em 17 de agosto. Em setembro começa a rodar outra produção internacional: Nemesis, adaptado do livro homônimo de Peter Evans que será roteirizado por Braulio Mantovani.
Para a fatia do público que gostaria de ver o diretor de Cidade de Deus de volta ao comando de um filme genuinamente nacional, o jeito é esperar. As palavras de Meirelles ao final da entrevista talvez sinalizem que não vai demorar tanto assim: “Ainda continuo sendo um eterno otimista com o cinema nacional”.
(Por Roberto Guerra, Cineclick, 29/04/2012)