Novo estudo revela que propostas de projetos para a construção de novas barragens na Amazônia podem prejudicar a relação dos rios da região com a cordilheira dos Andes, que alimenta parte do sistema hídrico local
Uma nova pesquisa publicada nesta quarta-feira (18) na revista PLoS ONE revelou que as mais de 150 barragens hidrelétricas que estão sendo planejadas na Amazônia podem romper a ligação entre a cordilheira dos Andes e a região, danificando populações de peixes, ciclo de nutrientes e a saúde da floresta, além de impactar habitantes locais.
De acordo com a análise, feita pelos pesquisadores Clinton Jenkins e Matt Finer, os projetos estão sendo desenvolvidos nos territórios da Bolívia, do Brasil, da Colômbia, do Equador e do Peru. O estudo é o primeiro a avaliar o efeito de todas essas barragens no sistema hídrico amazônico.
Entre os critérios para determinar se as represas teriam ou não impacto ambiental estão a distância entre elas e outras barragens já construídas, se haverá ameaça à ligação entre os Andes e a Amazônia, se as novas represas precisarão de nova infraestrutura e quais seriam os efeitos nos ecossistemas da região.
Os autores descobriram que, de todas as represas, 48 delas, ou cerca de 40%, já estão em estágios avançados de planejamento. Cada uma deve produzir pelo menos dois megawatts (MW) de energia, e mais da metade delas deve gerar mais de 100 MW. Aproximadamente 60% delas causarão algum tipo de ruptura da ligação entre os Andes e a bacia amazônica, e mais de 80% exigirão a construção de novas estradas, linhas de transmissão ou inundação de áreas.
“Esses resultados são bastante preocupantes dada a ligação crítica entre as montanhas dos Andes e a planície amazônica. Parece não haver planejamento estratégico para possíveis consequências do rompimento de uma conexão ecológica que existe há milhões de anos”, comentou Finer, que é ecologista.
“Até agora todas as seis principais conexões entre os Andes e a Amazônia têm tido grande parte de fluxo livre. Com a construção de duas megabarragens no [rio] Madeira, logo teremos cinco [conexões livres]. Documentamos muitos planos para mais três rios (Ucayali, Maranon e Napo), então logo poderemos ter duas. Quais serão as implicações disso?”, questionou.
Jenkins e Finer também citaram os prejuízos que essas represas podem gerar ao ecossistema amazônico, já que, com a mudança ou a interrupção do curso dos rios, estes podem deixar de transportar nutrientes para determinadas áreas e impedir que muitas espécies de animais se alimentem, se reproduzam ou se transportem.
“Muitas espécies econômica e ecologicamente importantes de peixes amazônicos desovam apenas em rios alimentados pelos Andes, incluindo algumas que migram das terras baixas para as altas. A Amazônia andina também é lar de algumas das florestas e rios mais ricos em espécies da Terra. Portanto, qualquer perda florestal norteada por barragens ou impactos fluviais é uma preocupação crítica”, observaram.
“Essas barragens podem ter impactos extremamente amplos na Amazônia, se estendendo do alto dos Andes até a planície do Brasil. Os impactos ecológicos totais podem ser imprevisíveis e potencialmente irreversíveis”, acrescentou Jenkins.
No entanto, os autores enfatizaram que o problema não são as represas em si, mas sim o modo como são planejadas. “É importante não ver todas as barragens como ruins ou todas as barragens como boas”, declarou Finer.
Por isso, os autores solicitam avaliações nos projetos para determinar sua viabilidade ecológica. “Já que os governos da região amazônica andina estão priorizando a hidroeletricidade como peça central de planos de energia de longo prazo, um planejamento estratégico é necessário para minimizar impactos de uma onda planejada de novas barragens na zona mais biologicamente diversa da Terra”, disse Finer.
“Também pedimos por uma reconsideração da noção de que a hidrelétrica é uma fonte de energia de baixo impacto na região neotropical”, afirmaram Finer e Jenkins no relatório da pesquisa.
MDL
Os autores também ressaltaram a importância de analisar esses resultados para verificar se esses projetos deveriam de fato ser incluídos nos créditos do Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL).
“Instituições e instrumentos que apoiam as barragens neotropicais, como as instituições financeiras internacionais e o MDL, deveriam considerar a grande variedade de fatores examinados durante as avaliações do projeto. Caso contrário, rios e florestas tropicais podem estar cada vez mais em risco por causa de estratégias que de outra forma seriam bem-intencionadas para mitigar as mudanças climáticas”, escreveram.
“Em outras palavras, as barragens estão sendo construídas de qualquer jeito, e dar créditos a elas gasta os recursos para combater o aquecimento global e permite que os países que compram o crédito emitam mais carbono”, concordou Phil Fearnside, pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA) que não estava envolvido no trabalho, em declaração ao Mongabay.
Outros cientistas também lembraram que, caso os projetos não levem em consideração esses apontamentos, eles próprios correm o risco de serem afetados. Isso porque as barragens podem ser impactadas pela mudança no regime hídrico local (ocasionada pelas construções e/ou pelas mudanças climáticas), e deste modo terem sua função prejudicada.
“Muito desse investimento acrescentado à Amazônia vai ser sensível às mudanças climáticas. Há evidências indiretas de que o fluxo foi impactado, e que isso impactou a quantidade de hidroeletricidade nos Andes”, explicou John Matthews, ecologista da Conservação Internacional.
(Por Jéssica Lipinski, Instituto CarbonoBrasil, 20/04/2012)