Uma pequena comunidade agrícola do norte do Chile vai ganhando uma batalha judicial contra o projeto da central termoelétrica de Castilla, de capital brasileiro
O plano de construir um enorme complexo termoelétrico perto de uma zona rica em biodiversidade marinha agitou o tranquilo povoado agrícola de Totoral, na árida região chilena de Atacama, que já conseguiu uma primeira vitória nos tribunais. À frente do plano da Termoelétrica Castilla está a empresa de energia MPX, pertencente ao grupo EBX, de Eike Batista, o sétimo homem mais rico do mundo, segundo a revista Forbes.
A obra seria a maior central de geração térmica da América do Sul, localizada 810 quilômetros ao norte de Santiago. O projeto, de US$ 4,4 bilhões, compreende oito grandes centrais termoelétricas, seis delas a carvão que gerarão 300 megawatts (MW) cada uma, e duas a petróleo, com capacidade individual de 127 MW.
O complexo geraria, assim, quase 2.100 MW, que se somariam ao Sistema Interligado Central, que abastece 90% da população chilena e hoje está em mãos de um oligopólio formado pelas companhias Endesa, Colbún e AES Gener.
Os que são a favor do projeto asseguram que sua localização, em uma área rochosa de 240 hectares, é correta porque se trata de uma área para uso industrial, segundo o plano regulador. Contudo, Castilla tem fervorosos opositores, que apontam em especial a riqueza natural de Punta Cachos, perto de Totoral, uma comunidade que vive da agricultura e que também poderia ser afetada por agentes resultantes da geração térmica.
Punta Cachos “é uma área de grande biodiversidade marinha”, disse ao Terramérica o diretor-executivo da entidade conservacionista Oceana Chile, Alex Muñoz. Ali há populações de pinguins de Humboldt (Spheniscus humboldti) e cormorões guanay (Phalacrocorax bougainvilii), entre outras aves, “além de uma das poucas pradarias de pasto marinho existentes no Chile”, descreveu. Destaca-se, também, uma colônia de tartarugas verdes (Chelonia mydas).
Para esfriar os geradores, Castilla retirará milhões de litros de água do mar por dia, os quais serão devolvidos em elevadas temperaturas ao Oceano Pacífico. A água mais quente “altera o funcionamento normal dos ecossistemas marinhos, provocando desequilíbrios que ameaçam a conservação da biodiversidade e dos diversos recursos do mar que servem de sustento às comunidades locais”, alertou Muñoz.
Além disso, as termoelétricas emitem material particulado, como óxido de nitrogênio, dióxido de enxofre e metais pesados como mercúrio, muito prejudicial à saúde, alertou a ecologista Sara Larraín, diretora da organização não governamental Chile Sustentável. Muñoz explicou que “a queima de carvão libera mercúrio na forma de gás”.
Uma vez na atmosfera, este se condensa e decanta no mar, contaminando a vida marinha. “O consumo de pescados ou mariscos com mercúrio pode trazer graves problemas, como alterações no desenvolvimento cerebral dos fetos e na saúde cardiopulmonar dos adultos”, ressaltou.
A Organização Mundial da Saúde classifica o mercúrio entre os dez grupos de produtos químicos mais nocivos à saúde. O Projeto Castilla contempla um porto para descarga de carvão, uma série de redes viárias e depósitos em um local de cem hectares para colocar cinzas, também contaminantes.
A Lei Geral de Serviços Elétricos, aprovada em 1982 pela ditadura do general Augusto Pinochet (1973-1990), “entregou o desenvolvimento elétrico ao setor privado, que, desde então, diz o que fazer, onde e com qual tecnologia”, afirmou Larraín ao Terramérica.
Os habitantes de Totoral são os principais opositores de Castilla em uma luta desigual, que é apoiada por algumas organizações ecologistas. No entanto, a perseverança da comunidade teve uma primeira recompensa. No dia 6 deste mês, o Tribunal de Apelações de Antofagasta acolheu um recurso contra a central. A decisão judicial determinou que a permissão ambiental para a construção de Castilla se baseou em um informe produzido ilegal e arbitrariamente e que, portanto, nunca deveria ter sido concedida.
A luta continua no Supremo Tribunal de Justiça. A empresa e o Conselho de Defesa do Estado apresentaram no dia 14 diversos recursos de proteção contra a decisão judicial, que chegarão ao máximo tribunal em quatro ou cinco dias úteis.
Larraín expressou otimismo de que “será respeitada a decisão do Tribunal de Apelações de Antofagasta”, que mantém a construção paralisada. “O Chile tem vantagens comparativas enormes para produzir uma boa quantidade de energia a partir de fontes renováveis não convencionais, como vento, sol, marés e outras”, disse Muñoz.
Por outro lado, o ministro da Economia, Pablo Longueira, se queixou de que a paralisação judicial “causa enorme dano ao país”, que precisa aumentar sua capacidade de geração para continuar crescendo. “Hoje em dia, o maior problema que temos para o crescimento econômico é a energia, o custo que o Chile tem com este insumo para toda a economia básica e também com os recursos hídricos”, disse o ministro.
Para Larraín, “é absurdo” o Chile querer continuar dependendo de “combustíveis importados, sujos e caros, em lugar de usar suas próprias alternativas”.
Em uma entrevista à revista chilena Qué Pasa em 2020, Eike Batista defendeu o desenvolvimento de Castilla. “Se as autoridades decidirem que não poderemos desenvolver o projeto, eu recomendaria que todas as mulheres do mundo deixem de secar o cabelo, que não usem mais celulares e não andem de carro. Isto é importante para os chilenos”, afirmou o empresário.
(Por Marianela Jarroud, IPS / Envolverde, 19/03/2012)