A crise na base aliada da presidente Dilma Rousseff tem funcionado como estimulante para a bancada ruralista no Congresso. Ao mesmo tempo que tenta forçar o governo a ceder na questão do Código Florestal, com a possibilidade de negociar o texto aprovado pelo Senado, os ruralistas começam a exercitar sua musculatura em outras áreas.
Um exemplo disso foi a aprovação, nesta semana, na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara, do projeto de lei que transfere para o Legislativo a tarefa - hoje reservada ao Executivo - de demarcar as terras indígenas e de quilombolas.
A mudança constitui um dos pontos mais urgentes de uma agenda que a bancada carrega há alguns anos, mas que ainda não teve força para emplacar. Segundo seus defensores, são pontos que entravam o avanço do agronegócio no País. Também fariam parte da agenda mudanças na lei sobre uso de agrotóxicos, compra de terras por estrangeiros e de unidades de conservação, entre outros temas.
No caso das terras indígenas a tensão é crescente. As grandes demarcações já feitas, sobretudo por Fernando Collor de Mello e Fernando Henrique Cardoso, abrangeram, na quase totalidade, terras devolutas da Amazônia. As atuais reivindicações, porém, ocorrem no Sul, Sudeste e Centro-Oeste, onde as riquezas do agronegócio se multiplicam e valorizam o controle da terra. Cada metro quadrado reivindicado por índios causa reações.
Não será fácil transferir o poder de demarcação para o Legislativo. Uma vez que as disposições sobre o assunto se encontram na Constituição, o mais provável é que a polêmica deságue no Supremo Tribunal Federal (STF). Chama a atenção, porém, o fato de o projeto, que tramitava há algum tempo no Legislativo, ter sido aprovado pela comissão agora, no meio da crise.
Não são apenas os tremores na base aliada, porém, que animam a bancada. Sua voz soa mais forte à medida que aumenta a dependência do Brasil das commodities agrícolas para manter superávits na balança comercial.
Na história política recente do País, poucas vezes o setor rural teve tanta força. Nos debates da Constituinte, em 1988, seus deputados se concentraram sobretudo na contenção das forças que defendiam propostas mais radicais de reforma agrária. Hoje, com a reforma praticamente paralisada, eles põem na mesa outros pontos da agenda.
Curiosamente, isso ocorre no mesmo momento em que sindicatos de empresários e de trabalhadores se juntam para protestar contra a desindustrialização.
(Por Roldão Arruda, O Estado de S. Paulo / IHU On-Line, 24/03/2012)