O crescimento acentuado das demandas por bens de consumo produzida pela inclusão de grandes massas no Brasil aos mercados de consumo é altamente elogiável sob o prisma da inclusão social na dimensão sociológica ou antropológica.
Mas zoneamentos sócio-econômicos de uso e ocupação dos solos e zoneamentos ambientais ecológicos direcionados a compatibilizar atividades de silvicultura com as vocações naturais dos ecossistemas ou com os usos antrópicos de regiões tem sido sistematicamente atropelados pelos interesses, particularmente arrecadatórios, dos estados no fomento de atividades da indústria celulósica em geral.
Que todos devem estar incluídos com os mesmos direitos e possibilidades no mercado de trabalho e na sociedade de consumo da forma com que esta se expressa atualmente, não tem a mínima dúvida, isto é um consenso social. Mas o desenvolvimento não deve ser a qualquer preço e sobre esta assertiva também existe um consenso entre os diversos segmentos sociais.
Geralmente sob a promessa de quantidades mirabolantes de empregos e comprometimentos inflacionados sobre realidades de arrecadação se atropelam todos os mais elementares princípios de compatibilização da atividade econômica com as vocações dos meios naturais.
Antes da crise de 2008 houveram enormes pressões em diversas regiões do país pela implantação de grandes projetos de silvicultura assentados na produção integrada que acompanha a localização de grandes plantas industriais de celulose. Foi muito frustrante para populações e governos assistir que logo após, em função da crise econômica desencadeada pelos desequilíbrios nos mercados dos países do hemisfério norte, houve uma súbita descontinuidade nos planos e projetos das empresas de celulose.
Geralmente depois de atropelados zoneamentos sócio-ambientais ou ecológicos-econômicos, depois de cooptar a participação maciça de agricultores que foram incentivados a participar de sistemas integrados de plantio e assim investir em silvicultura em detrimento da agricultura e pecuária tradicionais, depois de insuflar sobre a fantástica criação de novos empregos, adveio uma enorme, coletiva e pouco compreendida frustração.
Boa parte dos planos das empresas foi frustrado porque as perdas no cassino financeiro que todas estas empresas sempre participaram geraram perdas muito grandes e danosas.
Esta experiência é didática e pedagógica se a gente extrair as devidas lições dos episódios. Boa parte dos danos ambientais que seriam gerados se tornariam irreversíveis ou definitivamente muito caros para reverter. Milagrosamente começaram a surgir interpretações muito mais realistas destas situações.
Quase que para compensar o cenário de mel e rosas perdido, agentes econômicos e políticos passaram rapidamente a racionalizar a situação, arguindo dos prejuízos futuros que foram evitados. Parece que estes prejuízos futuros não existiam antes, mas deixa pra lá…
Agora que momentaneamente as pressões da indústria da celulose estão arrefecidas, não seria hora de rever com critérios técnicos e adequados uma política de silvicultura que mal existe e cuja principal característica é se tornar subserviente aos interesses de qualquer grupo econômico que se apresente como o empreendedor da circunstância?
Ninguém é contra a inclusão social de todas as camadas da população. Ninguém é contra a igualdade de oportunidades. Ninguém é contra o aumento de arrecadação de impostos ou à criação de milhares de empregos sazonais ou permanentes.
Mas tais realidades devem estar subordinadas e compatibilizadas com as características vocacionais dos ecossistemas, cujas possibilidades e custos de recuperação são imensamente maiores se não forem respeitados e cuja análise de resiliência deve ser um dos principais critérios a nortear uma política de silvicultura adequada.
Sempre defendemos que não são leis sozinhas e sim práticas sociais adequadas que vão determinar a eficácia e a eficiência do pais na implantação das políticas públicas.
Mas bem que um marco regulatório de caráter eminentemente técnico poderia auxiliar muito para que os agricultores não fossem ludibriados por cantos de sereia que inviabilizam propriedades rurais, principalmente as pequenas e por ações que se tornam deletérias no tempo para todo o conjunto do meio ambiente.
Não me lembro de ter tido acesso a qualquer notícia de grupos econômicos, no caso celulósicos, socorrendo pequenos agricultores que ficaram inviabilizados após a suspensão de planos de implantação de plantas de celulose.
Estes agricultores que abandonaram sua vocação original para agricultura familiar e pecuária intensiva associada a subsistência, ambas as atividades essenciais para geração de alimentos e excedentes comercializáveis não costumam ser socorridos nem mesmo pelas autoridades.
A extensão desta discussão é matéria para antropólogos e sociólogos rurais diagnosticarem e prognosticarem em seus estudos.
(Por Roberto Naime*, EcoDebate, 09/03/2012)
* Roberto Naime, Colunista do EcoDebate, é Doutor em Geologia Ambiental. Integrante do corpo Docente do Mestrado e Doutorado em Qualidade Ambiental da Universidade Feevale.