Essa frase não é minha. Mas quem a disse não é o único a defender a ideia. Em um evento recente que tinha como pano de fundo a Rio+20, realizado em São Paulo (SP) pela Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo), o economista José Eli da Veiga fez uma apresentação muito crítica à forma como a reavaliação do PIB tem sido tratada pela organização do evento.
O Esboço Zero, documento oficial que servirá de base para as discussões da conferência e que é fruto das contribuições de todos os estados-membros das Nações Unidas, trata do assunto de forma sucinta e, na opinião de José Eli, equivocada.
No artigo 111, está lá: “Nós reconhecemos as limitações do PIB (Produto Interno Bruto) como uma medida de bem-estar”. “Há uma inépcia da Rio+20 em relação a essa questão se ela parte do princípio de que o PIB deve ser complementado. É preciso se livrar do PIB”.
José Eli sabe que o PIB nunca foi uma medida de bem-estar. Em sua apresentação, ele recordou que o próprio criador do PIB, Simon Kuznets, assumiu isso diante do Congresso Americano. Em 2008, por uma iniciativa do governo francês, foi criada uma comissão formada por 27 membros – vários deles ganhadores de Prêmios Nobel, como Joseph Stiglitz e Jeffrey Sachs – cujo objetivo era analisar o desempenho econômico junto com o progresso social global.
Essa comissão entregou como resultado um relatório e também um livro, lançado em 2010, com um título mais que sugestivo sobre a conclusão do grupo em relação à forma de medir o bem-estar global: “Mismeasuring our lives” (Avaliando incorretamente nossas vidas, na tradução livre do inglês).
No próximo dia 2 de abril, na sede das Nações Unidas em Nova York, os dois economistas debaterão novamente sobre a necessidade de criar outras formas de avaliar o desempenho econômico dos países e levar isso à prática.
Organizado pelo governo do Butão, esse encontro contará a presença de dezenas de chefes de Estado membros das Nações Unidas. Terá como base a resolução aprovada em julho do ano passado na Assembléia Geral das Nações Unidas, chamada “Felicidade: em direção a uma abordagem holística para o desenvolvimento” e que prega a criação de um novo índice, o FIB (Felicidade Interna Bruta).
Parece utópico demais, mas José Eli da Veiga conseguiu apresentar caminhos relativamente concretos para “superar o PIB”. São eles:
- Substituir o “produto” da sigla por consumo. Usar, para isso, uma medida semelhante à renda líquida domiciliar. O líquido refere-se ao que sobra da renda da família descontados os gastos fixos com aluguel, impostos, etc. Seria contabilizado apenas a renda usada em bens e serviços escolhidos pela família, como pacotes de férias, crediário para comprar um produto…
- Criar um indicador físico da contribuição nacional à insustentabilidade global. O que se propõe é substituir o conceito de pegada ecológica por outros mais objetivos. A pegada ecológica é a comparação entre a pressão da atividade humana (principalmente pelo consumo) e a biocapacidade (capacidade dos ecossistemas se regenerarem). Sugere-se utilizar, por exemplo, a pegada de carbono, hídrica e de biodiversidade.
- Deixar de contabilizar o valor do fluxo de mercadorias e passar a considerar o valor dos estoques de recursos não utilizados. Neste caso, seria necessário discutir que valor dar a produtos que hoje não têm valor de mercado, como a água.
(Por Clarice Couto, Época Negócios, 14/03/2012)