Os principais jornais do mundo têm uma coluna relembrando fatos passados: há 50 anos, há 100 anos… Há algum tempo, com a ajuda de amigos, fiz um exercício inverso, de futurologia: daqui a 80 anos, quando estaremos – provavelmente – nos reunindo de novo, em uma nova conferência sobre desenvolvimento sustentável, para ver o que deu errado no meio do caminho (isso, é claro, se os maias não estiverem certos…)
Algumas são mais verossíveis, outras nem tanto. Mas se alguém dissesse, há 80 anos, que nossa geração seria responsável por jogar o planeta no vaso sanitário e dar a descarga, quem acreditaria?
O clima do planeta está mudando. Podemos até minimizar os impactos, mas a vida não será mais a mesma. Não dá para prever exatamente como será a realidade de nossos filhos e netos e mesmo daqueles entre nós que ainda estarão vivos neste novo mundo do final do século.
O que é possível prever, certamente, é que vão culpar a nós pelo que fizemos e o que deixamos de fazer, pelo nosso consumismo idiota, pela ganância desmesurada, pela incompetência política, pelas falsas soluções, pelas grandes conferências que, ao final das contas, serviram mais para turismo e negócios vazios do que para resolver problemas.
Cotidiano – São Paulo
A prefeitura de São Paulo fará, neste domingo, um show para comemorar a retirada da última carcaça de automóvel do Grande Congestionamento de 2042. Na ocasião, o trânsito da capital paulista travou por 24 horas. Os motoristas abandonaram seus carros e a prefeitura considerou que seria mais simples depositar concreto sobre os veículos, construindo vias expressas mais modernas e tirando 8 milhões de carros de circulação.
Com o esgotamento da mina de Carajás em 2070, a multinacional Avert (Anglo-Vale Rio Tinto Inc.) decidiu por comprar do governo municipal o aço dos automóveis, refazendo as vias originais e rebaixando a cidade em 1,5 m. As escavações encontraram restos do que parecem ser arcaicos veículos de transporte do início do século 21 que os moradores daquele tempo chamavam de “bicicleta” e que foram proibidas por criar constrangimento aos automóveis.
Cotidiano – Rio de Janeiro
A prefeitura do Rio de Janeiro inaugurou ontem o Aquário de Copacabana, com um show de João Gilberto, que mostrou ainda ter vigor e reclamou do retorno do som. O Aquário foi construído com a substituição das barreiras de contenção da orla, que eram de concreto, por mais modernas, de alumínio transparente.
A antiga barreira fora colocada em 2041 após o nível do mar subir devido ao aquecimento global e a ressaca atingir o salão de festas principal do hotel Copacabana Palace.
Internacional
Uma cerimônia em Pequim celebrou os dez anos da parceria estratégica “Lixo por Comida” no qual os países da região do Saara recebem o lixo produzido na China em troca da oportunidade oferecida aos cidadãos da região de vasculhar restos de alimentos nos contâiners e usarem a sucata para os mais diversos utensílios. O Saara e a Antártida são os dois últimos grandes depósitos terrestres vagos de lixo no planeta.
O custo mais baixo de despejar resíduos no deserto africano manteve uma vantagem produtiva para as empresas sediadas na China após o espaço do deserto de Gobi ter se esgotado. Na semana passada, a megalópole de São Paulo fechou acordo semelhante com a prefeitura de Gilbués, no Piauí.
Economia
O governo federal declarou, em nota, que irá zerar a alíquota para importação de verduras, legumes e frutas tropicais vindos da Patagônia. O objetivo é rebaixar a pressão inflacionária causado pelo aumento dos preços cobrados por esses produtos desde a drástica redução de oferta no Sudeste por conta da mudança no regime de chuvas.
A aposta de que as espécies geneticamente modificadas conseguiriam se adaptar a um ambiente mais seco pós-colapso do clima não se cumpriu. Os produtores de soja da região de Mogi das Cruzes, que haviam comprado as pequenas propriedades rurais do antigo cinturão verdade da capital paulista, quando o clima se alterou drasticamente, pedem que o governo financie a transposição e a dessalinização da água do mar para irrigação.
Política
Começa na próxima quinta (21), o leilão de matrizes de nelore em Altamira, o mais importante do país. Os pecuaristas prometem fazer barulho e levar seus tratores e colheitadeiras para fechar os pedágios da rodovia Transamazônica. Na pauta de exigências está a concessão gratuita dos últimos trechos disponíveis da Floresta Nacional do Tapajós.
As autoridades do Estado de Tapajós querem igual tratamento para seus produtores que o recebido pelo Estado de Carajás, quando os últimos remanescentes indígenas foram indenizados pelo governo federal para deixarem suas reservas – hoje distribuídas entre os produtores de grãos de São Félix do Xingu. Reclamam que foi exatamente por conta dessa “discriminação” que eles se desmembraram do Estado do Pará em 2021. O MST promete uma marcha para Brasília no mesmo dia.
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Um grupo de refugiados ambientais do Tocantins, que estão acampados na Praça dos Três Poderes, depredaram a estátua da ex-presidente Kátia Abreu. Desde que foi inaugurada, há 30 anos, a estátua teve que ser reposta 1.265 vezes.
Cultura
O governador do Estado do Mato Grosso do Sul inaugurou, na última terça, o Museu do Pantanal. O complexo de edifícios, construído em Corumbá, traz exemplares de pássaros e roedores empalhados que viviam na região e uma extensa coleção de sementes. Um mapa dos limites do Pantanal antes e depois do fim das cheias sazonais mostra o resultado do impacto do agronegócio nas cabeceiras da região.
A contrução do museu, produzido com tecnologia ambientalmente responsável, só foi possível graças a uma parceria com a federação estadual das usinas de etanol. A entrada para adultos custa 45 yuans.
(Blog do Sakamoto, 06/04/2012)