Jon Shenk, diretor do documentário recém-concluído "The Island President", declarou que fez o filme para conferir um rosto humano às mudanças climáticas, na forma de um líder das Maldivas que defende com veemência que, se o mundo não tomar uma atitude agora, a elevação dos oceanos pode naufragar seu país.
Em fevereiro, porém, o filme deu destaque a outra causa importante -a democracia-, quando seu protagonista, Mohamed Nasheed, renunciou à Presidência, depois de a polícia e o Exército nacionais terem se voltado contra ele. De repente, a ameaça do oceano pareceu recuar, enquanto uma batalha mais imediata ganhava força nas ruas da capital, Male, com choques entre as forças de segurança e os partidários de Nasheed.
Não foi a primeira convulsão desse tipo nas Maldivas. Anos antes de Nasheed ficar famoso por ter promovido uma reunião de gabinete debaixo d'água -para chamar a atenção às mudanças climáticas-, ele passou duas décadas tentando derrubar uma autocracia e promover a democracia nas Maldivas, arquipélago de 1.200 ilhas no oceano Índico, famoso destino turístico.
"Island President" conta durante um bom tempo essa história, repassando os detalhes de como o governo anterior prendeu e torturou Nasheed. Shenk disse que, além de conscientizar as pessoas sobre as mudanças climáticas, quer que seu livro convença o mundo de que Nasheed foi deposto num golpe de Estado orquestrado por seguidores do governante anterior, o ditador Maumoon Abdul Gayoom.
"Essa pode ser a coisa mais importante que o filme consiga fazer", falou Shenk, diretor do documentário aclamado pela crítica "Lost Boys of Sudan" (2003). "Está claro agora que o novo governo não é democrático, que as pessoas que comandam os ministérios são as mesmas que estavam presentes sob o ditador."
O filme não se constrange em ser abertamente pró-Nasheed, que é mostrado como defensor da democracia e dos direitos humanos. Apesar das dificuldades, ele tenta pressionar, suplicar e constranger as potências mundiais a se comprometerem a reduzir as emissões de gases estufa, para que a população maldiva e centenas de milhões de pessoas não se tornem "refugiadas climáticas".
Boa parte do filme foi rodada entre a eleição de Nasheed, em 2008, e uma cúpula global sobre mudanças climáticas promovida em Copenhague em 2009. Os cineastas tiveram livre acesso a Nasheed. "Quando as pessoas assistirem ao filme, espero que a transparência dele fique evidente", disse Shenk.
Uma cena, em que Nasheed está falando com um cidadão, parece antever a turbulência mais recente no país. É julho de 2009, três meses antes de Nasheed fazer um discurso importante em Copenhague. Cansado, o presidente confessa que está cada vez mais impossibilitado de fazer o que quer, porque a oposição doméstica a ele vem se endurecendo.
Em outra cena, em que ele esta planejando a estratégia do país para Copenhague, Nasheed demonstra sua habilidade política ao traçar um plano para que seu minúsculo país consiga sensibilizar a imprensa mundial. "Queremos um grande evento de mídia no menor prazo possível", diz Nasheed a seus assessores.
Em certo sentido, "Island President" é o maior evento de mídia pelo qual Nasheed poderia esperar, embora a atenção da qual ele precisa agora esteja mais relacionada à turbulência política de seu país que às mudanças climáticas. O filme é lançado no momento em que as facções estão apresentando ao mundo narrativas extremamente diferentes sobre o que aconteceu em 7 de fevereiro, quando Nasheed renunciou a seu cargo.
Nasheed, 44, diz que foi forçado a deixar a Presidência porque ameaçou os interesses da velha ordem que comandou o país por 30 anos. Ele exigiu que seu sucessor, o ex-vice-presidente Mohamed Waheed Hassan, convoque uma eleição este ano para pôr fim à crise política, não esperando até a próxima eleição programada, prevista para outubro de 2013.
Hassan, porém, argumenta que Nasheed deixou a Presidência por vontade própria, após a população protestar contra sua política.
"O filme terá um impacto", disse Nasheed, acrescentando que "Island President" vai expor a um público global maior a história das Maldivas e sua realidade política. "Estamos em desvantagem. Mas costumo dizer que sempre trabalhamos em desvantagem. Vamos ter que fazer isso novamente."
(Por Vikas Bajaj, The New York Times / Folha de S. Paulo, 09/04/2012)