Em um futuro muito próximo, a maior reserva natural do mundo pode dividir espaço com plantações de cana-de-açúcar. Isso porque tramita com velocidade o Projeto de Lei do Senado (PLS) 626/2011, que permite o plantio de cana em áreas degradadas e nos biomas Cerrado e Campos Gerais da Amazônia Legal.
O projeto elaborado em outubro pelo senador Flexa Ribeiro (PSDB-PA) já foi aprovado pelo relator Mozarildo Cavalcanti (PTB-RR), na semana passada, da Comissão de Desenvolvimento Regional e Turismo (CDR) do Senado. De acordo com o texto, o plantio deve seguir as normas do Código Florestal Brasileiro, além de se orientar por doze diretrizes que incluem o uso de tecnologia apropriada para a produção nessas áreas.
Para Mozarildo, o projeto é uma oportunidade de levar desenvolvimento, emprego e renda para a região de maneira sustentável. “O projeto não quer derrubar a floresta para plantar a cana, mas sim utilizar as áreas que já foram alteradas e os biomas de Cerrado e Campos Gerais respeitando o Código Florestal”, afirma. “Não adianta pensar desenvolvimento sustentável enquanto o caboclo amazônico fica olhando para a floresta e morre de fome.”
No entanto, a proposta não é vista com afeição pelos ambientalistas e é acusada de não levar em conta a realidade histórica da Amazônia. Segundo o parlamentar Randolfe Frederich Rodrigues Alves (PSOL-AP), também da região Norte, já houve outras tentativas de grandes projetos de desenvolvimento para a Amazônia que fracassaram, como a Transamazônica, a Fordlândia e o Projeto Jari.
Estes dois últimos eram projetos de monocultura encabeçados por multinacionais norte-americanas com o objetivo de extrair borracha e celulose, respectivamente, da Amazônia. “As experiências na Amazônia demonstram que a monocultura enriquecia meia dúzia, deixava o povo pobre e degradava o meio ambiente”, explica o senador Alves.
Ambiente inapropriado
Além do desenvolvimento da região, outro argumento do senador Flexa Ribeiro é o grande volume de terras que poderiam ser utilizados para a produção de etanol. Segundo Ribeiro, somente o Pará possui nove milhões de hectares utilizados em atividades agropastoris, especialmente a pecuária extensiva. Para ele, essas áreas teriam aptidão para a cultura da cana e juntas ultrapassam os 6,6 milhões de hectares de cultivo da planta hoje no Brasil.
Contudo, a justificativa de Ribeiro destoa de estudos agrícolas sobre a cana-de-açúcar. De acordo com o Marcos Silveira Buckeridge, professor do Instituto de Biologia da USP, o plantio de cana na Amazônia não é conveniente. “A região possui um clima muito úmido, o que dificulta o amadurecimento da planta”, explica. “Seria preciso desenvolver outra variedade de cana para esse ambiente e, até onde sei, nada está sendo pesquisado nesse sentido.”
Além dos fatores climáticos, novas plantações na Amazônia Legal exigiriam um investimento ‘extra’ para escoar a produção de etanol, sendo que ainda há muito terreno para o cultivo da planta no País. “Utilizamos menos de 3% da área agricultável brasileira para o cultivo de cana. Além disso, ainda podemos otimizar a produção do Sudeste apenas com melhores técnicas de plantio e pesquisas agrícolas. Não precisamos ir para a Amazônia”, adverte Buckeridge.
Efeito dominó
O fato das plantações de cana, prioritariamente, ocupar áreas já alteradas não implica que áreas de floresta não serão desmatadas, explica Sérgio Henrique Guimarães, presidente da ONG Instituto Centro Vida (ICV). Segundo Guimarães, o plantio da cana, mesmo em áreas degradadas, empurra a agropecuária para a floresta.
“Em Goiás, a cana chegou comprou terras acima dos valores aplicados à região, desorganizou a produção de soja e, em cadeia, deslocou os produtores de soja para dentro da floresta, gerando desmatamento”, exemplifica Guimarães. Segundo o presidente da ICV, o mesmo aconteceu com a pecuária no Mato Grosso. “O gado não vai sumir, vai para a floresta”, diz.
Entretanto, não é assim que pensa o relator Mozarildo Cavalcanti. “Nenhum artigo permite que a cana avance sobre a floresta. Essas especulações são ecoxiitismo porque o projeto não permite. Isso é coisa de quem quer ver chifre na cabeça de cavalo”, defende o senador.
Apesar de controversa, a medida avança com rapidez no Senado. “O projeto reflete o conflito de interesses imediatistas agropecuários versus a parcela que pensa políticas de interesse público e estratégias de desenvolvimento sustentável de longo prazo”, analisa Guimarães.
Ao mesmo tempo, o senador Randolfe Frederich Rodrigues Alves (PSOL-AP) diz que hoje há duas concepções distintas no Senado: “uma é a de que a Amazônia é uma fronteira agrícola e energética. Outra,é de que a Amazônia é patrimônio ambiental”, ressalta.
As afirmações estão inseridas em um momento em que a bancada ruralista conta com o apoio velado da bancada evangélica e vem conquistando importantes vitórias no Congresso. Juntas as bancadas totalizam 33% do parlamento e conseguem fazer avançar projetos como a PEC 215 – que compartilha com o Poder Legislativo a decisão sobre quais áreas poderão se tornar reservas indígenas –, ou atrasam e modificam projetos importantes para o País como a Lei Geral da Copa e o Código Florestal.
Com a aprovação da Comissão de Desenvolvimento Regional e Turismo (CDR), o projeto segue para a análise da Comissão de Agricultura e Reforma Agrária (CRA). Após isso, a proposta ainda passará na Comissão de Meio Ambiente, Defesa do Consumidor e Fiscalização e Controle (CMA), onde receberá decisão terminativa.
(Por Marcelo Pellegrini, CartaCapital, 28/03/2012)