O acesso a terra por camponeses no Brasil pouco avançou no primeiro ano do governo de Dilma Rousseff (PT). Dados oficiais do Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária) revelam que a presidenta conquistou em 2011 a pior marca dos últimos dezessete anos, contrariando a expectativa dos movimentos sociais do campo. Não bastasse isso, Dilma está bem atrás do que Fernando Henrique Cardoso (PSDB) e Luiz Inácio Lula da Silva (PT) realizaram no primeiro ano de seus respectivos governos.
Em 2011, 22.021 famílias conquistaram lotes em assentamentos, o que representa 51% da marca de FHC em 1995, quando 42.912 foram assentadas. Já em relação ao governo de seu antecessor, Dilma atingiu 61% do resultado de Lula, que em 2003 assentou outras 36.301 famílias.
Também para 2012 a expectativa em relações às ações do governo não é animadora. De acordo com a assessoria de comunicação do Incra, não mais que 35 mil famílias devem ser assentadas neste ano.
“Se isso se confirmar, o Brasil retrocederá aos patamares dos anos de 1994 e 2004”, avalia Bernardo Mançano Fernandes, especialista em geografia agrária e um dos coordenadores do Data Luta – banco de dados do Núcleo de Estudos, Pesquisas e Projetos da Reforma Agrária da Unesp (Universidade Estadual Paulista) que sistematiza dados do Incra, dos movimentos sociais e dos Institutos de Terras Estaduais.
Para essa avaliação, Mançano considerou os números do banco acadêmico. Mas, se comparada aos números oficiais do Instituto, a estimativa do governo para esse ano deve significar o segundo pior resultado desde 1995.
“Existe uma tendência de decaída no número de assentamentos. Há no governo federal, desde o período de FHC até hoje, uma política e um pensamento que desvalorizam a agricultura camponesa. Eles não veem potencial nesse desenvolvimento, não há metas oficiais estabelecidas”, constata o pesquisador.
Os números confirmam a análise (veja tabela). Desde 2008, o número de famílias assentadas para fins de reforma agrária vem caindo, apesar das promessas do governo de promoção da agricultura camponesa no país. “Um plano de desenvolvimento para a reforma agrária é um plano de desenvolvimento para o Brasil. Hoje as coisas são muito aleatórias porque não temos um plano, estamos sem referência”, avalia Mançano.
Caráter técnico
Segundo o assessor de comunicação do Incra, Walmaro Paz*, “o que se faz é o que se pode, e não o que se quer” para a implementar a reforma agrária no Brasil. “O que depende do Incra está sendo feito. Além disso, é preciso entender que reforma agrária não é só colocar a família na terra. Tem que pensar na infraestrutura da área desapropriada, na capacidade de produção, na localização em relação aos mercados consumidores, é muita coisa”, ressalta.
De acordo com ele, o caráter técnico- político do governo Dilma preza mais pela viabilidade econômica da vida dos futuros assentados que o governo de FHC, por exemplo. Somado a isso, a mudança do presidente do Incra em 28 de março de 2011 – com a troca de Rolf Hackbart por Celso Lisboa de Lacerda – e a reestruturação do órgão que só terminou em setembro, também contribuíram para a morosidade em relação à incorporação de áreas para a reforma agrária.
De fato, os únicos 48 decretos de desapropriação do ano passado foram publicados no Diário Oficial da União no dia 26 de dezembro, às vésperas da virada do ano. No total, 60 fazendas em 13 estados sofreram processos de desapropriação e deverão ser destinadas a 2.739 famílias. Isso significa o atendimento de 1,5% da demanda de um universo de mais de 186 mil famílias acampadas no país, segundo estimativas do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST).
Willian Clementino, secretário de política agrária da Contag (Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura), diz que a entidade avalia “com muita preocupação” os dados do governo Dilma. “A presidenta tem sinalizado que vai zelar pelo desenvolvimento dos assentamentos, e tem dado pouca demonstração de que vai investir na criação de novas áreas. Não há metas para assentamento. Nós temos cobrado isso, mas o governo não se posiciona”, argumenta.
Os números de 2011 são vergonhosos. A reforma agrária ficou burocratizada no Ministério de Desenvolvimento Agrário (MDA) e no Incra no ano passado”, avalia Alexandre Conceição, integrante da Coordenação Nacional do MST. “Nós esperamos que a reforma agrária que a presidenta pretende fazer, mais técnica e visando o desenvolvimento dos assentamentos, realmente aconteça na prática, com investimento em assistência técnica e na liberação de créditos. O momento agora é de fazer”, complementa.
Pepe
Para o MST, que organiza o maior número de famílias acampadas no campo brasileiro – cerca de 60 mil, a nomeação de Pepe Vargas para ministro do MDA deve ser positiva para o avanço da reforma agrária. O gaúcho é homem de confiança da presidenta que, segundo fontes anônimas do governo, estava insatisfeita com o trabalho desenvolvido pelo baiano Afonso Florence.
“Na nossa opinião, com essa troca de ministros, a presidenta reconhece que o ano de 2011 foi um ano fracassado para a reforma agrária. O Pepe Vargas vem de uma cidade bastante agrícola, que é Caxias do Sul (RS), onde como prefeito ajudou a desenvolver a agricultura familiar daquela região. Esperamos que ele possa levar essa experiência administrativa para o MDA e o Incra”, destaca Conceição.
“A gente espera que quem esteja lá tenha a capacidade de coordenar as políticas e avançar. O governo ainda não consegue enxergar que para acabar com a miséria e com a fome, o camponês precisa ter acesso à terra e à produção”, afirma Elisângela Araújo, coordenadora geral da Federação Nacional dos Trabalhadores e Trabalhadoras na Agricultura Familiar (Fetraf).
A reportagem por diversas vezes procurou o presidente do órgão, Celso Lisboa de Lacerda, mas não obteve retorno.
(Por Aline Scarso, Brasil de Fato, 10/04/2012)