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porto do açu grupo ebx/eike batista direitos humanos
2012-04-12 | Rodrigo

A maior obra portuária das Américas, o Complexo Portuário-Industrial de Açu – CPIA, será construída no V Distrito de São João da Barra, RJ, porque a região “tem uma excelente posição geográfica tanto em relação aos campos de petróleo da bacia de Campos como às rotas marítimas para a Europa e Ásia.

Por outro lado, o fato de que havia um grande estoque de terras improdutivas, cujos proprietários estavam dispostos a vender para evitar o risco de tê-las desapropriadas com fins de reforma agrária, facilitou a aquisição de grandes áreas a baixo custo por parte do Grupo EBX”, esclarece Marcos Pedlowski em entrevista concedida à IHU On-Line por e-mail.

Na avaliação do geógrafo, o projeto centrado na exportação de commodities e minérios desconsidera elementos cruciais no que se refere à questão ambiental e social.

“A grande influência que Eike Batista possui em diversos governos estaduais e, até mesmo, no governo federal vem sendo usada para acelerar tanto a emissão das licenças ambientais necessárias como também garantir que os governos estaduais ajam para desapropriar áreas em que os donos não estejam interessados em vendê-las. Foi isso exatamente o que aconteceu em São João da Barra. E no âmbito do Rio de Janeiro, Eike Batista foi um dos financiadores da campanha que reelegeu Sérgio Cabral em 2010, e vem também investindo em programas considerados como vitrine do governo estadual, como é o caso das chamadas Unidades de Polícia Pacificadora – UPPs”, assinala.

Na entrevista a seguir, Pedlowski denuncia o uso da violência na desapropriação das terras ocupadas pelos moradores do V Distrito de São João da Barra e a violação dos direitos humanos garantidos na Constituição Federal.

“Em muitas imissões de posse temos visto a presença também de seguranças privados a serviço da LLX, subsidiária do Grupo EBX, que está construindo o Porto do Açu. Num caso recente, membros da Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro também documentaram a presença de cavaleiros que haviam sido enviados para remover o gado dos agricultores. Essa combinação entre forças policiais e agentes privados já foi motivo de uma denúncia junto ao Ministério Público Federal porque configura a presença de milícias privadas atuando nos processos de desapropriação, o que é completamente ilegal”, relata.

As críticas de Pedlowski também se estendem à viabilidade econômica da obra, pois o empreendimento aposta na exportação de minérios para o mercado mundial, mantendo o Brasil na antiga posição de celeiro do mundo.

“Como os chineses já anunciaram publicamente que vão trabalhar para ser menos dependentes dos minérios e dos produtos agrícolas brasileiros, parece-me que esta é uma aposta de alto risco. Além disso, a economia chinesa está dando claros sinais de desaquecimento, o que deverá diminuir o apetite da China pelas commodities brasileiras. (...) Em função desse cenário, não apenas o Complexo do Açu, mas também outros empreendimentos semelhantes que estão sendo construídos ao longo da costa brasileira correm o risco real de se tornarem ociosos. E o pior é que serão os mais pobres que arcarão com o alto social e ambiental dessa parafernália toda”, adverte.

Marcos Pedlowski é graduado e mestre em Geografia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ, doutor em Environmental Design and Planning no Virginia Tech, Estados Unidos. Atualmente é professor do Laboratório de Estudos do Espaço Antrópico do Centro de Ciências do Homem da Universidade Estadual do Norte Fluminense.

Confira a entrevista.

IHU On-Line – Qual é a relação dos agricultores e pescadores que vivem no V Distrito de São João da Barra com este local? Esse território sempre foi ocupado por eles?
Marcos Pedlowski – Como em muitos pontos do litoral brasileiro, a ocupação e uso da terra no V Distrito agrega uma mistura entre grandes proprietários rurais, agricultores familiares e comunidades de pescadores. Segundo os registros históricos, o início da ocupação efetiva desta região pelos portugueses se deu no final do século XVII, sendo que ali logo se estabeleceu uma mistura de pecuária extensiva com a monocultura da cana de açúcar.

Não creio que seja errado afirmar que muitos dos pequenos agricultores familiares que estão sendo agora expulsos de suas terras pela construção do Complexo Portuário-Industrial do Açu são descendentes das primeiras famílias que ocuparam a região norte fluminense. Além disso, pelos registros orais que temos colhido no contato com os agricultores, existem propriedades que estão nas mãos das mesmas famílias há pelo menos quatro gerações, sendo que as terras são passadas entre as diferentes gerações das mesmas famílias.

Em suma, ao menos no que se refere aos pequenos agricultores, não existem forasteiros, já que a maioria nasceu e cresceu nas terras que agora estão sendo desapropriadas pelo governo do estado do Rio de Janeiro para serem entregues às grandes empresas que virão instalar suas plantas industriais no entorno do Porto do Açu.

Por quais razões esta região foi escolhida para sediar o Complexo Portuário-Industrial do Açu? Do ponto de vista geográfico, quais os erros e acertos desse empreendimento?
Pedlowski – As posições oficiais oferecidas tanto pelo governo do Rio de Janeiro como pelo grupo empresarial do Sr. Eike Batista, o Grupo EBX, dão conta de que a área foi escolhida por ter uma excelente posição geográfica tanto em relação aos campos de petróleo da bacia de Campos como às rotas marítimas para a Europa e Ásia.

Por outro lado, o fato de que havia um grande estoque de terras improdutivas, cujos proprietários estavam dispostos a vender para evitar o risco de tê-las desapropriadas com fins de reforma agrária, facilitou a aquisição de grandes áreas a baixo custo por parte do Grupo EBX.

Além disso, o secretário estadual de Meio Ambiente, o deputado Carlos Minc (PT/RJ) já deu entrevista defendendo que a localização deste complexo portuário-industrial na região norte fluminense seria correta por possibilitar um processo de descentralização industrial, o que aliviaria a pressão causada pela excessiva industrialização da região metropolitana da cidade do Rio de Janeiro. Se considerarmos apenas sob esse ponto de vista, a localização do empreendimento até faz sentido.

No entanto, um primeiro problema é que no processo de planejamento, feito pelo Grupo EBX e pelo governo do Rio de Janeiro, não foram considerados elementos cruciais para um modelo de desenvolvimento econômico que não se desdobre em degradação ambiental e caos social.

O fato é que alguns dos ecossistemas existentes na região, e que já estão sendo negativamente impactados apenas pelo início da construção do Porto do Açu, são únicos no planeta, pois contêm espécies endêmicas bastante singulares. Um exemplo disso é a Lagoa do Salgado, que tem grande valor ecológico, visto que abriga algas que produzem fósseis de origem biológica – os estromatólitos.

Além disso, todo o processo de planejamento para ocupação do território do V Distrito ignorou o fato de que ali havia centenas de famílias vivendo da agricultura e da pesca. Essa omissão, intencional em minha opinião, vai de encontro à noção de que o processo de desenvolvimento não pode ser um jogo de soma zero, onde para um ganhar, o outro tem que perder.

O pior é que, enquanto o Rio de Janeiro tem que importar a maioria absoluta dos alimentos que sua população consome, a implantação do Complexo Portuário-Industrial do Açu – CPIA está afetando drasticamente a oferta de várias culturas agrícolas, tais como o abacaxi, o maxixe e o quiabo. No caso das duas últimas culturas, o V Distrito de São João da Barra era simplesmente a principal área produtora do estado do Rio de Janeiro.

O secretário estadual de Desenvolvimento Econômico, Energia, Indústria e Serviços, o Sr. Júlio Bueno, tem declarado que, entre o aço que será produzido no CPIA e o maxixe que é produzido pelos agricultores, sendo desapropriados pelo governo do Rio de Janeiro, ele prefere o aço.

O que muitos se perguntam aqui é se o Sr. Júlio Bueno vai comer aço ou, se por esse tipo de opção, aqueles que preferirem comer maxixe vão ter que se contentar com aço. Creio que essa metáfora resume bem as contradições com as quais nos defrontamos relativamente ao tipo de modelo de crescimento econômico que está sendo engendrado pelo governo do estado.

Como estão acontecendo as desapropriações de terras no V Distrito de São João da Barra em função da construção do Porto de Açu? Os acordos previstos na legislação estão sendo cumpridos?
Pedlowski – Creio que essa é a questão-chave para explicar os graves conflitos que estão em curso no V Distrito de São João da Barra. Para princípio de conversa, a Companhia de Desenvolvimento Industrial do Estado do Rio de Janeiro – Codin não tem tratado os agricultores e pescadores com o devido respeito. Aliás, muito pelo contrário. Afinal, além de não estar tomando os passos definidos pelos artigos 265 e 266 da Constituição do Estado do Rio de Janeiro, a Codin anda disseminando uma série de versões que, na prática, contribuem para demonizar os agricultores que estão reagindo ao modo pelo qual as desapropriações estão se dando.

Um exemplo é um comunicado oficial que insiste em dizer que não vive ninguém nas terras que estão sendo desapropriadas, o que não é verdade. A Codin também dissemina a ideia de que a Polícia Militar está sendo usada de forma ostensiva para retirar invasores de terras de sua propriedade.

Ora, quem está sendo expulso são os proprietários desapropriados, e que estão sendo retirados à força de terras que ocupam há várias gerações, muitas vezes apenas com a roupa do corpo. Há que se frisar que o artigo 265 da Constituição Estadual prevê a indenização prévia dos que forem desapropriados.

No caso específico das desapropriações, em muitos casos os oficiais de Justiça comparecem às propriedades com mandados que indicam que a desapropriação se dá contra um “réu ignorado”, quando a própria Codin já cadastrou os proprietários. Como essa tem sido uma prática sistemática, visto que ocorreu com muitos agricultores, isso só pode ser entendido como uma estratégia para realizar as imissões de posse sem que se tenha de fazer o pagamento prévio das indenizações, como, aliás, determina a constituição estadual.

O pior é que, ao serem removidos das suas terras, os agricultores ficam sem a devida informação de quando serão indenizados e de como viverão até que o dinheiro lhes seja pago pela Codin. Aliás, voltando ao artigo 265 da Constituição Estadual, o parágrafo II determina a “implantação, anterior à remoção, de programas socioeconômicos que permitam às populações atingidas restabelecerem seu sistema produtivo garantindo sua qualidade de vida”. E nada disso está sendo cumprido e, na prática, os agricultores estão sendo deixados à própria sorte.

Há de se salientar que a população desapropriada possui um alto número de idosos, e muitos deles estão passando por profundos processos de depressão. Nesse sentido, as ações do governo do Rio de Janeiro não estão sendo apenas ilegais, mas também profundamente desumanas.

Segundo informações da mídia, a Codin agiu com violência contra os moradores que tiveram suas residências desapropriadas e até militares estão presente durante as desapropriações. O senhor tem informações a esse respeito? Como vê o uso da força policial em casos como esse?
Pedlowski – Na verdade o que a Codin tem feito é fazer uso do Judiciário e da Polícia Militar para impor a expulsão das famílias de suas terras. As imissões de posse têm sido feitas em meio a um forte esquema repressivo me que os acessos às propriedades são fechados para impedir a chegada dos representantes legais dos agricultores. E isso atenta não apenas contra a Constituição Estadual, mas também contra a Federal. O uso desse forte esquema policial reforça o aspecto de degradação e humilhação a que as famílias estão sendo submetidas.

Em um caso recente, o contingente policial chegava perto de 100 militares, muitos deles fortemente armados, utilizado para remover três famílias onde a maioria dos removidos era composta por idosos e crianças. É interessante notar que até os policiais que participam de tais ações se sentem constrangidos pelas cenas de verdadeiro terror a que as famílias são submetidas.

Mas é preciso dizer ainda que em muitas imissões de posse temos visto a presença também de seguranças privados a serviço da LLX, subsidiária do Grupo EBX, e que está construindo o Porto do Açu.

Num caso recente, membros da Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro também documentaram a presença de cavaleiros que haviam sido enviados para remover o gado dos agricultores. Essa combinação entre forças policiais e agentes privados já foi motivo de uma denúncia junto ao Ministério Público Federal porque configura a presença de milícias privadas atuando nos processos de desapropriação, o que é completamente ilegal.

Como os poderes municipal e estadual se posicionam diante dessas denúncias de violação dos direitos humanos dos moradores de São João da Barra?
Pedlowski – Ora, ambas as esferas de governo estão na raiz das violações dos direitos humanos. Assim, a posição que vem sendo sistematicamente adotada tanto pela prefeitura municipal de São João da Barra como pelo governo do estado é a de negar que essas violações estejam ocorrendo. Até faz sentido, pois se fossem assumir que as violações estão ocorrendo, a prefeita e o governador teriam que se denunciar. E isso, com certeza, não vai ocorrer.

Mas aí é que reside outro problema, pois tanto o Ministério Público Estadual – MPE como o Núcleo de Terras da Defensoria Pública do Rio de Janeiro não têm se envolvido no problema, mesmo em vista de todas as denúncias que estão eclodindo em função da forma truculenta com que as desapropriações estão se dando.

A única reação negativa à forma como se está se dando a instalação do empreendimento veio do Ministério Público Federal de Campos dos Goytacazes, para onde todas as reclamações e ações por parte dos agricultores e seus representantes têm sido dirigidas. Mas apesar do MPF ser importante, é preciso que tanto o MPE como o Núcleo de Terras passem a atuar de forma mais incisiva. Do contrário, as violações e ilegalidades vão continuar.

A quem pertencem as propriedades desapropriadas no V Distrito de São João da Barra?
Pedlowski – Essa é uma questão interessante e pertinente. A imensa maioria das propriedades sendo desapropriadas (se não a totalidade) pertence a pequenos proprietários rurais. As propriedades variam entre dois e 10 hectares, e vem sendo passadas de pai para filho há várias gerações. Isso acaba colocando muitos proprietários numa condição complicada, pois ainda persistem transições baseadas nos acordos informais entre parentes, estando muitos títulos em nome de pessoas que já faleceram. 

Mas o já citado artigo 265 dá cobertura à desapropriação desse tipo de proprietário que não está com a documentação legalizada, ao prever em seu parágrafo I, que deverá ser feito “pagamento prévio e em dinheiro de indenização pela desapropriação, bem como dos custos de mudança e reinstalação, inclusive, neste caso, para os não proprietários, nas áreas vizinhas às do projeto, de residências, atividades produtivas e equipamentos sociais”.

No entanto, a maioria dos agricultores vem sendo expulsa das terras que efetivamente ocupa e de onde seus membros tiram seu sustento sem nenhum tipo de ressarcimento.

Desse modo, com a implantação do Complexo Portuário-Industrial do Açu, o que se está promovendo é o desenraizamento dessa população para entregar as suas terras às grandes corporações, a maioria delas operando em escala transnacional, como é o caso do grupo ítalo-argentino Techint, que está recebendo de graça as terras tomadas dos agricultores para instalar uma siderúrgica que, se anuncia, será causadora de grande emissões de poluentes.

Nesse caso, é preciso lembrar que o que está se fazendo em São João da Barra já foi feito na Baía de Sepetiba para a instalação da Companhia Siderúrgica do grupo alemão Thyssen-Krupp, cujo funcionamento está sendo associado a um aumento exponencial da poluição atmosférica, principalmente em Santa Cruz.

O pior é que, quando questionada sobre as desapropriações em curso, a Codin ainda vem a público afirmar que os oficiais de justiça e a Polícia Militar realizaram ações para retirar invasores das terras que seriam de sua propriedade. Tal procedimento não apenas vai contra o que está estabelecido na Constituição Estadual, como também afronta direitos básicos de todo cidadão brasileiro.

De quebra, a Codin vem destruindo sistematicamente as residências humildes dos agricultores e também os seus plantios. Em alguns casos, as casas foram destruídas com os pertences dos agricultores ainda dentro delas. Se isso não for esbulho, eu não sei o que seria. Mas o crucial aqui é que, enquanto não forem devidamente ressarcidos e nas formas determinadas, os direitos dos proprietários, tenham eles toda a documentação em dia ou não, precisam ser respeitados.

Pode nos explicar como funcionará o mineroduto e Complexo Portuário-Industrial do Açu? Quais as vantagens e desvantagens sociais e econômicas deste empreendimento?
Pedlowski – Para iniciar, o mineroduto que foi construído pela MMX, subsidiária do Grupo EBX que opera na área da mineração, já foi vendido à multinacional Anglo-American, e já rendeu ao Sr. Eike Batista muitos milhões de dólares em sua fortuna pessoal. Além disso, esse negócio entre a MMX e a Anglo-American ilustra bem como o Sr. Eike Batista atua. Eike atua para obter as licenças ambientais, adquire partes das terras necessárias e constrói as estruturas iniciais.

Além disso, o Grupo EBX atrai outras empresas para as áreas já “domesticadas” para que elas se instalem com maior facilidade. De quebra, a grande influência que Eike Batista possui em diversos governos estaduais e, até mesmo, no governo federal vem sendo usada para acelerar tanto a emissão das licenças ambientais necessárias como também garantir que os governos estaduais ajam para desapropriar áreas em que os donos não estejam interessados em vendê-las.

Foi isso exatamente o que aconteceu em São João da Barra. E no âmbito do Rio de Janeiro, Eike Batista foi um dos financiadores da campanha que reelegeu Sérgio Cabral em 2010, e vem também investindo em programas considerados como vitrine do governo estadual, como é o caso das chamadas Unidades de Polícia Pacificadora – UPPs.

Em relação às possíveis vantagens para a instalação do CPIA, uma é a já surrada justificativa da geração de empregos e do aumento da capacidade industrial instalada. No caso do Complexo do Açu, tanto o governo do estado como o Sr. Eike Batista insistem em divulgar a cifra de 50.000 empregos diretos, mas se esquecem de falar que estes postos acabam se concentrando na fase de instalação do empreendimento, e a maioria das vagas é na área da construção civil. Isso significa, dada a realidade regional, que a maioria dos trabalhadores vem de outras partes do Brasil e a maioria vai embora quando as obras terminam.

Já a população local não consegue se empregar nem nessa fase, e a coisa vai piorar ainda mais quando as diversas indústrias estiverem em funcionamento, pois requerem trabalhadores mais especializados.

De quebra, teremos ainda um alto custo social associado não apenas devido aos agricultores e pescadores que tradicionalmente viviam na região e que ficarão sem o que fazer, mas também teremos uma quantidade alta de pessoas que serão atraídas pelas promessas de emprego e provavelmente aumentarão o número de pessoas faveladas e sem emprego, como já aconteceu no município de Macaé quando a Petrobras se instalou e que hoje vive imerso em graves problemas sociais.

Do ponto de vista econômico, este tipo de empreendimento parte de uma aposta na manutenção de uma alta demanda por minérios no mercado mundial, especialmente por parte da China. Mas como os chineses já anunciaram publicamente que vão trabalhar para ser menos dependentes dos minérios e dos produtos agrícolas brasileiros, parece-me que esta é uma aposta de alto risco. Além disso, a economia chinesa está dando claros sinais de desaquecimento, o que deverá diminuir o apetite da China pelas commodities brasileiras.

Para complicar ainda mais, os países europeus não dão sinais de rápida recuperação da grave crise em que se encontram. Em função desse cenário, não apenas o Complexo do Açu, mas também outros empreendimentos semelhantes que estão sendo construídos ao longo da costa brasileira correm o risco real de se tornarem ociosos. E o pior é que serão os mais pobres que arcarão com o alto custo social e ambiental desta parafernália toda.

Qual será o custo desse empreendimento? Os investimentos para a sua construção são privados, públicos ou mistos?
Pedlowski – Segundo o que tem sido divulgado, os investimentos totais deverão girar em torno de 40 bilhões de dólares. Esse alto valor se explica pela dimensão do empreendimento, ao menos no plano conceitual. Para quem ainda não leu nada sobre o CPIA, é preciso dizer ela deverá ser a maior obra portuária das Américas, e também prevê a construção de um terminal portuário privativo de uso misto com capacidade para receber navios de grande porte (220 mil toneladas) e estrutura offshore para atracação de produtos como minério de ferro, granéis sólidos e líquidos, cargas em geral e produtos siderúrgicos.

O CPIA contará com um condomínio industrial com plantas de pelotização, indústrias cimenteiras, um polo metal-mecânico, unidades petroquímicas, siderúrgicas, montadora de automóveis, pátios de armazenagem inclusive para gás natural, cluster para processamento de rochas ornamentais e usinas termoelétricas. Finalmente, CPIA também contará com um mineroduto de mais de 500 km de extensão que trará o minério de ferro produzido pela Anglo-American em Conceição de Mato Dentro-MG até o Porto do Açu.

Pelo que o Sr. Eike Batista e o governo do Rio de Janeiro têm dito publicamente, os recursos que deverão ser usados para viabilizar o empreendimento virão do governo federal (o CPIA está inserido dentro do Programa de Aceleração do Crescimento do governo Dilma), do governo estadual e de corporações nacionais e multinacionais. Mas aqui é importante que se frise que o BNDES tem tido neste empreendimento, assim como em outros similares, uma grande participação, utilizando inclusive recursos do Fundo de Apoio ao Trabalhador – FAT.

Pelo dito, apesar do Sr. Eike Batista gostar de espalhar o mito de que não depende do dinheiro público para tocar seus empreendimentos, o fato é que isso não é verdade. Não deixa de ser curioso o fato de que, enquanto o BNDES investe pesadamente no empreendimento, a Codin não esteja pagando as desapropriações aos agricultores que estão sendo expulsos de suas terras, o que é, no mínimo, um contrassenso. Enquanto isso, Eike Batista continua galgando postos mais altos na escada dos bilionários do mundo.

O que significa, do ponto de vista ambiental, o transporte do minério de ferro de MG através de tubos? Como esse processo será feito?
Pedlowski – Diria que o transporte do minério em si talvez seja, à primeira vista, o que causará menor impacto ambiental, salvo algum grande acidente no mineroduto ao longo dos 500 km que ele deverá percorrer. Agora, nas duas pontas do mineroduto, a degradação ambiental será inevitável. Aliás, a degradação já está ocorrendo, como denuncia uma matéria recentemente publicada pelo Jornal Brasil de Fato, que mostra a gravidade da degradação ambiental e os problemas sociais em Conceição do Mato

Dentro, onde as jazidas de ferro estão localizadas. Segundo o que o Brasil de Fato publicou, o município de Conceição do Mato Dentro, que até recentemente era considerado como a capital brasileira do ecoturismo, hoje enfrenta uma situação muito difícil não apenas em função dos problemas ambientais associados à mineração, mas também pelos custos sociais que esse tipo de atividade sempre acarreta. Além disso, só para se ter uma ideia dos problemas políticos causados pelo empreendimento: o município teve cinco prefeitos apenas nos últimos três anos.

Em relação a São João da Barra, acabamos de fazer um exercício acadêmico como parte de uma disciplina de pós-graduação para tentar contabilizar os valores de emissões de poluentes e dos chamados gases do efeito estufa. Chegamos a números impressionantes. Aliás, eu tenho de frisar que esse exercício de soma foi realizado porque o licenciamento das atividades já autorizadas se deu de forma fragmentada pelo órgão ambiental licenciador do Rio de Janeiro (o INEA), num processo em que não foram considerados nem as sinergias nem os efeitos cumulativos das emissões.

Nesse sentido, diria que estamos sendo empurrados para um cenário semelhante ao que se deu em Cubatão na década de 1970, o que seria uma completa catástrofe para os ecossistemas regionais e para a saúde humana.

Qual a relação entre os governos (municipal, estadual e federal) e a iniciativa privada na construção deste empreendimento, especialmente entre o governador do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral e o empresário Eike Batista?
Pedlowski – A relação de proximidade é total. Se levarmos em conta apenas o fato de que o novo Plano Diretor Municipal de São João da Barra, que teria sido confeccionado pela equipe do ex-governador do Paraná, Jaime Lerner, foi anunciado publicamente como tendo sido pago com recursos da LLX, a mesma empresa que está construindo o Porto do Açu, dá para imaginar como é o resto.

Na prática, a Prefeitura Municipal de São João da Barra se tornou um escritório de serviços do Grupo EBX, não havendo hoje uma clara separação de onde terminam os interesses privados e começam os públicos. Até as placas da Codin e da LLX são tão similares que parecem ter sido feitas no mesmo lugar. Chega a ser difícil saber quem é quem.

O Sr. Eike Batista, graças aos vários canais que possui nas diferentes esferas de governo, tem conseguido uma série de empréstimos que, na prática, tornam as fontes governamentais de financiamento cruciais para a consolidação do CPIA. Além disso, graças à sua, digamos, amizade com o governador do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral, Eike Batista conseguiu que o processo de licenciamento ambiental fosse feito de forma pulverizada, levando a uma aprovação em tempo recorde das licenças.

Eike Batista também conseguiu que o governo do Rio de Janeiro fizesse o decreto de desapropriação que está causando toda essa situação conflituosa e que deixa pequenos agricultores e pescadores na condição de vítimas indefesas.

A boa vontade com Eike Batista no plano federal foi azeitada com o uso dos serviços de consultoria (é assim que se convencionou chamar atividades de lobistas junto ao governo federal) do Sr. José Dirceu. Com esse tipo de personagem envolvido na história, alguém tem dúvida de por que Eike Batista tem sido o foco de tantos empréstimos generosos por parte do BNDES? Eu, particularmente, não.

O mais lamentável disso tudo é que, no afã de apoiar um modelo econômico centrado na exportação de commodities agrícolas e minérios, o Estado brasileiro está pisoteando direitos elementares das parcelas mais humildes da população. Isso, a meu ver, é que precisa ser examinado por todos aqueles que desejam que o Brasil um dia entre num ciclo virtuoso de desenvolvimento econômico com justiça social.

Do contrário, ficaremos repetindo a fórmula imposta pelos colonizadores portugueses, e continuaremos vivendo como se nunca tivéssemos saído do século XVI.

Deseja acrescentar algo?
Pedlowski – Sim. Para finalizar, creio que precisamos urgentemente iniciar uma reação organizada ao que está sendo feito no Brasil em nome de um suposto modelo de desenvolvimento a ferro e fogo. Essa fórmula de centrar o crescimento econômico na exportação de commodities já demonstrou ser a fonte geradora de uma sociedade profundamente desigual e injusta.

Agora, em pleno século XXI, não é possível que assistamos passivamente à repetição de uma lógica surrada, que não resiste sequer a uma análise mínima da realidade de médio prazo da economia capitalista.

Se insistirmos neste modelo fracassado de nação, o Brasil nunca deixará de ser uma economia periférica. Enquanto acreditarmos nessa versão falaciosa de desenvolvimento, em que os mais pobres são sacrificados em nome de uma futura distribuição do bolo que nunca chega, nunca seremos realmente um país moderno e desenvolvido.

Como bem previu Celso Furtado em seu livro “O Mito do Desenvolvimento”, publicado em 1973, a insistência neste tipo de fórmula só vai aprofundar o fosso entre ricos e pobres no Brasil.

Finalmente, precisamos urgentemente de uma tomada de ações de solidariedade ativa por parte dos setores organizados da sociedade brasileira para com as populações que, tradicionalmente, ocupam áreas que estão sendo literalmente invadidas por estes megaempreendimentos, e tendo seu cotidiano destroçado sem o mínimo de respeito por sua cultura e modo de vida.

Se continuarmos assistindo impassíveis a esta situação, o Sr. Eike Batista pode até conseguir o seu objetivo de se tornar o homem mais rico do mundo, mas o que ficará em seu rastro será uma situação de caos tão grande que poderemos assistir a eclosões de violência social nunca vistas na história do Brasil.

(IHU On-Line, 20/03/2012)


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