Juiz aplicou o princípio da precaução, porque, segundo ele, questão que afeta o meio ambiente e a saúde pública "não pode ceder a interesses meramente econômicos do empreendedor"
A Justiça Federal concedeu liminar na Ação Civil Pública nº 15495-48.2012.4.01.3800, uma das 55 ajuizadas pelo Ministério Público Federal (MPF) no final do mês passado (veja a notícia completa) para obrigar indústrias e mineradoras a apresentar plano de contenção das barragens de rejeitos.
Em decisão proferida nesta terça-feira, 24 de abril, o juiz João Batista Ribeiro, da 5ª Vara Federal de Belo Horizonte, determinou que a VALE S/A, responsável pela barragem Captação de Trovões, situada no Município de Nova Lima, região Metropolitana da capital mineira, apresente em até 90 dias “plano de ações corretivas que contemple as medidas necessárias para a máxima mitigação do risco ambiental oriundo da barragem”.
Esse plano deverá conter todas as recomendações para melhorar a segurança da barragem; o nome completo, as respectivas titularidades e anotação de responsabilidade técnica dos auditores, como também o rol de atividades e dados exigidos pela Lei Federal n° 12.334/2010 (parágrafo único do art. 1°), entre eles, a capacidade total do reservatório, se contém resíduos perigosos e a categoria de dano potencial associado, médio ou alto, em termos econômicos, sociais, ambientais ou de perda de vidas humanas.
O juiz também determinou que o Departamento Nacional de Produção Minerária (DNPM) e a Fundação Estadual do Meio Ambiente (FEAM) analisem o plano a ser apresentado pela VALE S/A, avaliando sua regularidade por meio de parecer que deve ser juntado aos autos em até 60 dias após o recebimento do plano.
A VALE S/A ainda ficou obrigada a implementar, de forma imediata, ou após o licenciamento ambiental, todas as medidas indicadas no plano de ação corretiva, bem como aquelas eventualmente apontadas pelo DNPM e pela FEAM.
Sem garantia de estabilidade – A Barragem Captação de Trovões pertence à Classe I, ou seja, é considerada de baixo potencial de dano ambiental, mas no último relatório produzido pelo órgão ambiental mineiro, diante da falta de documentos e dados, a Captação de Trovões foi considerada “sem garantia de estabilidade”.
Na ação, o MPF registrou que esse é um problema comum na maioria das barragens existentes em Minas Gerais. As empresas simplesmente não cumprem a obrigação de manter os dados e a documentação atualizada, o que impede, no momento da vistoria, a real avaliação das estruturas pelos auditores.
Na defesa preliminar oferecida ao Juízo, a própria empresa reconheceu que não possui alguns dos documentos e projetos atualmente exigidos para a verificação da estabilidade da barragem. E alegou que, em cinco anos, intercalados por vários períodos chuvosos, a Captação de Trovões não teria apresentado qualquer problema estrutural.
Para o magistrado, “o decurso do prazo de mais de cinco anos entre o início do procedimento investigativo [pelo MPF] sem que a parte autora [VALE S/A] tenha adotado as medidas necessárias para a máxima mitigação do risco ambiental oriundo da construção da barragem não equivale a um certificado do fato de segurança da barragem; ao contrário, o decurso do tempo revela apenas que a empresa empreendedora, no caso sob exame, fez ouvidos moucos às determinações dos órgãos responsáveis pela fiscalização do empreendimento”.
E afirmou que a empresa é responsável pela apresentação do plano de contenção, “ainda que tenha que desembolsar elevadas quantias de dinheiro, de tempo e pessoal na elaboração e execução do projeto”.
Precaução
Diante de outra alegação, feita pelos réus, de que o MPF não teria comprovado a ocorrência de nenhum dano, mas apenas a “existência de risco” de futuro dano ambiental, o juiz destacou a imprescindibilidade de aplicação do princípio da precaução.
Segundo ele, “deve-se coibir toda e qualquer atividade potencialmente lesiva, exatamente em razão da existência da dúvida” e afirmou que “Uma questão que afeta o meio ambiente e a saúde pública como é o caso de eventual rompimento de uma barragem de rejeitos em decorrência da descarga descontrolada de substâncias nocivas ao meio ambiente não pode ceder a interesses meramente econômicos do empreendedor”.
“Inadmissível, portanto, submeter o meio ambiente ao interesse econômico, sob o frágil argumento de que este deve prevalecer em prol da geração de empregos. Os empresários mais conscientes já comprovaram de há muito que o desenvolvimento sustentável é uma realidade e que já se foi o tempo em que era necessário optar entre a ‘degradação ambiental’ ou ‘empregos' ”, disse o magistrado.
Ele também lembrou que o rompimento de barragens já provocou, nos últimos anos, graves danos ambientais e mortes no Estado de Minas Gerais, e citou a atual presidente da República, ao dizer que “para empregar a terminologia predileta utilizada pela Chefe do Poder Executivo Federal para adjetivar comportamentos censuráveis, ‘um malfeito’ aparentemente pequeno, em quantidade, provocará um efeito sistêmico aterrador. Essa conduta, portanto, deve ser reprimida”.
Por fim, fez referência a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ), segundo a qual, em sede de direito ambiental, a probabilidade não quantificada de que o dano se materialize como consequência da atividade suspeita de ser lesiva impõe “a adoção de uma providência de ordem cautelar para impedir a prática lesiva”.
Omissão do Poder Público
O juiz ressaltou ainda que o princípio da precaução exige a atuação efetiva dos órgãos estatais, pois “qualquer atividade potencialmente lesiva ao meio ambiente e à saúde pública está sujeita ao controle da Administração Pública”. Portanto, afirmou, é “dever do Poder Público, representado pelo DNPM, promover a fiscalização da segurança de barragens destinadas à disposição final ou temporária de rejeitos e à acumulação de resíduos industriais”.
O DNPM, assim como a FEAM, chegaram a alegar que não possuem competência para analisar o plano de ações corretivas a ser apresentado pelas empresas, porque não teriam profissionais com essa formação em seus quadros de servidores.
Tal alegação foi rechaçada pelo magistrado. Segundo ele, “o administrado faz jus ao efetivo funcionamento das repartições públicas, não podendo seu direito ser suprimido pela falta de estrutura dos órgãos encarregados de proceder à fiscalização da atividade econômica por ele exercida”.
Outra alegação feita pelo DNPM, de que a concessão da liminar significaria ingerência indevida do Poder Judiciário sobre a Administração Pública, levou o juiz a afirmar que a falta de medidas, pelo órgão, para cumprir seus deveres “autoriza o Poder Judiciário a exigir do administrador a tomada das providências necessárias” e que não se trata de ingerência, “mas sim de determinação de providências que façam cessar o descumprimento do dever legal de evitar danos ao meio ambiente, a cujo respeito não se pode cogitar de discricionariedade”.
Uma ação por barragem
O MPF em Belo Horizonte ajuizou uma ação civil pública para cada barragem localizada nos municípios sujeitos à sua área de atribuição que apresenta risco de estabilidade.
Confira abaixo o número de todas as 55 ações:
0015469-50.2012.4.01.3800
0015470-35.2012.4.01.3800
0015472-05.2012.4.01.3800
0015473-87.2012.4.01.3800
0015474-72.2012.4.01.3800
0015475-57.2012.4.01.3800
0015476-42.2012.4.01.3800
0015477-27.2012.4.01.3800
0015478-12.2012.4.01.3800
0015479-94.2012.4.01.3800
0015480-79.2012.4.01.3800
0015481-64.2012.4.01.3800
0015482-49.2012.4.01.3800
0015483-34.2012.4.01.3800
0015485-04.2012.4.01.3800
0015486-86.2012.4.01.3800
0015487-71.2012.4.01.3800
0015488-56.2012.4.01.3800
0015489-41.2012.4.01.3800
0015490-26.2012.4.01.3800
0015491-11.2012.4.01.3800
0015492-93.2012.4.01.3800
0015493-78.2012.4.01.3800
0015494-63.2012.4.01.3800
0015495-48.2012.4.01.3800
0015496-33.2012.4.01.3800
0015497-18.2012.4.01.3800
0015498-03.2012.4.01.3800
0015499-85.2012.4.01.3800
0015500-70.2012.4.01.3800
0015501-55.2012.4.01.3800
0015502-40.2012.4.01.3800
0015503-25.2012.4.01.3800
0015504-10.2012.4.01.3800
0015505-92.2012.4.01.3800
0015536-15.2012.4.01.3800
0015538-82.2012.4.01.3800
0015539-67.2012.4.01.3800
0015540-52.2012.4.01.3800
0015541-37.2012.4.01.3800
0015542-22.2012.4.01.3800
0015543-07.2012.4.01.3800
0015544-89.2012.4.01.3800
0015545-74.2012.4.01.3800
0015546-59.2012.4.01.3800
0015547-44.2012.4.01.3800
0015548-29.2012.4.01.3800
0015549-14.2012.4.01.3800
0015551-81.2012.4.01.3800
0015552-66.2012.4.01.3800
0015553-51.2012.4.01.3800
0015554-36.2012.4.01.3800
0015555-21.2012.4.01.3800
0015556-06.2012.4.01.3800
0015557-88.2012.4.01.3800
(Ascom MPF, 26/04/2012)