"O planeta funciona como um sistema biofísico que modera o clima (mundial, continental e regional) e forma o solo e sua fertilidade. Os ecossistemas oferecem uma variedade de serviços, inclusive o fornecimento de água limpa e confiável. A diversidade biológica é uma biblioteca viva essencial para a sustentabilidade. Cada espécie representa um conjunto de soluções único para uma série de problemas biológicos e pode ser de importância crítica ao avanço da medicina, da agricultura produtiva, da biologia que fornece a atual sustentação para a humanidade e, mais importante, pode fornecer soluções para o desafio ambiental", escreve Thomas Lovejoy, professor de ciências e política pública na Universidade George Mason e diretor de biodiversidade do Centro H. John Heinz III de Ciência, Economia e Meio-Ambiente.
Segundo o biólogo, "chegou a hora de entender que este planeta que nos deu a existência deve ser administrado como o sistema biofísico que é. É hora de botar as mãos no volante, não para salvar o planeta, mas para mantê-lo habitável".
Eis o artigo.
Em um centro de conferências cavernoso em Londres, tão destituído de vida que parece um set do filme “Matrix”, 3.000 cientistas, autoridades e membros das organizações da sociedade civil reuniram-se na última semana de março para discutir o estado do planeta e o que fazer a respeito.
A conferência do Planeta Sob Pressão se propõe a alimentar diretamente a Conferência de Desenvolvimento Sustentável da ONU “Rio+20”, que será celebrada em junho. A conferência ocorre 20 anos após o Encontro da Terra no Rio, que reuniu o maior número de chefes de Estado e produziu, entre outras coisas, duas convenções internacionais, uma de mudança climática e outra de diversidade biológica.
Não se pode dizer que nada foi alcançado nesse ínterim ou que a compreensão científica ficou parada, mas está óbvio que novos estudos não são necessários para se concluir que a humanidade fracassou em agir com a escala e a urgência necessárias.
Nos EUA, em particular, mas não exclusivamente, atenção demais foi dada a uma questão inexistente, ou seja, se a mudança climática é real ou não. Enquanto isso, o aquecimento do meio ambiente progride inexoravelmente, o gelo do Ártico afinou e retrocedeu ao seu menor ponto no verão e foi associado a uma primavera excepcionalmente quente na Europa e na América do Norte. As flores nasceram cedo na América do Norte e na Europa. A maior parte das pessoas só repara em como o tempo está agradável, sem terem noção da marcha da mudança climática.
Desde a revolução industrial, as nações desenvolvidas contribuíram significativamente para a emissão dos gases de efeito estufa. Isso levou a uma diferenciação dos países no Protocolo de Kyoto, originalmente adotado em 1997, basicamente dando tempo para as nações em desenvolvimento melhorarem suas economias antes de serem obrigadas a tomar grandes medidas.
A resposta dos Estados Unidos na época foi abdicar de sua posição tradicional de liderança, com uma votação no Senado baseada na noção míope que não havia sentido fazer nada se a China e a Índia mantivessem sua política de expansão das usinas de carvão. Enquanto isso, a China está fazendo um progresso mensurável em descarbonizar sua economia e se tornou a maior produtora de painéis solares no mundo.
Mas a questão diante da humanidade é, de fato, maior do que a combustão de combustível fóssil e muito maior do que a mudança climática. O Instituto Ambiental de Estocolmo resumiu muito bem a situação em uma análise que identificou um planeta extrapolando os limites planetários de três formas: mudança climática, uso de nitrogênio e perda de biodiversidade.
O uso frequente e excessivo de fertilizantes de nitrogênio, primariamente pela agricultura industrializada, poluiu rios e lagos e, por sua vez, as águas costeiras em torno do mundo. As zonas mortas resultantes nas águas costeiras e estuários não têm oxigênio e em grande parte estão sem vida. Elas dobraram de número a cada década por quatro décadas - um aumento por um fator de 16. A quantidade de nitrogênio biologicamente ativo no mundo é o dobro do nível natural.
A maior violação até agora de limites planetários está na diversidade biológica. Isso porque, por definição, todos os problemas ambientais afetam os sistemas vivos, e a diversidade biológica integra todos eles. Reduzir nosso capital biológico é pura loucura.
O planeta funciona como um sistema biofísico que modera o clima (mundial, continental e regional) e forma o solo e sua fertilidade. Os ecossistemas oferecem uma variedade de serviços, inclusive o fornecimento de água limpa e confiável. A diversidade biológica é uma biblioteca viva essencial para a sustentabilidade.
Cada espécie representa um conjunto de soluções único para uma série de problemas biológicos e pode ser de importância crítica ao avanço da medicina, da agricultura produtiva, da biologia que fornece a atual sustentação para a humanidade e, mais importante, pode fornecer soluções para o desafio ambiental.
Olhando para o futuro, não temos apenas que lidar com esses problemas em escala planetária, mas também encontrar formas de alimentar e produzir uma qualidade de vida decente para pelo menos dois bilhões de pessoas além dos sete bilhões que já estão aqui. Precisamos fazer isso sem destruir mais ecossistemas e perder mais diversidade biológica.
A inventividade humana deve se abrir ao desafio. Mas tem que reconhecer o problema e lidar com ele imediatamente e em grande escala.
Um passo importante, a criação da organização do “Futuro da Terra”, foi anunciado na conferência. Ele reunirá todas as disciplinas científicas relevantes para trabalharem neste que é o maior desafio na história da nossa espécie. Isso é essencial porque muitos cientistas físicos parecem cegos à importância da biologia no funcionamento do planeta vivo e ela como pode prover soluções críticas. A economia e as ciências sociais também são críticas.
A história vai medir o impacto da conferência do Planeta Sob Pressão e se a Rio+20 vai enfrentar o desafio. Chegou a hora de entender que este planeta que nos deu a existência deve ser administrado como o sistema biofísico que é. É hora de botar as mãos no volante, não para salvar o planeta, mas para mantê-lo habitável.
(Por Thomas Lovejoy, International Herald Tribune / UOL / IHU On-Line, 06/04/2012)