Um ano depois da rebelião que paralisou por meses a obra da hidrelétrica de Jirau e forçou uma negociação para melhorar as condições trabalhistas no setor da construção, outra greve reacendeu a tensão nesse projeto no noroeste do Brasil. A greve iniciada no dia 8 por 1.500 operários da Enesa Engenharia, empresa responsável pela instalação das unidades geradoras, se estendeu na semana seguinte a todos os trabalhadores da obra, cerca de 20 mil, e já produziu um novo contexto trabalhista.
Desde 1º deste mês vigora um Compromisso Nacional para Aperfeiçoar as Condições de Trabalho na Indústria da Construção, com medidas que favorecem a prevenção de conflitos nos canteiros de obras, que foi assinado pelo governo, nove construtoras e seis centrais sindicais.
Este acordo estabelece uma representação permanente dos trabalhadores para negociar com os administradores na própria obra e a formação de comissões de saúde e segurança, além da contratação pelo sistema oficial de emprego, eliminando o recrutador ilegal – “gato” – e seus abusos.
Porém, a Enesa não aderiu ao compromisso e não atendeu as reclamações de seus empregados em Jirau, especialmente por melhores alojamentos e espaços de convivência, informou Cláudio Gomes, presidente da Confederação Nacional dos Sindicatos de Trabalhadores nas Indústrias de Construção e Madeira (Conticom).
“São oito pessoas em cada alojamento, sem nenhuma privacidade”, enquanto seus vizinhos, os operários da construtora Camargo Corrêa, gozam de melhores condições, disse Gomes, para justificar a greve. Ele viajou desde São Paulo para apoiar o sindicato local nas negociações.
Os grevistas também reivindicam aumento de salário e outros benefícios, em um adiantamento de pontos que vão negociar em maio. Uma assembleia dos trabalhadores, no dia 16, decidiu continuar a greve, embora a justiça a tenha considerado ilegal, em uma sentença impondo ao sindicato local multa equivalente a US$ 111 mil para cada dia de paralisação.
Há muita tensão no canteiro de obras, segundo Gomes, mas a forma pacífica do movimento contrastou com a violência que eclodiu na mesma obra de Jirau em 15 de março de 2011, quando trabalhadores enfurecidos incendiaram 60 ônibus e outros veículos e a maior parte dos alojamentos em que viviam 16 mil operários.
O caos se espalhou, agravado pela repressão igualmente violenta e indiscriminada da polícia, e milhares de trabalhadores fugiram de forma desordenada para Porto Velho, a cidade mais próxima, a 130 quilômetros, e tiveram que ser alojados em sua maioria em um ginásio de esportes.
A rebelião provocou também a interrupção das obras da hidrelétrica de Santo Antônio, no rio Madeira, a apenas sete quilômetros de Porto Velho, capital de Rondônia. De uma hora para outra, mais de 40 mil trabalhadores cruzaram os braços e muitos regressaram para suas distantes terras de origem, em outros Estados.
A construção de Jirau só recomeçou gradualmente três meses depois e sua entrada em operação foi adiada por nove meses da data inicial, neste mesmo mês, segundo seus administradores. A crise de 2011 motivou a intervenção do governo federal para impulsionar negociações com construtoras e centrais sindicais, para evitar novos conflitos e garantir os projetos prioritários de infraestrutura e das obras para a Copa Mundial de Futebol, que será disputada em 12 cidades brasileiras em 2014.
Há cinco anos, os sindicalistas tentavam negociar um convênio coletivo nacional para a construção, a fim de superar a precariedade do trabalho nesse estratégico setor, mas sem obter resposta das empresas, recordou Luiz Carlos Queiroz, secretário-geral da Conticom.
A rebelião de Jirau de um ano atrás também provocou uma onda de greves em outras grandes obras, propiciou “o diálogo que antes não havia” e deu lugar ao compromisso alcançado, ressaltou. “Foi o acordo possível, não atende a tudo que queríamos, mas é um avanço que pode melhorar com mobilização e monitoramento”, ressaltou.
Começou com apenas nove empresas, duas das quais respondem pelas construções de Jirau e Santo Antônio. A adesão das demais é voluntária. No país existem 170 empresas construtoras, segundo a Câmara Brasileira da Indústria de Construção.
Os sindicatos consideram “tímido” o acordo, mas desata um processo que permite solucionar velhos problemas para trabalhadores historicamente “marginalizados” e que agora conquistaram “uma força espetacular” pelo boom na construção civil no país, que gerou um déficit de mão de obra, apontou Gomes.
Atualmente, estimou o secretário da Conticom, há mais de quatro milhões de trabalhadores no setor, uma força de trabalho que “triplicou em dez anos”. A informalidade afetava mais de 60% dos ocupados pelas construtoras, e uma década depois esta “não passa dos 30%”, assegurou. Somam-se “todos os que estão na atividade”, incluídos os autônomos, a redução é igualmente forte, mas a informalidade oscila entre “40% e 45%”, admitiu.
Lutar por um trabalho decente o setor, superando sua tradicional precariedade e baixa remuneração, é dificultado pela “intensa rotatividade”, baixa qualidade e frequente migração, que não favorecem a organização dos trabalhadores, disse Queiroz, filho de um imigrante do Nordeste pobre do Brasil. Muitos aceitam “qualquer trabalho”, sujeitando-se a jornadas extenuantes para ganhar mais, com risco de ficar doente ou se acidentar, reduzindo seu horizonte profissional, lamentou.
No entanto, a realidade do operário da construção está mudando no Brasil. Em São Paulo sua base salarial é superior à dos metalúrgicos, e foi conquistada “após greves e lutas” que também garantiram o direito ao café da manhã e à refeição, disse Queiroz. A rebelião de Jirau, em sua opinião, foi um “ponto de partida” para um período mais promissor. A concentração de muitos trabalhadores em diferentes instalações onde se constrói grandes projetos de infraestrutura favorece o fortalecimento dos sindicatos, explicou Queiroz.
O Sindicato de Trabalhadores da Indústria da Construção Civil de Rondônia, por exemplo, ganhou renovado poder pelo grande aumento de seus filiados desde o começo das obras das hidrelétricas de Santo Antônio e Jirau, em 2008.
(Por Mario Osava, IPS / Envolverde, 19/03/2012)