Limpeza terá US$ 14 bi até março de 2014, mas trabalho vai levar décadas. Cidade de Iwaki, perto da usina nuclear, faz campanha para mostrar que não há risco em consumir seus produtos
Numa romaria de ônibus, 5.000 trabalhadores deixam a cidade de Iwaki pela manhã rumo ao entorno de 20 km da usina de Fukushima com acesso restrito devido à alta radioatividade. Linha de frente no combate à radiação, o contingente integra enorme esforço para descontaminar o Japão de um dos piores acidentes nucleares do mundo.
Grande parte do trabalho envolve a remoção da terra contaminada. Com pás e até ferramentas de jardim, milhares de funcionários e voluntários estão retirando a primeira camada do solo.
A descontaminação não se limita ao perímetro da usina, duramente atingida pelo tsunami em 11 de março de 2011. Devido ao regime de ventos e chuvas, foram detectados altos níveis de radiação a até 60 km do local do acidente.
Para a limpeza, o governo japonês alocou US$ 14 bilhões até março de 2014, mas o trabalho deve levar décadas. Apenas de terra deverão ser recolhidos 100 milhões de metros cúbicos, cinco vezes mais do que a previsão de retirada para a construção do estádio do Corinthians.
O trabalho de milhares de japoneses contra a radiação começou há um ano, quando os "50 de Fukushima", um pequeno grupo de funcionários da usina, se arriscaram para conter o vazamento e evitar um desastre maior.
Em depoimentos anônimos ao documentário "Inside Japan's Nuclear Meltdown" (por dentro do derretimento nuclear do Japão), funcionários da usina, que estão proibidos de conceder entrevista, relataram as condições extremas dos primeiros dias.
"Não era um lugar para humanos", disse um engenheiro, ao contar que eles se revezavam a cada 17 minutos para consertar uma válvula que controlava gases explosivos.
Apesar dos riscos, nenhum dos que trabalharam na usina nos primeiros dias morreu ou teve problemas mais graves de saúde constatados.
Limpando a imagem
Além da radiação, a região luta para limpar sua imagem. Com 322 mil habitantes, Iwaki, 45 km ao sul da usina, não foi contaminada devido à direção dos ventos, mas agricultores têm dificuldades para vender produtos devido à desconfiança do público. A Prefeitura de Iwaki faz campanhas pelo país para explicar a ausência de risco.
Cerca de 7.000 moradores deixaram a cidade por medo da contaminação. Por outro lado, o município abriga 21 mil pessoas obrigadas a deixar suas casas devido à proximidade da usina. Além disso, os hotéis estão lotados de trabalhadores temporários.
"As pessoas estão cansadas e muito inseguras", disse à Folha Shizuto Suzuki, funcionário de relações públicas da prefeitura local.
Desastre põe governo japonês em encruzilhada energética
O desastre na usina de Fukushima forçou o Japão a repensar sua matriz energética. O país terá de fazer escolhas muito difíceis até o meio deste ano, quando anunciará sua nova política no setor.
Antes de Fukushima, o plano era elevar a participação das fontes nucleares no total de energia elétrica gerada de 24% para até 50% em 2030.
Depois do desastre, que causou o vazamento de material radioativo e obrigou 80 mil pessoas a serem retiradas dos 20 km ao redor da usina, a opinião pública está fortemente contra a expansão do uso desse tipo de fonte.
"Achávamos que a energia nuclear era mais barata, mas estamos reavaliando esse custo", afirmou Noriyuri Shikata, diretor de comunicação do gabinete do premiê Yoshihiko Noda, referindo-se ao desastre nuclear.
Hoje, as 54 usinas nucleares do Japão estão passando por inspeções de segurança, e só duas estão funcionando. A agência de segurança nuclear diz que estão sendo feitos testes de estresse rigorosos e que confia na segurança das usinas, mas o público não parece convencido.
Por enquanto, o país tem apostado em campanhas de economia de energia -os prédios do governo, por exemplo, são gelados, para economizar em aquecimento. Novas termelétricas estão sendo construídas para gerar temporariamente a energia que era produzida pelas usinas nucleares desligadas.
Efeito estufa
Alimentadas a carvão, derivados de petróleo ou gás natural, as termelétricas geram mais de 60% da energia elétrica no Japão. Mas carvão e derivados de petróleo geram poluição e gases-estufa.
Ampliar o uso desse tipo de energia põe em risco o cumprimento de metas do Protocolo de Kyoto, que prevê que o Japão reduza em 6% suas emissões de CO2, tendo como base o ano de 1990.
O gás natural é menos poluente, mas, assim como acontece com os outros combustíveis fósseis, ampliar seu uso implica que o Japão dependa mais de outras nações.
O país importa 99% do petróleo que consome e é o terceiro maior comprador do produto no mundo, atrás dos EUA e da China. Além disso, importa 10% de seu petróleo do Irã e está sendo pressionado pelos EUA a deixar de comprar do país persa.
Já o potencial hidrelétrico do país está praticamente esgotado -não há mais onde construir novas usinas. Restam as chamadas fontes alternativas, como energias solar, eólica e geotermal. A última tem maior potencial, já que há fontes subterrâneas de calor e água no país devido à atividade vulcânica.
Mas esse método também tem limitações ao uso em larga escala; por isso, o governo reluta em fazer um plano de longo prazo que se apoie fortemente nesse tipo de fonte.
A energia solar e a eólica também enfrentam dificuldades, porque dependem da existência de áreas propícias. "Estudamos alternativas tecnológicas, como a geração de energia eólica 'offshore' [em alto-mar]", diz Shikata.
(Por Fabiano Maisonnave e Paula Leite*, Folha de S. Paulo, 12/03/2012)
* A jornalista PAULA LEITE viajou a convite do governo japonês.