AGU sugere que a presidente Dilma intervenha diretamente nos contratos com cláusulas abusivas
O comércio de créditos de carbono com comunidades indígenas opera numa zona jurídica nebulosa. O Estado teve acesso a parecer recente da Advocacia-Geral da União (AGU) sobre o tema. A avaliação é de que os contratos já assinados com comunidades indígenas devem sofrer a intervenção da União - não exatamente por parte do órgão indigenista do governo, mas por ato da presidente da República, Dilma Rousseff.
A tendência é de que os contratos com cláusulas consideradas abusivas, como as que impedem os índios de plantar roças e transferem direitos sobre a biodiversidade dos territórios, venham a ser considerados nulos. A Fundação Nacional do Índio (Funai) já encaminha a empresas que negociam créditos de carbono aviso sobre a insegurança jurídica desses contratos.
De acordo com o parecer da AGU, a Constituição garante aos índios a posse e o usufruto exclusivo de suas riquezas. Mas o mesmo artigo 231 da Constituição apresentaria uma ressalva. Em caso de relevante interesse público, cabe à União explorar essas riquezas. Essa interpretação foi feita pelo Supremo Tribunal Federal durante o polêmico julgamento, em 2007, do caso da terra indígena Raposa/Serra do Sol, em Roraima.
"Ainda que definida pela possibilidade de comercialização desses créditos pelas comunidades indígenas e por mais que se defenda o protagonismo indígena, a natureza excepcional das terras indígenas revela a dificuldade de se tratar os contratos assinados como de direito privado, concernente apenas às partes interessadas", avança o parecer da AGU.
Responsabilidade penal. Questiona-se a impossibilidade de responsabilizar penalmente os índios, considerados inimputáveis. "Constata-se que a suposta autonomia da vontade das partes interessadas não se verifica no caso, uma vez que a responsabilidade pelo eventual descumprimento do contrato por parte das comunidades indígenas dificilmente seria atribuída aos próprios índios", afirma o parecer, com argumentos favoráveis a uma intervenção da União no negócio.
O parecer número 2, de 2012, dá uma dimensão da preocupação que o tema gerou no governo, no ano em que o Brasil sediará a Conferência das Nações Unidas Rio+20, marcada para junho, no Rio de Janeiro. De acordo com o texto, é crescente o número de contratos propostos ou já firmados com comunidades indígenas com cláusulas consideradas abusivas, ilegais e lesivas.
A AGU enxerga também ameaça à soberania nacional, porque os contratos garantiriam o acesso de empresas a territórios indígenas "para objetivos outros que não o especificado no contrato".
A restrição a atividades produtivas de manejo tradicional dos índios seria outro problema grave de vários acordos já negociados, com prazos de duração de 30 a 50 anos.
A origem do problemas seria a falta de regulamentação do mecanismo de Redução de Emissões por Desmatamento e Degradação Florestal (Redd). "O que existe é um mercado voluntário e informal de compra e venda de créditos de carbono, especulativo, sem regras formalmente estabelecidas", lembra o texto.
(Por Marta Salomon, O Estado de S. Paulo, 11/03/2012)