Procurador acusa de omissão petroleira, seu presidente, executivos e a Transocean por derramamento de 2.400 barris de óleo. Se a Justiça aceitar denúncia, pena somada pode chegar a 31 anos de prisão; para Chevron, acusação é "ultrajante"
O Ministério Público Federal denunciou ontem a Chevron, a Transocean e mais 17 funcionários pelo vazamento de 2.400 barris de petróleo no campo de Frade, na bacia de Campos, em novembro. Entre eles, está o presidente da Chevron no Brasil, o americano George Buck.
Todos foram denunciados sob acusação de omissão -no entender do procurador, eles teriam, de maneiras distintas, condições de evitar que o vazamento ocorresse. Quatro executivos foram acusados ainda de falsidade ideológica, pois teriam entregue às autoridades imagens editadas do vazamento.
A Chevron disse que a denúncia é "ultrajante e sem mérito". A Transocean, que agiu com responsabilidade. O Ministério Público pediu ainda o sequestro de todos os bens dos indiciados, inclusive das duas empresas. A Procuradoria entende que o vazamento foi "um dos maiores desastres ecológicos de que se tem notícia no país".
A partir das investigações da Polícia Federal, o procurador Eduardo Santos Oliveira considera que houve a prática de uma série de crimes ambientais, que as companhias apresentaram um plano de emergência enganoso, que demoraram a informar sobre o acidente e que dificultaram o acesso das autoridades às informações.
Se a Justiça Federal aceitar a denúncia, os envolvidos responderão por crimes cujas penas, somadas, podem chegar a 31 anos de prisão. O Ministério Público Federal pediu ainda depósito de uma fiança de R$ 1 milhão para cada um dos denunciados e mais R$ 10 milhões para cada uma das empresas.
Na sexta à noite, liminar proibiu os 17 denunciados de deixar o país. Até ontem, 12 haviam entregue seus passaportes à Justiça, em Campos.
Efeito prolongado
Segundo a denúncia, Chevron e Transocean detonaram uma "bomba de contaminação de efeito prolongado" ao empregar, na perfuração, pressão acima da suportada. Com o objetivo de tentar fechar o poço após o vazamento, as empresas teriam injetado lama a uma pressão de 13,9 libras por galão, quando sabiam que o máximo que as paredes do poço suportariam seria 10,57 libras.
A lama é usada como uma espécie de cimento, para selar o poço. A pressão teria causado o surgimento de sete fissuras no solo marítimo, a 1.200 metros de profundidade, a maior delas com 300 metros de extensão, de onde o óleo vazou.
"A Chevron não pode dizer agora que não tinha conhecimento disso. Afinal, já havia explorado aquele poço 19 vezes. A situação é tão grave que paira a dúvida se o campo de Frade pode ou não ser utilizado futuramente", disse o procurador da República.
A denúncia acusa ainda a Chevron e a Transocean de buscarem explorar a camada do pré-sal sem ter condições técnicas e de segurança.
O contrato de concessão do bloco, firmado com a ANP, permite a exploração do pré-sal, mas, de acordo com a denúncia, a "atividade, mais complexa do que a inicialmente prevista, deveria ter sido comunicada à ANP".
Entre os denunciados está uma funcionária da Contecom, contratada pela Chevron para dar destinação aos resíduos do vazamento. Ela foi denunciada sob acusação de ter recebido e armazenado o óleo em desacordo com a legislação ambiental. A empresa não se pronunciou.
Chevron diz que denúncia é "ultrajante e sem mérito"
A Chevron afirmou que a denúncia criminal apresentada ontem pelo Ministério Público Federal é "ultrajante e sem mérito".
De acordo com o advogado da empresa, o jurista Nilo Batista, o procurador Eduardo Santos de Oliveira não tem competência para cuidar do caso, que deveria ser direcionado a um procurador do Rio de Janeiro, já que o acidente em novembro, no campo do Frade, na bacia de Campos, ocorreu fora das 12 milhas territoriais brasileiras.
"Nesses casos extraterritoriais a competência é da procuradoria da capital do Estado onde reside o acusado, no caso, no Rio de Janeiro", afirmou.
Em nota, a empresa afirmou que tem colaborado completamente e de forma transparente com todas as autoridades competentes do governo brasileiro, citando como exemplo o transporte de autoridades ao local dos acidentes.
A Chevron também nega que tenha havido dano ambiental na região do acidente. "Nenhum óleo chegou à costa do Brasil. Nenhuma pessoa foi prejudicada em consequência do incidente e não há base técnica para supor que houve algum risco para a saúde humana", afirmou.
A empresa rebateu também a hipótese de um possível colapso do leito marinho como motivo do segundo vazamento, tratado pela companhia como exsudação (afloramento natural de petróleo).
A Contecom, contratada para dar destinação final aos resíduos do vazamento, informou que só irá se pronunciar após receber a denúncia. A analista ambiental da empresa Cíntia Vasconcelos Figueiredo integra a lista dos denunciados pelo MPF.
O porta-voz da Transocean, Guy Cantwell, disse que a empresa agiu com responsabilidade e que seus funcionários fizeram o que foram treinados a fazer.
"Discordamos veementemente dos indiciamentos, os quais são desprovidos de mérito. Defenderemos a companhia, nossos colaboradores, a reputação e a qualidade de nossos serviços. Agimos com absoluta responsabilidade, de forma adequada e rápida, colocando a segurança em primeiro lugar".
Para Marinha, empresa precisa ter helicóptero
A Marinha informou ontem, em nota, que o fornecimento de helicóptero para monitoramento do local do acidente é obrigação da Chevron, prevista no contrato de concessão. A Marinha não havia informado, até terça, o porquê de estar usando um helicóptero contratado pela companhia americana para sobrevoar a região do vazamento.
Pela resolução da ANP, no caso de acidentes, a empresa tem de fornecer acesso "irrestrito e imediato" ao local da concessão. "As empresas operadoras são obrigadas a fornecer meios necessários à fiscalização exercida pelo Estado brasileiro, desonerando a União", diz a Marinha.
Petroleiras têm de atuar com segurança, afirma Dilma
Durante a posse da diretora-geral da ANP (Agência Nacional do Petróleo), Magda Chambriard, Dilma afirmou que as empresas tem que atuar com segurança para garantir a proteção ambiental.
"As empresas que aqui vierem devem saber que o protocolo de segurança deve ser cumprido e que não haverá exceções", disse Dilma.
A declaração foi dada horas antes de o Ministério Público Federal apresentar à Justiça denúncia contra a Chevron e a Transocean por causa do vazamento de 2.400 barris de petróleo em novembro, na bacia de Campos.
De acordo com a diretora-geral da ANP, a Chevron recebeu ontem relatório da agência com 25 autuações em relação ao primeiro acidente, conforme antecipou ontem a Folha. A empresa tem 15 dias para apresentar defesa.
O ministro de Minas e Energia, Edison Lobão, também alertou sobre a atuação das empresas estrangeiras no país. "No que as empresas falharem, terão que responder. O capital estrangeiro é bem-vindo, mas há leis", disse, afirmando que as regras são iguais para a Petrobras.
O ministro disse que o Brasil entrará em um novo patamar de produção de petróleo com a exploração da região do pré-sal que, segundo ele, "nas estimativas mais otimistas pode chegar a reservas de 150 bilhões de barris".
A estimativa do governo para as reservas eram de cerca de 50 bilhões de barris e o ex-diretor-geral da ANP Haroldo Lima chegou a especular que poderiam atingir 80 bilhões de barris.
No seu discurso de posse, Magda Chambriard foi mais contida. Segundo a executiva, as atuais reservas de 15 bilhões de barris devem subir para 30 bilhões de barris nos próximos anos.
Vazamentos são distintos, sustenta setor técnico
A Chevron afirmou que obteve quatro provas -uma laboratorial e três técnicas- de que o óleo encontrado no início de março, na bacia de Campos, não tem relação com o acidente ocorrido em novembro na mesma bacia.
Segundo o advogado da empresa Nilo Batista, o óleo encontrado em março é de composição diferente. "Os setores técnicos da empresa querem pegar outros dados sobre a procedência do óleo, mas já têm indicações de que o primeiro acidente não tem nada a ver com o segundo", disse.
Segundo Batista, existe uma falha geológica na região, que separa o reservatório de Frade do local do segundo vazamento.
(Por Cristina Grillo, Marco Antônio Martins e Denise Brito, Folha de S. Paulo, 22/03/2012)