O massacre de Eldorado do Carajás teve repercussão ímpar, pelo do número de mortos, pelas circunstâncias das execuções sumárias, e em função do número de policiais envolvidos.
A construção da impunidade teve início minutos após o fim do massacre. Mesmo sabendo da ilegalidade, os policiais removeram todos os corpos da cena do crime e com este ato, impossibilitaram a realização de perícias eficazes para a localização dos autores dos disparos.
Dois promotores de justiça, que insistiam na tese de que era obrigação do Ministério Público do Estado do Pará investigar a responsabilidade do Governador do Estado e do alto escalão no massacre, foram afastados do caso pelo na época Procurador-Geral de Justiça, Manoel Santino do Nascimento. No segundo mandato do Governador Almir Gabriel, Manoel Santino do Nascimento foi Secretário Especial de Governo.
O encarregado do Inquérito Policial Militar, Coronel PM João Paulo Vieira, também isentou Almir Gabriel e toda a cúpula do Governo de qualquer responsabilidade pelo massacre. No segundo mandato do Governador Almir Gabriel, o Coronel João Paulo Vieira foi nomeado Chefe da Casa Militar.
O inquérito policial instaurado por determinação do Superior Tribunal de Justiça para apurar a responsabilidade do Governador Almir Gabriel foi arquivado a pedido da Procuradoria Geral da República. Mesmo tendo sido afastadas pessoas com envolvimento importante no massacre, em função da intensa pressão do MST e da sociedade, conseguiu-se que pelos menos os policiais militares diretamente envolvidos com as execuções sumárias e lesões fossem processados judicialmente.
No final do mês de março de 2012, a defesa dos réus Mario Colares Pantoja e Major José Maria Pereira Oliveira apresentou ao Supremo Tribunal Federal pedido de habeas corpus, requerendo fosse concedido o direito de permanecerem aguardando em liberdade o final julgamento de todos os recursos protelatórios que vêm sendo apresentados.
Ante essa evidente tentativa de protelar ainda mais o cumprimento da sentença condenatória que foi imposta pelo Tribunal do Júri, o ministro Gilmar Mendes, em decisão liminar data de 28 de março de 2012, depois de afastar as alegações da defesa, fez contar de sua decisão: “É que, reconhecida a existência de abuso do direito de recorrer, tem sido firme a posição desta Corte no sentido de determinar a baixa dos autos independentemente do trânsito em julgado” (HC 112751).
Essa decisão obriga que imediatamente os autos do processo retornem ao Pará, para o imediato início do cumprimento das penas que foram impostas, pondo fim à impunidade reinante no caso.
Abaixo, veja cronologia.
Junho de 1996
Início do maior processo em número de réus da história criminal brasileira. Cento e cinqüenta e cinco policiais militares. Nesses 10 anos, o processo ultrapassou o número de 10 mil páginas.
Setembro de 1996
O Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra (MST) e o Centro pela Justiça e o Direito Internacional (CEJIL) apresentaram à Comissão Interamericana de Direitos uma petição contra a República Federativa do Brasil. A referida petição denuncia a violação dos artigos 4, 5, 8, 25 e 1.1 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos, em prejuízo de Oziel Alves Pereira e outros.
16 de agosto de 1999
Primeira sessão do Tribunal do Júri para julgamento dos réus em Belém, presidida pelo juiz Ronaldo Valle. Esta sessão encerrou-se com a absolvição dos três oficiais julgados - Coronel PM Mário Colares Pantoja, Major PM José Maria Pereira de Oliveira e Capitão PM Raimundo José Almendra Lameira. Foram 3 dias de sessão com cerceamento dos poderes da acusação, impedimento da utilização em plenário de documentos juntados no prazo legal, permissão de manifestações públicas de jurados criticando a tese da acusação e defendendo pontos de vista apresentados pela defesa.
Por fim, o juiz Ronaldo Valle, em decisão polêmica, apresentou questionamento aos jurados que distorceu o resultado da votação do Conselho de Sentença, obtendo assim a absolvição dos três réus pelo placar de quatro votos a três. Com a pronta reação do MST e dos advogados e promotor, os julgamentos dos demais cento e cinqüenta e dois réus foram imediatamente suspensos.
Abril de 2000
Tribunal de Justiça do Estado do Pará determinou a anulação do julgamento, decisão mantida em um segundo julgamento em outubro de 2000. Antevendo a anulação do julgamento, o juiz Ronaldo Valle solicitou o afastamento do caso.
Dos dezoito juízes criminais da Comarca de Belém, dezessete informaram ao Presidente do Tribunal de Justiça que não aceitariam presidir o julgamento, informando como razão para tal, na maioria dos casos, simpatia pelos policiais militares e aversão ao MST e aos trabalhadores rurais.
Abril de 2001
Nomeada uma nova juíza para o caso - Eva do Amaral Coelho que designou o dia 18 de junho de 2001 como data para o novo julgamento dos três oficiais absolvidos em agosto de 1999. Contudo, alguns dias antes do início da sessão, a juíza Eva do Amaral Coelho determinou a retirada do processo da principal prova da acusação, um minucioso parecer técnico da Unicamp, subscrito pelo Professor Ricardo Molina que, em conjunto com um CD - Rom de imagens digitais, comprovava claramente que os responsáveis pelos primeiros disparos contra os trabalhadores foram os policiais militares.
Novamente o MST reagiu a esta nova situação anormal obrigando a juíza a rever sua posição. Em função disso, a juíza Eva do Amaral Coelho suspendeu o julgamento marcado para o dia 18 de junho e não apresentou nova data para a retomada do julgamento.
14 de maio a 10 de junho de 2002
O julgamento dos acusados pelo massacre Eldorado do Carajás foi retomado. Após cinco sessões de julgamento, dentre os cento e quarenta e quatro acusados julgados, cento e quarenta e dois foram absolvidos (soldados e 1 oficial) e dois condenados (Coronel Pantoja e Major Oliveira), com o benefício de recorrerem em liberdade. Em decorrência dos benefícios estendidos aos dois únicos condenados, as testemunhas de acusação não compareceram mais ao julgamento, em função de ameaças de morte e por não acreditarem na seriedade do julgamento.
Conforme informações publicadas pela imprensa do Pará, os jurados eram pressionados por pessoas ligadas aos acusados no sentido de votarem pela absolvição. Pelo menos uma jurada suplente teve a coragem suficiente para confirmar a ocorrência de tais fatos. Durante cerca de vinte dias, os principais jornais do Estado do Pará publicaram matérias informando em detalhes as intimidações e ameaças de morte que estariam recebendo as principais testemunhas da acusação, principalmente duas, Raimundo Araújo dos Anjos e Valderes Tavares.
Nada foi feito em relação à proteção e salvaguarda de tais testemunhas, tampouco as autoridades do Poder Judiciário do Pará cogitaram suspender o julgamento, que se apresentava previamente com seu resultado comprometido, em função do clima de hostilidade e intimidação existente contra as testemunhas de acusação e jurados.
Prevendo esta situação, o MST não aceitou participar de um julgamento onde não estivessem sequer garantidas a segurança e a tranqüilidade das pessoas fundamentais para a acusação. Tanto a defesa como a acusação apresentaram recursos de apelação para o Tribunal de Justiça do Pará.
Fevereiro 2003
A petição do MST e da Cejil foi aceita pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos da OEA, com relação aos fatos denunciados e aos artigos 4 (direito à vida); 5 (direito à integridade pessoal); 8 (garantias judiciais); 25 (direito a um recurso judicial); e 2 (dever de adotar disposições de direito interno) da Convenção Americana, juntamente com o artigo 1.1 do referido tratado (obrigação de respeitar os direitos constantes da Convenção).
Atualmente, está em discussão a posição das partes envolvidas. (fonte: http://www.cidh.oas.org/annualrep/2003port/Brasil.11820.htm )
Novembro de 2004
A 2ª Câmara do Tribunal de Justiça do Pará julga numa só sessão julgou todos os recursos da defesa e da acusação e manteve a decisão dos dois julgamentos realizados pelo Tribunal do Júri, absolvendo os 142 policiais militares e condenando o Coronel Pantoja (228 anos de prisão) e o Major Oliveira (154 anos de prisão).
22 de setembro de 2005
Pantoja é posto em liberdade por decisão do Supremo Tribunal Federal que lhe concedeu habeas corpus.
13 de outubro de 2005
Major Oliveira é posto em liberdade por decisão do Supremo Tribunal Federal, que estendeu a ele o habeas corpus em favor do Coronel Pantoja.
Agosto 2009
O Superior Tribunal de Justiça (STJ) negou recursos dos policiais militares condenados pela morte de 19 trabalhadores sem-terra em 1996, ocorridas em Eldorado dos Carajás (PA). A defesa pedia a anulação do julgamento, ocorrido em 2002, mas os ministros da Quinta Turma, por unanimidade, consideraram regular a formulação dos quesitos (perguntas sobre o crime) apresentados ao Júri.
A relatora do recurso, ministra Laurita Vaz, não detectou nulidades nos quesitos formulados pelo juiz. (fonte:http://www.stj.gov.br/portal_stj/publicacao/engine.wsp?tmp.area=398&tmp.... ).
2010 e 2011
Neste período, entre os anos de 2010 e 2011, o Superior Tribunal de Justiça e o Supremo Tribunal Federal julgaram diversos recursos (Recurso Especial, Embargos de Declaração, Embargos de Divergência, Agravo Regimental, Reclamações) apresentados pelo Coronel Mario Colares Pantoja e pelo Major José Maria Pereira Oliveira, com a exclusiva finalidade de postergar o cumprimento das penas que lhes foram impostas.
Ante o descabimento das teses jurídicas apresentadas e ante o evidente caráter protelatório, todos esses recursos foram negados, quer pelo STJ, quer pelo STF.
2012
No final do mês de março de 2012 a defesa dos réus Mario Colares Pantoja e Major José Maria Pereira Oliveira apresentou ao Supremo Tribunal Federal pedido de habeas corpus, requerendo fosse concedido o direito de permanecerem aguardando em liberdade o final julgamento de todos os recursos protelatórios que vêm sendo apresentados.
Ante essa evidente tentativa de protelar ainda mais o cumprimento da sentença condenatória que foi imposta pelo Tribunal do Júri, o Ministro Gilmar Mendes, em decisão liminar data de 28 de março de 2012, depois de afastar as alegações da defesa, decidiu que imediatamente os autos do processo retornem ao Pará, para o imediato início do cumprimento das penas que foram impostas, pondo fim à impunidade reinante no caso.
(MST, 16/04/2012)