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2012-03-22 | Rodrigo

A primeira das 44 turbinas da hidrelétrica de Santo Antônio, parte do Complexo Hidrelétrico do Rio Madeira, está prestes a entrar em operação no final deste mês, após a realização de novos testes para verificar os problemas técnicos encontrados em dezembro de 2011.

Entretanto, segundo Ari Ott, eventos climáticos não previstos durante a construção da hidrelétrica chamam a atenção.

“Com a abertura das comportas de Santo Antônio a dinâmica do fluxo das águas do rio foi alterada de maneira inesperada e a margem direita do rio, a jusante das comportas, foi desbarrancada. Justamente na margem onde residem dezenas de famílias que tiveram que ser removidas às pressas e instaladas em hotéis e pousadas precárias”, informa.

Ari Ott vive em Rondônia há 30 anos e tem acompanhado os projetos implementados na região durante esse período e suas consequências. Segundo ele, “a tecnologia usada no complexo do Madeira, com geradores de tipo bulbo, nunca foi utilizada em larga escala. Nesse sentido, é uma tecnologia experimental”.

Na entrevista a seguir, concedida para a IHU On-Line por e-mail, ele esclarece que a linha de transmissão da hidrelétrica de Santo Antônio “deveria ser construída ao mesmo tempo em que as usinas, de modo que, terminadas estas, aquela transmitisse a energia gerada”.

Mas não foi isso o que aconteceu. “Somente em fevereiro deste ano o Ibama licenciou a construção e os canteiros da obra ainda estão sendo instalados. Ou seja, as usinas vão começar a gerar uma Itaipu de energia que não irá para lugar nenhum. Como não é possível estocar energia ela se dissipará no éter, mas nós pagaremos a conta”, afirma.

Ari Miguel Teixeira Ott é graduado em Medicina pela Universidade Federal da Bahia – UFBA, mestre em Antropologia pela Universidade de Brasília – UnB e doutor interdisciplinar em Ciências Humanas pela Universidade Federal de Santa Catarina – UFSC. Atualmente é professor da Universidade Federal de Rondônia.

Confira a entrevista.

IHU On-Line – O rio Madeira tem condições de comportar as hidrelétricas de Santo Antônio e Jirau?
Ari Miguel Teixeira Ott – Não sou especialista em geração de energia e engenharia. Na verdade, não sou especialista em nada, pois sou graduado em medicina, fiz mestrado em antropologia e doutorado interdisciplinar em ciências humanas. Talvez minha única qualificação seja morar em Rondônia há trinta anos e acompanhar os muitos projetos que foram implementados nesta região.

Os engenheiros devem ter a certeza que a resposta é sim, tanto que as hidrelétricas estão em construção e próximas de entrar em operação, gerando algo equivalente à energia de Itaipu. Está também sendo projetada uma terceira usina próxima da fronteira com a Bolívia, que envolve negociações com aquele país e pode demorar mais para sair do papel.

Em um futuro projetado para os próximos 20 anos será criada uma hidrovia integrando as bacias dos rios Madeira, Mamoré, Guaporé, Paraguai e Prata, permitindo que um morador de Porto Velho vá de navio dançar um tango em Buenos Aires.

O Complexo do Madeira é apresentado como a principal vitrine no que se refere à redução dos impactos ambientais. Como o senhor, que vive na região, vê a proposta dessas hidrelétricas?
Ott – A tecnologia usada no complexo do Madeira, com geradores de tipo bulbo, nunca foi utilizada em larga escala. Nesse sentido, é uma tecnologia experimental. O rio Madeira é um rio jovem do ponto de vista geológico, com cerca de 10 milhões de anos. Ele ainda não encontrou seu leito definitivo e a cada cheia nos meses de novembro a maio desbarranca as margens, levando milhares de árvores, troncos, galhos e raízes. Vem daí seu nome.

Nos meses de seca, de junho a outubro, cria extensas praias de areia, que mudam de lugar a cada estação, dificultando a navegação. A avaliação de impacto ambiental leva em conta um conjunto finito de variáveis, eleitas como mais importantes pelo observador externo.

A dinâmica da natureza contempla um número infinito de variáveis, podendo ocorrer que aquela que foi desprezada na avaliação mostre-se fundamental depois. As modelagens feitas em laboratório são apenas uma representação da realidade, enquanto a realidade pode desmentir as predições.

Isso já está ocorrendo?
Ott – Parece que sim. Para além dos problemas técnicos, eventos não previstos pela modelagem chamam a atenção. Por exemplo, com a abertura das comportas de Santo Antônio a dinâmica do fluxo das águas do rio foi alterada de maneira inesperada e a margem direita do rio, a jusante das comportas, foi desbarrancada. Justamente na margem onde residem dezenas de famílias que tiveram que ser removidas às pressas e instaladas em hotéis e pousadas precárias.

O banzeiro do rio, pequenas ondas que lambem a margem de terra, devorou até mesmo o lugar onde estava instalado o antigo marco dos limites entre os estados do Amazonas e Mato Grosso, antes que Rondônia existisse como território. Esse marco histórico se quebrou e desapareceu.

A solução encontrada pela construtora foi reforçar a margem do rio com um dique de rocha, à moda dos holandeses, ao longo de cinco quilômetros. Estão sendo usados impressionantes 85 mil metros cúbicos de rocha para conter o rio, modificando a paisagem original. A avaliação de impacto ambiental não considerou o banzeiro importante, até porque um fenômeno com esse nome não devia mesmo ter importância.

Qual a relação entre as usinas de Santo Antônio e Jirau? Uma depende da outra? Quais são os principais problemas técnicos e sociais dessas hidrelétricas?
Ott – Originalmente as duas usinas foram concebidas para serem construídas pelo mesmo consórcio, de modo a estabelecer uma mutualidade entre elas. Na concorrência cada usina ficou com um consórcio, que age independentemente. A usina de Jirau, que fica a 160 quilômetros de Porto Velho, por exemplo, construiu um vertedouro para a madeira que passa pelo rio, transferindo o problema para Santo Antônio que fica a 12 quilômetros da capital.

O teste com a primeira turbina de Santo Antônio fracassou, por razões não muito claras. Promete-se para breve novos testes. Em Jirau informações oficiosas dão conta de problemas com as ensecadeiras, que estariam sendo reforçadas em regime de urgência. Nos grandes empreendimentos o silêncio é a regra geral e a população somente é informada quando surgem problemas, embora seja ela quem mais sofra. Há um intenso trabalho de relações públicas, com programas de rádio e propagandas na televisão reforçando as benesses, em detrimento da transparência.

Na grande revolta dos trabalhadores em Jirau, eles foram tratados como vândalos, arruaceiros, baderneiros, quando estavam cobrando apenas dignidade e cumprimento dos contratos. Quando surgem problemas técnicos eles são usados para justificar reajustes nos preços, e os problemas sociais são tratados com força policial.

Como o estado de Rondônia e a cultura local foram se modificando por conta dos projetos desenvolvimentistas?
Ott – As usinas foram vendidas à população com a promessa de que o Rio Madeira seria transformado em um rio de leite e mel. Os governos federal, estadual e municipal engajaram-se em uma campanha sem precedentes para convencer a população dos enormes benefícios que as usinas trariam. As vozes discordantes ou eram silenciadas ou tratadas como inimigas do progresso ou cooptadas com generosos contratos. As audiências públicas serviram apenas como uma capa de legalidade.

Com o início das obras e a chegada de milhares de trabalhadores e empresas ligadas ao empreendimento, o mercado imobiliário criou uma bolha especulativa. Os jornais locais anunciam apartamentos e casas de um milhão de reais. Um modesto apartamento de dois quartos é alugado por preços maiores daqueles de São Paulo e Rio de Janeiro. O trânsito tornou-se caótico, e Porto Velho está entre as capitais mais violentas do país.

Com o aumento de acidentes, principalmente envolvendo motos, o sistema de saúde entrou em colapso. O único pronto-socorro da cidade mais parece uma praça de guerra, com pacientes jogados no chão esperando cirurgias ortopédicas que podem demorar de trinta a quarenta dias.

A expectativa inicial não se confirmou em torno das hidrelétricas? A população local será beneficiada com esses projetos?

Ott –
Os grandes benefícios projetados inicialmente ainda não se confirmaram e parece que vão demorar a chegar à população. Os viadutos projetados para organizar o trânsito estão com as obras paradas há anos. São esqueletos de concreto testemunhando a incúria. Os sistemas de esgotamento sanitário e abastecimento de água também estão parados, depois de um início precipitado sem um projeto adequado. Seriam 600 milhões de reais para resolver dois problemas crônicos.

Enquanto isso o grosso da população continua bebendo água de poço contaminada com coliformes. Em Porto Velho apenas 3% da população conta com esgoto e cerca de 30% com água tratada, mesmo morando às margens do maior afluente da margem direita do rio Amazonas. As indústrias que se instalaram na cidade atendem às obras das hidrelétricas e não há políticas públicas ou privadas para absorver os trabalhadores quando as obras estiverem concluídas.

A violência urbana cresceu exponencialmente, com explosões de caixas eletrônicos, assalto a bancos e residências e até sequestro com pagamento de resgate.

Após a conclusão das usinas do complexo do rio Madeira, como ficará o abastecimento de energia na região?
Ott – A energia gerada pelas usinas não se destina à região. Ela será levada pelo linhão do Madeira de 2,5 mil quilômetros até Araraquara, abastecendo o sistema nacional, ao custo estimado de mais de sete bilhões de reais. Os custos nesses empreendimentos estão sempre na casa dos bilhões. Também se diz que será a maior linha de transmissão em corrente contínua do mundo. É tudo grandioso, grandiloquente, menos para nós moradores da região.

Originalmente a linha de transmissão deveria ser construída ao mesmo tempo em que as usinas, de modo que terminadas estas, aquela transmitisse a energia gerada. Porém, a realidade sempre tem um porém. Somente em fevereiro deste ano o Ibama licenciou a construção e os canteiros da obra ainda estão sendo instalados.

Ou seja, as usinas vão começar a gerar uma Itaipu de energia que não irá para lugar nenhum. Como não é possível estocar energia ela se dissipará no éter, mas nós pagaremos a conta.

Notícias informam que alguns grupos indígenas estão “vendendo” o direito sobre as terras que possuem na Amazônia para empresas estrangeiras. Essa situação também se repete em Rondônia? Como o senhor vê esta problemática no país, considerando que os povos indígenas estão desassistidos pela Funai e pelo Estado brasileiro? Há uma mercantilização ambiental?
Ott – Em Rondônia, felizmente as terras indígenas estão praticamente todas demarcadas. Há reivindicações para demarcar territórios tradicionais que serão resolvidas pelos tribunais. O conjunto de terras indígenas e os outros tipos de reservas federais e estaduais ainda garantem que metade do estado esteja com a cobertura florestal.

Nas décadas de 1970 e 1980, com a conivência da Funai, as madeireiras cooptaram povos indígenas para comercializar a madeira de suas reservas. Naquela época o mogno foi vendido pelos índios a preço de bambu. As novas lideranças indígenas interromperam este processo e atualmente têm compreensão que a garantia do território e dos recursos naturais significa a sobrevivência da etnia.

O maior problema dos povos indígenas encontra-se na assistência à saúde, que foi transferida da Funai para a Funasa no ano 2000 e mais recentemente para o Ministério da Saúde, tal o grau de corrupção e desmando. Mas nas aldeias ainda não se percebem melhorias palpáveis.

A sua concepção geral é pessimista. Há saídas?
Ott – Claro que há saídas, e não é o aeroporto ou a rodoviária, mesmo porque a BR-364, que liga Rondônia ao resto do país neste momento, está interditada próxima a Porto Velho, por conta de um igarapé que rompeu a tubulação projetada de maneira inadequada. Os grandes projetos realizados em Rondônia, de modo geral, fracassaram.

A Estrada de Ferro Madeira Mamoré, concluída no início do século XX como símbolo da Modernidade, hoje é apenas memória mal conservada. Da linha telegráfica do Marechal Rondon nem a memória existe mais. O polo noroeste da década de 1980 foi reconhecido pelo Banco Mundial, seu financiador, como exemplo do que não se devia fazer nos trópicos.

As usinas deslocaram milhares de pessoas de suas casas e locais de vida para vilas desenhadas em programas de computador. Não há muitas razões para o otimismo, a não ser o fato de que as pessoas reinventam a vida, reinterpretam os projetos, resistem aos desmandos. Como diz nosso hino: somos destemidos pioneiros. As obras dos homens são fugazes, mas o pôr-do-sol no rio Madeira continua se oferecendo à contemplação.

(IHU On-Line / Amazonia.org.br, 22/03/2012)


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