A biodiversidade tem sido tratada de forma simplista nas iniciativas em prol da conservação – o que não lhes tira o mérito, mas restringe a avaliação de alguns indicadores
O tema da conservação da biodiversidade é praticamente onipresente nos relatórios de sustentabilidade empresarial e nos indicadores de instituições como a International Finance Corporation (IFC), a Global Reporting Initiative (GRI), o Instituto Ethos e outras (mais na edição 46 de PÁGINA22).
Nesse contexto, a ascendente importância do tema levou muitas empresas para além de suas obrigações legais – feito particularmente louvável no Brasil, onde a conservação da biodiversidade é amparada por vários diplomas oficiais (federais, estaduais e municipais) e uma das questões mais relevantes nos processos de licenciamento ambiental.
Apesar de ser um tema de relevância crescente nas iniciativas em prol da conservação, a biodiversidade tem sido tratada de forma simplista nos indicadores de relatórios de sustentabilidade empresarial e das instituições financeiras que seguem as normas dos Princípios do Equador – que institui parâmetros sociais e ambientais nas concessões de financiamento.
A simplificação não tira o mérito nem compromete o êxito de tais iniciativas, mas restringe a avaliação de alguns desses indicadores.
Na prática, a biodiversidade é a diversidade ecológica – um dos temas centrais da Ecologia há mais de um século. A diversidade não é um recurso, algo de que se possa fazer uso, mas, sim, uma propriedade das populações [1] , das comunidades [2] e dos ecossistemas [3]. Impactos em populações, comunidades e/ou ecossistemas afetam a diversidade, quase sempre de forma irreversível. Os efeitos não se restringem às alterações imediatas, mas perpetuam-se de forma complexa e pouco previsível.
Esta discussão pretende incitar o debate sobre a necessária convergência entre a biodiversidade dos padrões e indicadores e a diversidade ecológica da Ecologia. Como o espaço é breve, concentra-se no padrão de desempenho da IFC que trata da conservação da biodiversidade – o PS6 Biodiversity Conservation and Sustainable Management of Living Natural Resources (Conservação da Biodiversidade e Manejo Sustentável de Recursos Naturais Vivos) –, especificamente no que é possível avaliar, na prática, da biodiversidade.
As avaliações do atendimento ao PS6 fundamentam-se nos estudos conduzidos durante o processo de identificação de riscos e impactos sociais e ambientais, em regra, o processo de licenciamento ambiental, e consideram iniciativas voluntárias destinadas a apoiar uma unidade de conservação ou a preservação de determinada espécie.
Como outros indicadores, o PS6 adota o conceito de biodiversidade estabelecido na Convenção sobre Diversidade Biológica (CBD): a variabilidade entre organismos vivos de qualquer natureza, incluindo, entre outros, ecossistemas terrestres, marinhos e outros aquáticos e os complexos ecológicos dos quais fazem parte.
A definição da CBD considera três níveis de diversidade ecológica: a diversidade intraespecífica, a diversidade entre espécies e a diversidade dos ecossistemas. O primeiro nível refere-se à variabilidade genética de populações de determinada espécie. É o objeto da Ecologia Genética, que busca elucidar mecanismos da seleção natural por meio de estudos populacionais de longa duração.
Os estudos, que relacionam dados experimentais à história natural da espécie investigada, são incompatíveis com os objetivos dos processos de identificação de riscos e impactos — dos quais, de fato, não fazem parte.
O segundo nível, entre espécies, é a diversidade específica da comunidade, conhecida como diversidade α (alfa). A diversidade α, na prática, aquela de uma amostra representativa de uma comunidade, é, de longe, a mais investigada. Principal propriedade mensurável das comunidades, a diversidade α conta com modelos e índices robustos para sua estimativa. É, por isso, o descritor mais frequente nos estudos ambientais.
O terceiro nível, a diversidade dos ecossistemas, pode ser tanto correlacionado à diversidade γ (gama), aquela de um conjunto de amostras de diferentes comunidades de determinada região, como à diversidade δ (delta), das mudanças ao longo de gradientes climáticos ou entre diferentes áreas geográficas. Estudos dos níveis regionais de diversidade são poucos e se limitam a modelos teóricos. Por isso, não fazem parte de estudos ambientais.
Assim, as análises circunscrevem-se a um dos três níveis – a diversidade específica da comunidade –, e dependem da qualidade dos dados. Ocasionalmente é possível avaliar outro nível, a diversidade β (beta), entre diferentes comunidades de uma área heterogênea. Como analisar adequadamente a diversidade, nos níveis δ e γ, é tema oportuno para outra discussão.
[1] Conjunto de organismos de determinada espécie que ocupam uma determinada área e mantêm um intercâmbio genético
[2] Conjunto de populações concorrentes que ocupam determinada área e interagem de forma organizada
[3] Conjunto de organismos estabelecidos em comunidades que interagem com o meio físico, produzindo fluxos de materiais entre as partes vivas ou não vivas
(Por Cristina Simonetti*, Página 22, 13/03/2012)
* Bióloga, mestre em Geologia Sedimentar e doutora em Ecologia. Diretora técnica da ERM Brasil.