Geógrafo e professor da USP, Aziz Ab´Saber morreu nesta sexta-feira (16). Próximo aos movimentos sociais, soube como poucos unir ciências naturais e humanas. Para ele, originalidade física, ecológica, social e humana do país obriga que "projetos desenvolvimentistas" levem sempre em conta as contribuições das ciências aplicadas.
São Paulo - Na última quinta-feira (15), o professor de geografia da Universidade de São Paulo (USP), Aziz Ab'Saber, deixou sua residência na cidade de Cotia, região metropolitana de São Paulo, rumo ao escritório da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), na região oeste da capital paulista.
Em sua bolsa, trazia um DVD que reunia toda sua obra consolidada, de 1946 a 2010, que deixou na secretaria da entidade. Seu objetivo era evitar a perda de documentos e imagens que reuniu ao longo da vida, uma preocupação que já o incomodava há alguns anos.
Com o disco, havia uma dedicatória: "Tenho o grande prazer de enviar para os amigos e colegas da universidade o presente DVD que contém um conjunto de trabalhos geográficos e de planejamento elaborados entre 1946-2010. Tratando-se de estudos predominantemente geográficos, eu gostaria que tal DVD seja levado ao conhecimento dos especialistas em geografia física e humana da universidade".
Um dia depois de deixar o disco na SBPC, Ab'Saber faleceu em sua casa, aos 87 anos, vítima de um ataque cardíaco. A história, contada pela jornalista Viviane Monteiro, do Jornal da Ciência, órgão da SBPC, é um alento para aqueles que temem que, junto ao desaparecimento de grandes personagens da cena brasileira, desapareça também seu espólio intelectual.
Presidente de honra da SBPC e multipremiado por condecorações científicas, o geógrafo é autor de estudos e teorias fundamentais para o conhecimento dos aspectos naturais do Brasil. Sua obra, reconhecida internacionalmente, aborda aspectos da ecologia, biologia evolutiva, fitogeografia, geologia, arqueologia e geografia.
Defensor da interdisciplinaridade, soube como pouco aproximar ciências naturais e humanas. Foi próximo ao PT e a Lula, mas depois se afastou, insatisfeito com a política ambiental e projetos de infra-estrutura do governo. De quem sempre esteve ligado foram os movimentos sociais.
Não à toa, o MST divulgou uma nota oficial em sua homenagem. "Estudioso e crítico da realidade, o professor Aziz se notabilizou por suas contribuições para que pudéssemos conhecer melhor as enormes riquezas naturais de nosso país e seus biomas. Mais do que conhecê-las, o professor ajudou a defender a natureza para que fossem utilizadas em benefício dos interesses nacionais e do povo, contribuindo para a solução dos seus problemas", diz o texto.
O movimento lembra ainda que Ab´Saber condenava a exploração privatista e predatória da natureza, voltada para o lucro fácil de grandes empresas, enquanto deixava o passivo do desiquilíbrio para toda a sociedade. Essa era uma das razões que o levava a se opor ao Novo Código Florestal em debate no Congresso - para ele, uma afronta à existência dos biomas brasileiros.
Em texto publicado há alguns anos pela Unesco, o geógrafo discute a contribuição da ciência para o desenvolvimento: "Nunca um país necessitou tanto da ciência quanto o Brasil, em face de sua originalidade física, ecológica e humana; devendo sempre ser lembrado que os estudos básicos para uma correta elaboração de qualquer projeto, dito desenvolvimentista, depende de contribuições das ciências aplicadas", afirma.
Natural de São Luís do Paraitinga (SP), Ab'Saber deixa uma obra inédita. É o terceiro volume da coleção "Leituras Indispensáveis", a ser publicado pela SBPC. O trabalho traz uma homenagem aos primeiros geógrafos no interior do Brasil, como José Veríssimo da Costa Pereira e Carlos Miguel, e às primeiras expedições de Candido Mariano da Silva Rondon, o Marechal Rondon (1865 a 1958).
Adeus
O corpo de Aziz Ab'Saber foi velado no Salão Nobre do prédio da Administração da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP (Rua do Lago, 717, Cidade Universitária, São Paulo), das 19 até às 22 horas de sexta-feira (16) e reaberto sábado (17), a partir das 8 horas. O enterro ocorreu às 11 horas no Cemitério da Paz, no Morumbi, em São Paulo.
(Carta Maior, 16/03/2012)