"O encontro das fontes". Esse foi o slogan do sétimo Fórum Água em Pauta, promovido pela Revista Imprensa com patrocínio do governo do estado do Ceará nos dias 23 e 24 de abril. Quase três dúzias de jornalistas, dos mais diversos veículos de todo país, foram levados a Fortaleza para o evento.
Usado como palanque da Secretaria de Recursos Hídricos do Ceará e do centenário Departamento Nacional de Obras Contra as Secas (DNOCS), o fórum foi como um desfile de obras. Entre os grandes feitos apresentados, estava o açude do Castanhão. Um gigante que armazena 6 bilhões de metros cúbicos de água, quase um terço de toda a capacidade dos açudes do Ceará.
Aliás, o estado nordestino mostrou toda a sua competência na gestão de recursos hídricos. São 138 reservatórios construídos em 11 bacias hidrográficas. Mais de 2.500 quilômetros de rios perenizados. Ou seja, se antes seu fluxo era sazonal, agora é permanente. E isso em nome de um novo conceito: segurança hídrica.
Pelos temas tratados nas rasas apresentações, também tira-se uma medida do estado das coisas na política de recursos hídricos do país. "Os impactos da transposição do rio São Francisco no desenvolvimento sustentável do Ceará" foi o escopo das palestras da manhã de segunda-feira (23/04). Todas, sem exceção, proferidas por engenheiros civís envolvidos com o megaprojeto.
Sobre os impactos em si, ouviu-se apenas o receituário institucional de praxe. “Todas as obras seguem os critérios estabelecidos nos estudos de impacto ambiental”, respondeu Raquel Cristina, uma das responsáveis no DNOCS pela implantação dos principais projetos de estrutura hidráulica no Ceará.
Outros argumentos e interesses expressados complementam a idéia de sustentabilidade a ser passada: "Irrigação não é vilão", "por um modelo de produção agrícola mais eficiente", "sustentabilidade X investimento", "solução hidráulica", "aproveitamentos hidroagrícolas", "cobrança pelo uso da água bruta".
Água pra beber
"O plano é levar água de onde chove mais no estado para onde chove menos", resumiu o secretário estadual de Recursos Hídricos, César Augusto Pinheiro. Sobre o mau uso e as perdas ocorridas no sistema de transporte da água, nenhum comentário, só um dado: "Sabemos que 30% da água se perde com o transporte", declarou o professor de Engenharia Hidráulica, na Universidade de Fortaleza, Rogério Campos, sem relacionar essa informação com a política do governo do estado em priorizar grandes obras e investimentos.
Mas é justamente nas grandes obras e investimentos que a política do atual governador, o também engenheiro civil, Cid Gomes, se encontra com a gestão dos recursos hídricos. E isso ficou claro durante a visita dos jornalistas ao Terminal Portuário do Pecém, na terça-feira (24/04). Ali apareceram respostas que o fórum não conseguiu apresentar.
O Pecém é outro gigante do Ceará. Um imenso quebramar construído pela Andrade Gutierrez a dois quilômetros de distância da praia. Fica a 30 minutos de Fortaleza (56 km). De navio, são seis dias de viagem até a costa leste dos Estados Unidos e sete dias para cruzar o Atlântico até a Europa.
É hoje o maior exportador de frutas do país, movimentando 1.100 containers por semana. Também recebe e despacha outros produtos: minérios, produtos petrolíferos, siderúrgicos, granéis e equipamentos. No total, 47 navios atracam no porto por mês. Detalhe: até 2016 receberá R$ 2 bilhões para sua ampliação.
O investimento servirá para atender as necessidades do Complexo Industrial do Pecém, em construção próximo ao porto. Inclui uma siderúrgica da Vale e uma refinaria da Petrobras. É aí que entra a água da transposição e dos açudes.
Só empreendimentos como esses explicam as dimensões da transposição e do açude Castanhão. Mesmo defensores vêem incogruências nas obras. "A transposição está sendo feita para atender uma demanda de 128 metros cúbicos por segundo, quando na verdade todos sabem que 70 metros cúbicos por segundo seria mais do que suficiente para atender todas as necessidades", declarou o engenheiro civil Cássio Borges, considerado um dos grandes especialistas em projetos hidráulicos no Ceará.
Mas essa e outras discussões ficaram à margem do fórum em Fortaleza. Ao final, ficou a impressão de que a presença de jornalistas de outras partes do Brasil visava contra-balancear a rivalidade política dentro do estado, dando destaque para projetos que interessam o governo atual. Ou, como disseram alguns participantes: "O que impressiona é o interesse dos 'sulistas' por um assunto como esse".
(Por Mariano Senna da Costa, Ambiente JÁ, 24/04/2012)