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conflito fundiário no paraguai sem-terra soja
2012-04-03 | Rodrigo

Ativista dos direitos humanos narra detalhes do conflito agrário no país e explica o contexto de ocupação das terras pelos brasileiros

O Paraguai vive uma contradição na questão fundiária: os títulos de terras representam uma extensão maior que o território nacional. Segundo autoridades do governo, os registros de propriedade somam uma área de 530 mil km². No entanto, a dimensão territorial do país não passa de 406 mil km².

Recentemente, o Estado paraguaio iniciou a medição das propriedades localizadas nas regiões de fronteira. A medida acirrou os conflitos agrários no país e resultou na ampliação das ações do movimento dos “carperos”. No alvo das disputas estão os grandes latifúndios, como os 4 milhões de hectares ocupados pelo brasileiro Tranquilo Favero.

Somente na província do Alto Paraná, na divisa com o Brasil, pelo menos 170 mil hectares são ocupados por brasileiros e seus descendentes, os chamados “brasiguaios”.

Paulo Illes, coordenador do Centro de Direitos Humanos e Cidadania do Imigrante (ONG que presta assistência a imigrantes no Brasil), esteve na região. Em entrevista à Radioagência NP, ele narra detalhes do conflito e explica o contexto de ocupação das terras. Entre outras revelações, ele demonstra como o maior latifundiário do país se transformou no “rei da soja”.

Radioagência NP - Paulo, qual a atual situação do conflito envolvendo os chamados “brasiguaios”?
Paulo Illes - Não dá para tratar o tema como um conflito entre brasileiros e paraguaios, como a imprensa brasileira tentou fazer. Dizer que o Paraguai estava expulsando os brasileiros e que vai tomar suas terras. Isso não é verdade. O que está em jogo são as grandes propriedades. Por exemplo, Tranquilo Favero tem mais de 4 milhões de hectares de terra.

Quem é Tranquilo Favero?
Illes - Tranquilo Favero é um grande latifundiário que não planta um pé de soja. No fundo, é um grande agiota. A maioria dos latifundiários são assim. Eles arrendam a terra para os pequenos agricultores, que são obrigados a comprar a semente – que é transgênica – financiar o maquinário, o adubo, o veneno e tudo o que precisa para cuidar da lavoura e ainda vender a soja para esses grandes latifundiários. Além de usar a terra e levar toda a soja para fora, não industrializam nada, não geram emprego, não têm responsabilidade social e ainda agridem a natureza, jogando veneno de todo tipo.

Quando as disputas por terras se intensificaram no Paraguai?
Illes - Em 2005 o governo paraguaio aprovou a lei fronteiriça, que proíbe estrangeiros de países limítrofes – brasileiros, bolivianos e argentinos – de terem posse de terras numa faixa de 50 quilômetros da fronteira. É como se o Paraguai tivesse descoberto o Alto Paraná agora. Durante mais de 40 anos foi uma região totalmente habitada por brasileiros e agora houve essa valorização da terra e o movimento campesino quer terra nessa região.

Quem são os carpeiros? Eles representam o movimento campesino do Paraguai?
Illes - É um movimento quase de luta armada, que não tem apoio da Federação Nacional do Movimento Campesino. É um movimento misturado com militantes de praticamente todos os movimentos campesinos, mas é um movimento novo e não está articulado com os movimentos tradicionais do Paraguai. O movimento campesino do Paraguai sempre teve muita ligação com o MST do Brasil. Quando há uma ocupação, é colocada uma bandeira vermelha do movimento.

Agora, o que aparece nos acampamentos, nos lugares que são ocupados é a bandeira nacional. O discurso do movimento é a soberania, que as terras do Paraguai são para paraguaios e não para brasileiros.

Pela legislação, os brasileiros perderam o direito às terras?
Illes - Como estão ali há 25, 30, 35 anos, eles colocaram essas terras no nome dos filhos e netos. Ou seja, está no nome de paraguaios, mas o movimento camponês alega que os filhos de brasileiros nascidos no Paraguai não são paraguaios porque não falam o Guarani.

Como foi o processo de ocupação da área?
Illes - Chegou-se a falar em 400 mil brasileiros que teriam migrado para o Paraguai entre 1970 e 1985. Foi um macroacordo daquela época, que incluiu a construção da usina de Itaipu, da Ponte da Amizade e uma rodovia, que se une com a BR 277, no Brasil, e se estende até o Porto Paranaguá. Houve, então, uma migração massiva de colonos brasileiros para o Paraguai. O sujeito poderia vender 20 hectares no Brasil e comprar 40, 50 no Paraguai.

Naquela época, o Paraguai vivia uma ditadura militar e o presidente [Alfredo] Stroessner doou terra parra muitos amigos dele – coronéis – que depois venderam para os brasileiros. Hoje tem terras que possuem vários títulos. Tem propriedades que o dono não tem escritura, apenas um contrato de compra e venda.

Como tem sido a atuação dos órgãos do Poder Judiciário?
Illes - O Partido Colorado esteve mais de 50 anos no poder e acabou com as instituições do Paraguai. Não tem um Ministério Público nem Poder Judiciário funcionando. O governo Lugo está tentando recuperar essas instituições para que elas possam atuar e resolver essas emergências que tem no campo. Então, acaba batendo de frente com os corruptos que ainda estão lá. Nem todos os colorados saíram dos cargos que ocupavam há muito tempo.

Qual a representatividade do Partido Colorado hoje?
Illes - O Partido Colorado ganhou as eleições municipais em 24 das 25 capitais departamentais e tem grande expectativa de derrubar o presidente [Fernando] Lugo nas eleições do ano que vem. As organizações sociais do Paraguai estão ausentes, as organizações de direitos humanos estão ausentes e a academia está ausente. Os jornalistas que vão lá, é para fazer propaganda das grandes empresas, das multinacionais e do Partido Colorado, com o objetivo de atacar o governo.

Como você avalia o comportamento do governo brasileiro?
Illes - É uma postura de total respeito à soberania do Paraguai, intervenção de jeito nenhum, a não ser num modelo de cooperação. O Brasil já ofereceu toda a sua tecnologia, estudos geográficos e o sistema de cadastro único de imóveis e propriedades do Brasil.

(Por Jorge Américo, Radioagência NP / Brasil de Fato, 22/03/2012)


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