Os maiores bancos privados que atuam no Brasil nem sempre são transparentes no compromisso com a sustentabilidade ambiental numa de suas principais ações: a liberação de crédito. A conclusão é extraída de uma pesquisa do Centro de Estudos em Sustentabilidade da Fundação Getulio Vargas (GVCes).
Outro trabalho, do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), destaca que a preocupação com a saúde do Planeta é uma questão mais de propaganda para as instituições financeiras. Apesar das novas regras do Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária (Conar) para coibir o greenwashing, em que o discurso da sustentabilidade não tem correspondência em práticas sustentáveis, não há sinais de mudança nos comerciais ou nos portais dos bancos na internet.
O portal do Santander exibe, com orgulho, a sede administrativa reconhecida
internacionalmente como prédio ecoeficiente e oferece seu conhecimento no mercado de crédito de carbono para assessorar a estruturação financeira de empresas interessadas em comprar e comercializar os CERs.
O Itaú, por sua vez, alardeia o lançamento de um fundo com cotas na bolsa atreladas ao Índice de Sustentabilidade Empresarial (ISE). O HSBC anuncia, no link, que a concessão de crédito responsável e o gerenciamento de impactos fazem parte de suas iniciativas.
Já o Bradesco, que tem a página Banco do Planeta na internet, ostenta o quarto lugar na lista das 500 empresas mais verdes do mundo e a primeira entre as brasileiras, de acordo com a revista norte-americana Newsweek.
Os quatro bancos são signatários do tratado Princípios do Equador, que estabeleceu diretrizes sociais e ambientais às instituições financeiras para a concessão de crédito acima de US$ 10 milhões. O documento é resultado do encontro promovido, em 2003, pelo International Finance Corporation (IFC) com executivos de dez instituições financeiras diante das preocupações socioambientais. A adesão foi imediata.
Em 2007, de acordo com o Infrastructure Journal, 71% do montante destinado a projetos em países emergentes foi liberado sob as condições dos Princípios do Equador, o que corresponde a US$ 52,9 bilhões.
Ainda assim, tanta preocupação com a sustentabilidade é posta em dúvida por pelo menos uma centena de organizações não governamentais de todo o mundo, que, no ano passado, enviaram carta às instituições financeiras signatárias dos Princípios do Equador cobrando maior comprometimento e reformas no sistema. Sessenta e oito bancos receberam o documento – entre eles, Itaú Unibanco, Caixa Econômica Federal, Banco do Brasil e Bradesco.
Pesquisadores do GVCes, com apoio do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma), dedicaram-se ao diagnóstico das práticas dos principais bancos privados brasileiros relativas à redução dos impactos climáticos de suas operações e ao fomento a uma economia de baixo carbono no estudo “Financiamentos Privados e Mudança do Clima – Análise das estratégias e práticas de bancos privados no Brasil na gestão da mudança do clima”. O resultado foi um aparente paradoxo.
“O tema é atualmente considerado prioritário. Existe um comprometimento formal institucionalizado claro, comprovado por meio de estratégias de atuação em várias linhas de negócio das instituições e nos respectivos processos decisórios. Todavia, existem melhorias a serem feitas”, aponta o trabalho. “Falta ainda uma compreensão do risco das mudanças climáticas para um financiamento antes da sua aprovação.”
As recomendações sugerem o desenvolvimento de uma metodologia para mensuração de emissões financiadas; a capacitação de equipes internas dos bancos, a fim de pôr em prática a estratégia das instituições financeiras com relação à mudança do clima; transparência e diálogo para comunicar as práticas com relação às emissões financiadas de forma a alinhar fornecedores, clientes e sociedade com a instituição; e a criação de centros de excelência em pesquisa aplicada com o intuito de ampliar a compreensão dos riscos com as mudanças do clima.
É mais ou menos a mesma conclusão a que haviam chegado, em 2008, os pesquisadores Maísa de Souza Ribeiro e Otávio José Dias de Oliveira, da Universidade de São Paulo (USP). Na pesquisa “Os Princípios do Equador e a Concessão de Crédito Socioambiental”, eles constataram que “as questões sociais e ambientais estão sendo cada vez mais valorizadas pelas instituições financeiras, devido à responsabilidade que a sociedade espera delas e aos riscos envolvidos”. Mas também anotaram que a análise de informações por parte das instituições financeiras é dificultada pelo fato de a maioria das empresas não divulgar, em suas demonstrações contábeis, informações socioambientais de maneira prática.
“Geralmente, esse tipo de informação mistura-se com as informações econômico-financeiras das empresas”, ressalta o estudo. “Informações de natureza ambiental, principalmente passivos ambientais, não são divulgadas, com receio de que possam prejudicar sua avaliação ou serem usadas por autoridade ambiental para a aplicação de sanções.”
“Os bancos já estão adotando inventários internos de emissões de gases, mas não levam em conta se a empresa que pede o financiamento tem esses relatórios”, diz Mariana Ferraz, advogada do Idec. “Sabe-se que a questão é trabalhosa, mas o grande desafio dos bancos está na adoção de uma política de responsabilidade social sobre os critérios de financiamento.”
A avaliação dos seis maiores bancos que atuam no país piora quando se trata de responsabilidade social. Uma pesquisa do Idec, lançada em abril deste ano, sobre as práticas e políticas das instituições financeiras em relação aos consumidores, trabalhadores e ao financiamento, concluiu que, desses, em número de clientes, apenas um é ao menos socialmente sustentável: o Banco do Brasil, único a obter a nota “bom”.
Caixa Econômica Federal, Bradesco, Santander e Unibanco Itaú tiveram apenas a classificação “regular”. O HSBC foi considerado “muito ruim” no Projeto Guia dos Bancos Responsáveis, principalmente por falta de transparência ao se negar a participar da pesquisa e não responder aos questionários enviados.
“As demandas do consumidor ainda são desrespeitadas pelos bancos, que estão sempre entre os três setores com maior volume de queixas, mas há falta de responsabilidade das instituições financeiras também com os próprios servidores”, diz Mariana Ferraz. “Quando se fala em responsabilidade social ou socioambiental, pensa-se apenas no meio ambiente, mas existem problemas mais fundos, como o respeito ao Código de Defesa do Consumidor.”
“O problema do ponto de vista ambiental ainda não chegou ao Congresso, mas é evidente que não se pode falar em sustentabilidade bancária com tantos problemas de sustentabilidade do crédito pessoal”, afirma o presidente da Comissão de Defesa do Consumidor da Câmara dos Deputados, Roberto Santiago (PSD-SP). “Quem pega financiamento para comprar um carro precisa saber que em alguns casos paga dois automóveis. Tem supermercado em São Paulo que financia a compra de alimentos, mas não avisa o consumidor que cobra juros de 535% ao ano. É preciso clareza das instituições financeiras.”
Clareza e transparência em torno da sustentabilidade são defendidas também pelo Conar. Novas normas éticas foram lançadas em agosto, para estimular as empresas a adotarem práticas sustentáveis verdadeiras por meio da publicidade consciente. O objetivo é reduzir o espaço para a banalização da sustentabilidade e impedir que o tema possa confundir os consumidores.
Além de condenar todo e qualquer anúncio que estimule o desrespeito ao meio ambiente, o Código recomenda que a menção à sustentabilidade em publicidade obedeça estritamente a critérios de veracidade, exatidão, pertinência e relevância.
As novas normas do Conar apregoam que um anúncio que cite a sustentabilidade deve conter apenas informações ambientais passíveis de verificação e comprovação, que sejam exatas e precisas, não cabendo menções genéricas e vagas. Os dados devem ter relação com os processos de produção e comercialização dos produtos e serviços anunciados, e o benefício apregoado deve ser significativo.
As regras valem para todos os meios de comunicação, inclusive a internet. E mais: quem se anuncia como verde não poderá comunicar promessas ou vantagens ou superioridade, tendo em vista que não existem compensações plenas que anulem os impactos socioambientais produzidos pelas empresas.
Pode ser o fim da propaganda enganosa, já proibida pelo artigo 37 do Código de Defesa do Consumidor. Os três parágrafos da lei definem que é “enganosa qualquer modalidade de informação ou comunicação de caráter publicitário capaz de induzir em erro o consumidor”, “é abusiva, dentre outras, a publicidade discriminatória de qualquer natureza” e que “a publicidade é enganosa por omissão quando deixa de informar sobre dado essencial do produto ou serviço”.
Em outros países, a lei também tenta pôr fim a essa prática mais do que usual. Uma diretiva do Parlamento Europeu, de dezembro de 2006, consolidou a legislação que visa a controlar a publicidade enganosa no interesse dos consumidores, dos concorrentes e do público em geral: “Publicidade enganosa é uma publicidade que, potencialmente ou de fato, induz em erro ou afeta a capacidade de decisão do consumidor, ou que, por estas razões, prejudica um concorrente.”
Nos Estados Unidos, onde as punições são mais eficientes, o peso do desrespeito a uma das mais tradicionais peças de propaganda pode custar uma fortuna. Nada menos de US$ 54 milhões é o que um consumidor está pedindo de indenização a uma lavanderia pelo extravio de uma calça. A principal prova de acusação contra a família coreana, dona do estabelecimento, eram duas placas afixadas na porta com os dizeres: “Entregamos no mesmo dia” e “Satisfação garantida”.
No Brasil, os defensores da regulamentação do artigo 192 da Constituição Federal, que trata do sistema financeiro, acreditam que ali pode estar a chave, até mesmo para limitar o financiamento do governo a bancos e empresas que agridem o meio ambiente. O controle poderia pegar em cheio uma das peças-chave do crescimento do país: o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES).
“Os investimentos do BNDES favorecem a concentração econômica ao viabilizar projetos de grandes conglomerados empresariais e financeiros nos setores de mineração e siderurgia, papel e celulose, agropecuária, petróleo e gás, hidroelétrico e etanol, com intensos e extensos impactos sociais e ambientais”, diz João Roberto Lopes Filho, da Plataforma BNDES, uma rede social criada em 2007 por várias entidades, com o objetivo de democratizar os recursos liberados pela instituição. “O discurso do BNDES é verde, mas a prática é cinza.”
“O BNDES ainda é um instrumento da política industrial do governo federal e não pode simplesmente dar um cavalo-de-pau e sair dos setores mais sujos para investir nos menos poluentes. O banco tem tomado algumas ações, mas ainda um pouco tímidas”, diz o especialista em finanças sustentáveis Gustavo Pimentel.
“Existem práticas de sustentabilidade dos bancos privados que estão avançando, mas que não suficientes para mudar o mercado. É preciso avançar na análise de risco socioambiental das empresas, para que o tomador de financiamento cumpra com a legislação, e incorporar adicionais socioambientais a produtos financeiros, como o crédito a construções ecoeficientes. O Banco Central, também, poderia criar mecanismos de incentivo, a partir do que determina Basileia II, para que os bancos aprofundem a análise de risco ambiental.”
Os princípios do Equador
Princípio 1 – Categorias de projeto: Os projetos de financiamento devem ser classificados de acordo com o risco socioambiental. As categorias são de “A”, maior potencial, a “C”.
Princípio 2 – Avaliação social e ambiental: O solicitante deve providenciar avaliação ambiental para projeto que contemple os riscos identificados na categoria de sua classificação.
Princípio 3 – Países da Organization for Economic Cooperation and Development (OECD): Os projetos em países emergentes devem seguir os padrões de desempenho do IFC, considerando a avaliação das condições sócioambientais, a obediência à legislação, o desenvolvimento sustentável, a utilização racional dos recursos renováveis e a preservação da saúde humana.
Princípio 4 – Plano de ação: Projetos da categoria “A”, e se necessário na “B”, devem ter plano de ação para tratar os riscos identificados, programa de gerenciamento, definição da capacidade organizacional, programa de treinamento, participação da comunidade, monitoramento e relatório.
Princípio 5 – Consulta à população: Projetos da categoria “A”, e se necessário da “B”, devem ser submetidos à apreciação dos grupos afetados.
Princípio 6 – Mecanismo de interação durante todo o processo: O mutuário deve manter mecanismos de contato com a população durante o desenvolvimento do projeto.
Princípio 7 – Avaliação independente: O plano de ação deve ser auditado por um profissional especialista independente.
Princípio 8 – Compromissos: Solicitantes do crédito, especialmente da categoria “A”, devem se comprometer a cumprir todas as leis, obter todas as licenças exigidas e cumprir o plano de ação, além de fornecer relatórios.
Princípio 9 – Indicação de especialista: Projetos da categoria “A” devem ter especialista sócioambiental independente para serviços adicionais de monitoramento e elaboração de relatórios.
Princípio 10 – Informações fornecidas pelas instituições financeiras: As instituições financeiras devem publicar informações sobre as experiências com os créditos concedidos.
(Revista Por Sinal, dezembro de 2011)