Corte definiu por 7 votos a 1 que palco de conflito no sul do Estado é terra indígena, o que anula títulos concedidos. Enfrentamentos entre índios e não índios se agravaram nos últimos dias; União decidirá se indeniza fazendeiros
Diante do agravamento no conflito entre índios e fazendeiros no sul da Bahia, o STF (Supremo Tribunal Federal) retomou ontem o julgamento de uma ação que envolve a área em disputa e reconheceu, por 7 votos a 1, que o local é área indígena, determinando a anulação dos títulos de terras existentes.
Os fazendeiros terão de deixar o local, mas a forma como será a retirada ficará a cargo da União, que definirá, inclusive, se eles poderão receber indenizações.
A ação proposta pela Funai em 1982 pedia declaração de nulidade de todas as propriedades de não índios dentro da Reserva Indígena Caramuru/Catarina/Paraguaçu. A área, de 54 mil hectares, abriga os índios pataxós hã hã hães.
O caso começou a ser julgado em 2008, quando o hoje ministro aposentado Eros Grau votou pela nulidade dos títulos de terra. Ontem, o caso foi retomado com o voto da ministra Cármen Lúcia.
Também votaram pela anulação dos títulos os ministros Joaquim Barbosa, Rosa Weber, Cezar Peluso, Celso de Mello e Carlos Ayres Britto. Só Marco Aurélio Mello votou contra o pedido, por entender que a concessão das terras foram atos de "boa fé".
Luiz Fux, que substituiu Grau, não pôde votar. Gilmar Mendes e Dias Toffoli estavam impedidos, e Ricardo Lewandowski, em viagem, não participou do julgamento.
A área foi demarcada em 1938, mas nunca chegou a ser homologada pelo governo federal. Para os ministros, no entanto, o fato não impede que o território seja considerado indígena.
Em seu voto, Cármen Lúcia disse que o processo era composto de "sofrimento, lágrimas, sangue e morte". Observou também que, das 396 propriedades inicialmente questionadas pela Funai, só 186 estariam dentro da reserva e, portanto, seriam anuladas.
No último fim de semana, o conflito deixou um morto e um ferido a bala e fez com que a Polícia Federal enviasse para a região uma tropa de elite que atua especificamente na contenção de distúrbios. Exatamente por isso, o STF decidiu julgar o caso, que não estava na pauta.
Índios comemoram, e proprietários se dizem injustiçados
Vitoriosos no STF (Supremo Tribunal Federal), os índios pataxós hã hã hães preparam uma festa para comemorar a anulação dos títulos de propriedades de centenas de fazendas no sul da Bahia.
A decisão da Corte é o desfecho de ação movida pela Funai (Fundação Nacional do Índio) em 1982. Ela abre caminho para a criação de uma reserva de 54 mil hectares, o que equivale a um terço da área da cidade de São Paulo.
"Essa decisão significa vida para um povo sofrido, que estava morrendo aos poucos. Não esperávamos o julgamento hoje, mas amanhã [hoje] deverá ter festa", disse Wilson de Souza, coordenador da Funai (Fundação Nacional do Índio) na região.
Os fazendeiros dos municípios de Pau Brasil, Camacan e Itaju do Colônia expressaram desolação e revolta com a anulação dos títulos, concedidos pelo governo da Bahia em terras consideradas indígenas pelo Supremo.
"Já fui fazendeiro, mas agora não sou mais. Nunca houve índio aqui, mas agora dizem que tem, e eu e meus nove irmãos perdemos tudo porque o título de terra na Bahia não vale nada", disse Paulo Leite, um dos líderes ruralistas de Pau Brasil. "É um absurdo e uma injustiça muito grande. Foram terras que foram compradas, ninguém é grileiro aqui", reclamou o fazendeiro Lissandro Resende.
A região de Pau Brasil é palco de um conflito fundiário que no mês passado deixou um funcionário de uma das fazendas morto e um pataxó baleado. Nenhum suspeito foi identificado.
Com a escalada da violência, o governo federal reforçou o policiamento na área. Há um efetivo de cerca de 120 homens da Força Nacional de Segurança, da Polícia Federal e da Polícia Militar da Bahia percorrendo estradas rurais da região.
(Por Felipe Seligman e Graciliano Rocha, Folha de S. Paulo, 03/05/2012)