O setor de fumo fatura R$ 6 bilhões por ano e controla cidades inteiras no Rio Grande do Sul e em Santa Catarina. A sociedade paga a conta pelas doenças e mortes causadas por uma atividade econômica letal.
Apesar de todas as medidas sanitárias, um bilhão de pessoas vão morrer, nesse século, em decorrência da exposição ao fumo (World Lung Foundation 2012). São cinco vezes a atual população brasileira. Quase a população de toda a China.
As pessoas são livres para viver ou morrer como bem entendem. O problema são os outros, que pagam o pato, ou a conta. O sujeito encher a cara de uísque e bater o carro em um poste é uma coisa. Encher a cara de uísque e matar uma família é outra. O problema maior é sempre as consequências.
Os falcões de guerra dos Estados Unidos encontraram um jeito de conviver com as consequências de suas bombas. Quando matam crianças e inocentes, com ou sem uísque na cabeça, chamam de efeito colateral. É um jeito de ver as coisas.
Morrer em decorrência da exposição ao fumo gera três consequências, uma humanitária, uma econômica e uma social:
- Consequência humanitária: uma vida humana se perde por causa de uma substância comprada no bar da esquina.
- Consequência econômica: Uma gigantesca cadeia produtiva se sustenta vendendo substâncias letais. A indústria do fumo movimenta, somente no Brasil, R$ 6 bilhões por ano.
- Consequência social: o setor de saúde pública gasta meio bilhão de reais por ano para tratar pessoas que ficam doentes por causa da indústria do cigarro. Dinheiro que poderia tratar outras coisas.
O poder do tabaco
A Souza Cruz – que pertence a British American Tobacco, controla cidades inteiras no interior de Santa Catarina e do Rio Grande do Sul. São cidades literalmente dependentes do tabaco. Os agricultores, muito bem pagos, migraram da produção de alimentos para a produção de fumo.
A nível local, a Souza Cruz elege prefeitos e vereadores. A nível regional e nacional, elege deputados que defendem seus interesses. É o resultado do financiamento privado de campanha, anomalia difícil de erradicar, pois interessa às empresas e aos políticos, que ciscam na porta dos cofres das empresas.
Entre 1975 e 2000, os Estados Unidos evitaram 800 mil mortes em decorrência do tabaco. Economizaram bilhões de dólares em tratamentos. Por aqui, pouca coisa mudou, principalmente por causa do lobby do setor. E dos políticos, você sabe, os que ciscam na porta dos cofres das empresas.
O povo brasileiro é quem paga a conta das mortes provocadas pela Souza Cruz e por outras empresas menos famosas. Os hospitais brasileiros estão lotados de pessoas com doenças causadas pelo fumo: câncer, infarto, enfisema.
Pesquisadores da Fundação Osvaldo Cruz publicaram um relatório que diz o seguinte: para as enfermidades citadas acima, 35,9% dos homens e 27% das mulheres internados na rede hospitalar ficaram doentes por causa do cigarro.
Resultados considerados “subestimados” pelos pesquisadores, devido às limitações do estudo.
Direito de ser livre
Em dois anos será proibida a venda de cigarros com sabor. Dizem que as empresas usam esses produtos para atrair novos consumidores, principalmente adolescentes.
A decisão do governo brasileiro colocou o setor em polvorosa. Encabeçadas pela Souza Cruz, as organizações ligadas à produção de fumo compraram páginas inteiras de jornais para dizer mais ou menos o seguinte: o país vai entrar em colapso se o cigarro com sabor deixar de ser vendido.
As empresas também dizem que diversas cidades de Santa Catarina e do Rio Grande do Sul vão quebrar se a indústria de cigarros entrar em colapso. Certamente as cidades vão quebrar. São dependentes do tabaco. Mas podem ser tratadas.
Os plantadores de coca também vão quebrar se o tráfico de cocaína for contido. Evo Morales que se vire para superar o trauma cultural de uma medida como essa. Nesse caso, a coisa toda é mais complicada. O mundo de fato pode entrar em colapso se faltar cocaína em Wall Street e em outros lugares menos nobres.
As famílias dos trabalhadores da Embraer vão passar fome se a empresa parar de fabricar tanques de guerra voadores, usados para supostamente defender democracias. O mundo não é perfeito. Temos que conviver com suas contradições.
Será que de fato teríamos um mundo melhor sem cigarro, cocaína e aviões que defendem a democracia despejando dinamite?
Assim como a Monsanto lucrou muito dinheiro fabricando agentes químicos para os Estados Unidos defenderem a democracia no Vietnam, a Souza Cruz fabrica bombas químicas em nome da liberdade e do direito das pessoas fazerem o que quiserem. Podemos, inclusive, respirar ar puro enquanto cavalgamos um garanhão e fumamos um cigarro. Somos livres. Viva a democracia!
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Advertência: Não existem níveis seguros para o consumo da hipocrisia contida em cada cigarro.
(Blog do Marques Casara, 23/03/2012)