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código florestal política do agronegócio impactos ambientais da agricultura
2012-04-26 | Rodrigo

Faz mais de 15 anos que eu não vejo o Nestor, marido da tia Margarida, prima do meu pai (como toda tia mineira, uma cozinheira daquelas). Nos últimos três anos, porém, ele tem estado muito presente na minha vida. E também na sua, leitor. O tio Nestor virou personagem principal do principal debate público no Brasil, cujo encerramento está marcado para hoje no plenário da Câmara dos Deputados.

Meu tio é um típico pequeno produtor rural. Sua “fazenda” (não sei quanto ela mede em módulos fiscais — 3, 4?), em Paiva, um município mineiro do tipo “bem-vindo/volte sempre” perto de Barbacena, é uma morraria só. 100% em área de preservação permanente. Não me lembro se 100% desmatada; vários proprietários da região deixam um capãozinho de mato lá no alto do morro, não por medo de multa do Ibama, mas por medo de o morro cair na cabeça deles. 

Da última vez que o vi, ainda nos anos 1990, o Nestor acordava no fiofó da madrugada para subir e descer morro e tirar leite das vacas. Não tinha opção senão vender o leite para a Parmalat, que monopolizava o mercado na região e botava o preço que queria. Claro, muito abaixo do valor do produto e do suor do meu já então nada jovem tio.

É em nome do Nestor que a bancada ruralista no Congresso está tentando, e conseguirá, desfigurar o Código Florestal Brasileiro. Meu tio certamente concordará com o argumento central: não foi ele quem destruiu a mata atlântica que no passado cobria sua propriedade. E nem pensar em fazê-lo gastar o dinheiro que ele não tem para recompor vegetação nativa (“plantar mato”, ele diria) e reduzir ainda mais sua já reduzida área de produção. Fazer isso seria expulsar o Nestor e a Margarida da fazenda.

Portanto, não faz sentido obrigá-lo a manter percentuais mínimos de APP e de reserva legal. É preciso manter a terrinha do meu tio “consolidada” como pasto. O corolário desta afirmação é que é preciso acabar com o instituto da reserva legal e flexibilizar ad infinitum o da APP. É preciso reescrever a lei.

Não queria dizer isso assim tão diretamente, tio, mas você foi um inocente útil nessa história. Propriedades como a sua representam uma porção pequena da área rural total do Brasil. A situação de desconformidade do pequeno produtor com a lei de florestas é muito real, como qualquer visita ao interior do Sudeste atesta.

Mas poderia muito bem ser resolvida por meio de decretos presidenciais, como os acordos que o então ministro do Meio Ambiente, Carlos Minc, tentou fazer com o Ministério da Agricultura. E com a edição de uma lei específica de incentivos financeiros à recomposição florestal.

Isso é tão verdade que esses dois expedientes do bom senso têm voltado à baila: esta última está prevista no próprio texto do Senado para o novo código, e os decretos vêm sendo considerados pela presidente Dilma Rousseff para aliviar a barra para os pequenos, no cenário cada vez mais improvável de o texto do Senado prevalecer. Por mais que se goste da mata atântica, não dá para ter a ilusão de que esse bioma será reconstruído, ainda mais à custa de gente como o Nestor.

Os ruralistas no Congresso fizeram o país refém de um falso debate. Como disse o senador Jorge Viana em entrevista a este blogueiro, a reforma do Código Florestal “não é meritória” em sua origem, por corresponder ao velho hábito brasileiro de mudar a lei quando alguém resolve aplicá-la. Isso criou uma polarização também falsa entre dois campos, os decantados “ruralistas” e “ambientalistas”.

Eu e meu tio Nestor (coitado) de repente viramos inimigos mortais, como se os 85% de brasileiros urbanos quisessem mais é que o campo se explodisse e os 15% de habitantes da roça fossem todos desmatadores criminosos em busca de anistia.

Mais do que resolver a situação de pequenos proprietários ou aliviar o bolso de latifundiários que desmataram ilegalmente e estão sujeitos a multas, o que os ruralistas querem é a tal “segurança jurídica”. Ou seja, a segurança de que não haverá nenhuma lei que lhes imponha limites ao exercício do direito de propriedade, que é exatamente o que o Código Florestal (e a Constituição) faz.

Olhando em retrospecto, é incrível que o governo tenha se deixado enredar tanto nesse debate: deixando que a Câmara tomasse a inicativa de reformar o código numa comissão especial de maioria ruralista (13 contra 5) e permitindo que o seu relator, Aldo Rebelo (PC do B-SP), ressentido com o PT, conduzisse o processo sozinho — ignorando, por exemplo, a ciência.

Acordada depois de arrombada a casa, a Dilma Rousseff só restou reduzir danos com o texto do Senado, prontamente desfeito pelo relator na Câmara, Paulo Piau (PMDB), conterrâneo do meu tio.

Muita gente no governo tem comemorado discretamente a mão pesada com que Piau escreveu seu relatório, suprimindo várias “ambientalices” (regulações) do texto do Senado. Segundo Jorge Viana, o relatório é tão ruim que Dilma precisará vetá-lo e iniciar uma noda discussão, tendo o texto do Senado como base. Como em Brasília tudo é possível e nada é escrito em pedra, eu deixo minhas barbas de molho. Mas num rio com APP.

(Por Claudio Angelo, Entre Colchetes, 25/04/2012)

[Nota do Ambiente JÁ: essa mesma falsa polarização, entre agricultores x ambientalistas, ocorreu na votação do Código Ambiental de Santa Catarina em 2009, quando os ruralistas também usaram os pequenos produtores como inocentes úteis e tiveram grande massa de manobra, tendo em vista que o modelo fundiário no estado é menos concentrado do que em outras regiões do país.]


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